Agostinho da Silva era um solipsista, ou pelo menos vi-o uma vez defender que sabia que os outros morriam, mas isso não se aplicava necessariamente a si. E, quem achar que a morte dele provou o contrário, não entende que o facto de perdermos a comunicação com alguém, não implica que a existência do outro tenha cessado.
Fernando Pessoa, com a ajuda de barbitúricos, seria um outro caso. São vários os exemplos de solipsistas que foram de forma tímida aparecendo a público após Descartes. George Berkeley terá sido um deles, Fichte outro... e de certa maneira, uma boa parte da escola idealista alemã, acabou por entrar nessas ideias... e nem sempre de forma natural. Afinal, já os antigos druidas se entretinham na procura de cogumelos, e não seria para efeitos de culinária. A filosofia hindú, budista, não era muito diferente, e a diferença na sua passagem para o lado ocidental, após os descobrimentos, é essencialmente o seu carácter mais formal, ou menos informal... se houve alguma sistematização, introdução de chavões ou definições, não houve propriamente muita novidade substantiva.
Aliás sejamos claros, já Parménides, um dos primeiros filósofos gregos registados, exibia todo o conhecimento que caracterizou depois o platonismo ou o idealismo alemão. Mesmo antes de si, os textos atribuídos a Hermes Trimegisto, aos Pitagóricos, ou até Zaratustra, vão todos no mesmo sentido de experiências ou concepções solipsistas. O mesmo se passa com a filosofia oriental, e não apenas no budismo, e que provavelmente não se desligaria do consumo de opiáceos.
As grandes discussões filosóficas entre os gregos tinham a ver com essa oposição entre solipsistas, que viam de dentro para fora, e os restantes, que viam de fora para dentro. É directamente da filosofia solipsista, e de nenhum extracto bíblico, que surge a questão da Trindade.
O argumento é colocado nas três pessoas de Deus, mas trata-se de facto de uma interrogação solipsista óbvia - há o próprio, há tudo o resto, e isto são duas pessoas, e a terceira pessoa (o Deus pai) é a que junta ambas como uma só. Essa questão da tripla identidade já está presente mesmo na religião celta com a figura de Lugus (ou Luso).
O mééé-todo mais eficaz para experimentar o solipsismo, seriam ervas ou outras drogas.
Induzindo um estado de alucinação, o sujeito vê-se numa realidade completamente diferente, que pode dominar melhor ou pior... mas a partir do instante em que toma algum controlo do que vê e sente, entra necessariamente na confusão entre personagens dessa alucinação. O próprio já não se dissocia do restante, porque tem algum controlo sobre isso... e se pode achar fascinante esse domínio, sentir-se como um deus, mas é claro que isso o condena a uma baralhação e uma certa insatisfação. Depois, a realidade faz uma chamada à base e tudo depende se o sujeito quer ou não alimentar de novo um estado de alucinação.
A papoila e o ópio
O que é interessante é que a própria natureza facilitou a entrada nesses estados de alucinação, deixando em certas plantas, cogumelos, etc... certas portas para entrada noutros universos, praticamente feitos à medida de satisfação do consumidor. Se o trigo servia a alimentação para esta realidade, havia outras plantas que desafiavam o politicamente correcto, e como boa estratégia de sobrevivência, ofereciam entradas noutros mundos mais agradáveis.
Ou seja, essas plantas convidavam outros carneiros, para o pasto, experimentando outras realidades.
O grande problema, como se vê, é que se uns carneiros se entretinham com o pasto que levava aos estados de alucinação, esses precisavam de outros carneiros que trabalhassem no mundo real. Porque, como poderei explicar, o estado de alucinação tinha um propósito, mas a porta que abria tinha que se fechar, porque não levava a nenhuma realidade.
Bom, mas e afinal o que é a realidade?, perguntaram tantos, sabendo que podiam ser iludidos com outras realidades, que por momentos pareciam tão reais quanto esta.
A realidade é o que resta quando todas as outras portas se fecham... as outras portas conduzem a caminhos de isolamento, de ilusões pessoais, e se cada um tem as suas, essas ilusões não levam a lado nenhum sem trazer consigo os outros. Somos sempre remetidos ao acordo, do acordar numa realidade em que somos forçados a estar de acordo. Mas não é apenas estar de acordo no presente, o universo que se construiu, agrupou tudo... de todos os princípios a todos os fins, mas para azar de convivência, têm que coexistir, no único universo com sentido próprio que sobreviveu - aquele que não acaba.
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