quinta-feira, 31 de maio de 2018

A gema de Pilos

Há quem se impressione por estruturas de grande dimensão, pessoalmente impressiona-me mais a capacidade de fazer esculturas de  reduzidíssima dimensão com grande detalhe.
Já falámos aqui dos camafeus à época romana, ou antes, ptolomaicos:


ou seja, estávamos a falar de pequenos artefactos que iam até ao Séc. III a.C.

Acontece que em 2015, houve uma escavação em Pilos, no Peloponeso grego, num sítio que lembra a baía de S. Martinho do Porto, e onde se pensa poder ter estado o Palácio de Nestor, um dos reis ao serviço de Agamémnon, na Guerra de Tróia.
Baía de Voidokilia, Pilos, Peloponeso, Grécia

No ano passado (2017), no resultado dessas escavações que puseram a descoberto a chamada "Tumba do Guerreiro do Grifo", foi apresentado um selo de 3,6 cm de comprimento, uma ágata que representava uma cena de combate, com uma qualidade surpreendente:

Selo em ágata com 3,6 cm de comprimento. A maioria dos detalhes tem menos de 1 milímetro.

Datação para esta obra de arte - anterior a 1450 a.C., e portanto estamos a falar de 1000 anos antes das primeiras obras semelhantes, já de si altamente notáveis para a época, conforme referimos a propósito dos camafeus. 
A maior parte dos detalhes nesta micro-escultura têm menos de 1 milímetro, o que implica uma precisão que dificilmente seria possível sem uma excelente lupa, e uma segurança no traço dificilmente conseguida sem a devida aparelhagem. Para fazermos uma melhor ideia, experimente-se apenas tatuar esta cena na superfície do polegar:
Um pormenor apontado, que surpreendeu os arqueólogos, foi a representação correcta e vincada dos músculos, algo que não se via noutras representações artísticas da época, nem minóicas, nem micénicas, nem egípcias, por exemplo.
A razão para apenas se ter dado atenção à ágata dois anos depois da sua descoberta, é compreensível - estava calcinada, e só uma limpeza permitiu evidenciar a sua beleza.
Além disso, haveriam muitos outros objectos, centenas de selos, muitos de ouro, representando cenas tipicamente minóicas, como o famoso salto sobre o touro:
Um selo de ouro com motivo minóico - o salto sobre o touro.

Vê-se assim uma forte influência da cultura minóica que, de Creta, passava para a Grécia continental.
Curiosamente como Pilos é transcrito Pylos, devendo ser Pulos... estes pulos taurinos deram o pulo até Pulos. A qualidade dos selos em ouro é igualmente notável, mas bastante inferior ao selo em ágata, no que diz respeito à qualidade do desenho e representação do detalhe.

Bom, e qual é a região que sempre mais celebrou este espectáculo taurino?
A pequena ilha de Creta?
Para quem visita Creta ou a Grécia, se há coisa difícil de ver... é uma presença taurina.
E se havia um rei Minos em Creta, o rio Minus era o rio Minho.

Argumenta-se que a cultura minóica de Creta influenciou decisivamente a cultura micénica, e para quem visita Micenas, não haverá grandes dúvidas de que alguns frescos aí encontrados são idênticos aos de Cnossos. Mas a questão é anterior a isso... de onde aparecia a cultura minóica? Uma cultura marítima que celebrava o touro, e que está na origem dos primeiros escritos alfabéticos...
Seria Cnossos o centro de tudo isso, ou apenas um posto avançado que dominava o Mediterrâneo oriental?

Quanto ao Estado da Arte, as pinturas rupestres de Font-de-Gaume, Lascaux, Chauvet e Altamira, tinham neste selo de ágata um digno sucessor, passados os milénios que levaram dos touros de Altamira aos touros de Cnossos.

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Aditamento: (02/06/2018)
No filme Tróia, de 2004, a primeira cena de batalha entre Aquiles e um guerreiro da Tessália, tem uma certa semelhança com a imagem da gema de Pilos. O golpe é desferido exactamente no mesmo ponto, e praticamente da mesma forma. Como o filme antecede a descoberta da gema em mais de 10 anos, seria uma notável coincidência, não fosse baseada em informações semelhantes.

O túmulo tem datação anterior à suposta Guerra de Tróia, em pelo menos um século, mas também é natural que a figura de Aquiles concatenasse mais do que um mito anterior.
Tal como a cena dos saltadores de touros, que se encontram em diversos objectos de Creta, também esta cena de batalha poderia estar representada noutros artefactos, a que os produtores do filme Tróia poderiam ter tido acesso por algum "espírito santo de orelha". De Aquiles, normalmente só se encontram nos vasos gregos, os confrontos com a amazona Pentesileia, ou com Heitor, no enquadramento da Guerra de Tróia. Mas em nada são semelhantes ao golpe desferido com a espada, indo do ombro esquerdo ao coração, conforme no filme, e conforme na Gema de Pilos.
Aquiles contra Pentesileia - vaso grego.

2 comentários:

  1. Muito mas muito ainda por redescobrir…

    antes que comece o mundial de futebol uns links interessantes…

    La grotte de Bruniquel était habitée il y a plus de 175000 ans par Néandertal !
    Les néandertaliens étaient-ils des explorateurs et bâtisseurs ?
    http://decouvertes-archeologiques.blogspot.com/2016/05/la-grotte-de-bruniquel-etait-habitee-il.html

    há 9000 anos já se ia ao dentista chumbar um dente
    http://passeurdesciences.blog.lemonde.fr/2012/09/30/homme-prehistorique-aussi-allait-chez-le-dentiste/

    Antikythera
    novos achados
    https://www.youtube.com/watch?time_continue=4&v=s8xVASJl8bw

    Pictos
    https://en.wikipedia.org/wiki/Pictish_stone
    https://senchus.files.wordpress.com/2014/08/trustys_hillpictishsymbols.jpg

    Se partiram do Norte do actual Portugal (segundo o ADN) têm que ter deixado idênticas marcas… onde?! e do que quem fugiam?

    Há um processo cíclico de destruição das civilizações, em parte desencadeado pela natureza, outra por uma espécie superior que não quer ser igualada.

    Cumprimentos
    JM CH-GE

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    1. Caro José Manuel,
      muito obrigado pelos diversos links interessantes que trouxe.

      Há umas cruzes celtas (poucas) em Portugal, e (mais) na Galiza:

      Igreja Matriz de Saldanha, Mogadouro
      https://i.pinimg.com/originals/b3/7d/c9/b37dc9fb933f5585dbfa8ad3b5a36e19.jpg

      Agnus dei, Lousame, (La Coruña) Galiza
      https://gl.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Agnus_Dei_Tallara.jpg

      Convém notar que a suposta migração celta que partiu da Galiza para a Irlanda, Escócia, Gales, etc... terá ocorrido muito antes da época romana, do que entendi dos registos. Ou seja, teria ocorrido talvez no Séc. X a.C., altura em que se fala da grande seca que assolou a Ibéria.

      Abraço.

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