Estava já a juntar demasiados tópicos, para vários postais, mas o tempo não chega para tudo, e assim vou deixar algum material para outra altura.
Há um tópico que não posso deixar de referir, e voltamos a Sandwich... neste caso, o subtítulo seria "Havai para a Mesa".
E a razão por que vai para a Mesa, ilustra o habitual. Vou buscar uma ou outra coisa a um livro, guardo o pdf, mas não leio tudo, longe disso. Por vezes, pego neles de novo. Aconteceu com o
de Joaquim Casado Giraldes, 1825
Porque, como em 1825 a Austrália tinha sido "descoberta" há pouco tempo por Cook, ainda mantinha a designação "Nova Holanda", e é sempre curioso saber como a informação era passada naquele tempo para instrução dos petizes. A obra de Casado Giraldes está extremamente bem organizada, como era raro ver antes nos autores portugueses, ou mesmo estrangeiros.
Interessou-nos esta passagem sobre o Havai (pág. 26)
SANDWICH - (ilhas e arquipélago de), compõem-se de 11 ilhas no oceano Pacífico, que foram descubertas em 1542, por Gaetan, Hespanhol, e terão 40 000 almas. O clima é assaz temperado, o terreno é fértil e fazem algum comércio.Que Gaetan era este?
Num tempo sem Google seria complicado saber, até porque o nome não constava na Wikipedia (entretanto irei lá colocar algo sobre este assunto). Mas assim é fácil, e aparecem várias obras referindo Juan Gaetan, o tal "descubridor" do Havai... depois dos polinésios, está claro!
Uma delas é de Oskar Spate, intitulada "The Spanish Lake"(1979), que nas páginas 108-109 (edição de 2004) diz assim:
On the maps of today the Hawaiian Islands lie so blatantly between the east and west-bound tracks of the Galleons, that it seems almost mandatory that some stray must have found them. The inference was first drawn by La Pérouse, who deduced from Spanish charts that islands named "La Mesa", "Los Majos", and "La Disgraciada", in the right latitude but too much far to the east were in fact the Hawaiian group, La Mesa ("the Table") in particular being the main island with the great table-massif of Mauna Loa; the error in longitude was put down to Spanish failure to allow for currents. On one such chart is a note saying that Juan Gaetan, who was with Villalobos in 1542, discovered the group, and named it Islas de Mesa, in 1555; unluckily this chart also gives Cook's name, the Sandwich Islands. One must admit that if a non Polynesian name were to be used, La Mesa would be much preferable to Sandwich.Pronto, está aqui a razão do título deste postal.
As ilhas que Cook nomeara Sandwich, tinham sido nomeadas Mesa por Gaetan. Mas, nem ficaram Ilhas Sandwich (há outras), nem ficaram Ilhas Mesa, acabando por se impor o Havai local.
Poderíamos ficar por aqui, mas a questão é que não ficámos, e encontrámos um relato mais detalhado dessa viagem de Gaetan, no 16º volume de
ou nouvelle collection de toutes les relations de voyages
par mer et par terre, qui ont été publiées jusqu'à présent
dans les différentes langues de toutes les nations connues
contenant ce qu'il y a de plus remarquable
(tradução francesa)
Peter de Hondt (Haia) 1747-1768
onde se relata a descoberta de Gaetan - não exactamente com os mesmos nomes de terras - ilhas dos Reis, ilhas Coral, e ilhas Jardins... mas Oskar Spate também diz que o nome "Mesa" teria sido posto por Gaetan só em 1555.
Reparemos que a edição deste volume 16 é de 1758, numa altura em que os Távoras iriam ser levados no processo, duzentos anos depois da viagem atribuída a Gaetan, e doze anos antes das viagens de Cook. Estamos antes das viagens de Cook, mas os autores holandeses editados por Peter de Hondt, juntam um mapa da Austrália, ou melhor da "Nova Holanda":
Este foi o primeiro mapa que encontrei, anterior a Cook, com a Austrália "fechada". As representações anteriores de Hessel Gerritsz, limitavam-se a apresentar a parte ocidental - que, como se vê, é a parte desenhada com grande exactidão. Aliás as linhas mais imprecisas estão comentadas como sendo "conjecturas", com base na viagem de Tasman, patrocinada por Van Diemen. Aliás, por essa razão, a Tasmânia era antes denominada Terra de Van Diemen, e aqui a Tasmânia aparece incorrectamente ligada à Austrália. Depois de Van Diemen, e durante mais de cem anos, não houve mais dinheiro para explorar a Lua, perdão, a Austrália, até que a Cook bastou a vontade de Sandwich.
Mais interessante ainda, é termos os próprios holandeses a reconhecerem a presença de Pedro Fernandes de Queirós na Austrália, em 1606, na península da Carpentaria.
A "Terre du St. Esprit" está bem visível no mapa, acrescida com a menção "découvert en 1606 par Ferdinand Queir(ós)".
Recordamos que Queirós tinha usado o nome "Austrália do Espírito Santo", mas também na nomenclatura a parte "Espírito Santo" faliu, e só "Austrália" ficou. E acrescenta-se que já falámos dos bancos, dos velhos bancos, denominados "Abre-olhos", constantes mesmo de mapa de Gerritsz.
Portanto, como vemos, não havia dificuldade em 1753, dois anos antes do terramoto, em considerar a presença de Queirós na Austrália, na viagem de 1606. Curiosamente no mapa não se assinala o Estreito de Torres, que foi descoberto nessas viagens com Queirós.
Regessando a Gaetan, convém apenas notar que dizer que Sandwich estava pronta em 1542, é extremamente inconveniente para a versão oficial de Cook.
Porque, Pedro Nunes dizer em 1535 a D. Luiz que os Portugueses "tinham descoberto, não apenas todas as ilhas, mas também todos os penedos, e todos os baixios", e que "não há quem ouse dizer o contrário", é uma afirmação que nem sequer é comentada, e assim hoje, nos dias do politicamente correcto, pretende-se passar por tonteria do maior sábio português. Outra coisa é ter estrangeiros, holandeses, a reconhecer que o Havai tinha sido descoberto em 1542.
É que fica um "bocadito mais estranho" dar-se com o minúsculo Havai no meio do Pacífico logo em 1542, e ter-se falhado tão rotundamente toda a Austrália durante mais de dois séculos, praticamente até a chancela ser passada a Cook em 1769.
Para terminar, no mesmo livro de Peter de Hondt, logo no primeiro volume (p.15) está uma descrição notável do que foram as viagens com "Talent de bien faire":
Para terminar, no mesmo livro de Peter de Hondt, logo no primeiro volume (p.15) está uma descrição notável do que foram as viagens com "Talent de bien faire":
Il paroit que ces nouvelles decouvertes avvoient fait alors beu d'impression, puisqu'en 1525 Garcie de Loyasa Chevalier de Malte étant arriver aux Isles Moluques avec une Flotte Espagnole, y trouva des Portugais, avant qu'ont sçut en Portugal qu'il y en êut ces lieux.Et le même Amiral s'étant avancé au seconde degrée de latitue méridionale, jusqu'à l'Isle de Saint Mathieu, qu'il trouva déserte, y remarqua néanmoins plusieurs traces des Portugais; car, sans compter divers arbres frutiers, & quelques troupeaux apprivoisés, il lut sur l'écorce d'un arbre une Inscription que lui apprit que les Portugais avoient été dans cette Isle dix-sept ans (24 no inglês) auparavant.Ils y avoient joint la célébre divise du Prince Henri, Talent de bien Faire, suivant l'usage des Matelots de leur Nation, qui lassoient ce témoignage de leur arrivée dans tous les lieux où ils abordoient.
Portanto, não é de admirar que os outros, tal como Garcie de Loyasa, sempre que chegassem para uma descoberta, eram confrontados com a possibilidade encontrarem uma chapa zero do Infante...
Já é suficientemente mau estar lá 1501 (ou mesmo, 1508, conforme mete o tradutor francês), numa altura em que não se sonhava ir para as bandas das Molucas, mas sugere mesmo que possa ter sido ao tempo do Infante a inscrição do lema, e a data 1501 ser colocação posterior, à parte.
Como ficava a Malta, do cavaleiro, com tal desplante? Bom, pelo menos julgo que não se sabe que ilha de S. Mateus é essa, entre tantas nas bandas das Malucas, o que mostra que não devem ter apreciado o gesto, e apagaram o nome.
Mais elucidativo é o discurso inicial dos autores sobre D. João II.
Diz-nos que D. João II sabia perfeitamente que as outras nações iriam ter inveja das posses portuguesas, e por isso enviou uma carta a cada príncipe europeu dizendo que as navegações em África prosseguiam a bom ritmo, mas que precisava de ajuda. Quem quisesse ajudar, teria uma parte na partilha das conquistas. No entanto, explicam os autores, os príncipes europeus consideraram que ao contornar a África teriam fortes confrontos com os muçulmanos, e abdicaram de participar. Só depois é que D. João II solicitou ao papa a demarcação da linha para reivindicar os territórios (inicialmente o paralelo das Canárias). Depois, quando os príncipes europeus perceberam que as explorações davam acesso às riquezas orientais, já era tarde demais, e a única forma de meter a mão nesse bolso, foi questionar a autoridade papal. Lutero deu então muito jeito...
Já é suficientemente mau estar lá 1501 (ou mesmo, 1508, conforme mete o tradutor francês), numa altura em que não se sonhava ir para as bandas das Molucas, mas sugere mesmo que possa ter sido ao tempo do Infante a inscrição do lema, e a data 1501 ser colocação posterior, à parte.
Como ficava a Malta, do cavaleiro, com tal desplante? Bom, pelo menos julgo que não se sabe que ilha de S. Mateus é essa, entre tantas nas bandas das Malucas, o que mostra que não devem ter apreciado o gesto, e apagaram o nome.
Mais elucidativo é o discurso inicial dos autores sobre D. João II.
Diz-nos que D. João II sabia perfeitamente que as outras nações iriam ter inveja das posses portuguesas, e por isso enviou uma carta a cada príncipe europeu dizendo que as navegações em África prosseguiam a bom ritmo, mas que precisava de ajuda. Quem quisesse ajudar, teria uma parte na partilha das conquistas. No entanto, explicam os autores, os príncipes europeus consideraram que ao contornar a África teriam fortes confrontos com os muçulmanos, e abdicaram de participar. Só depois é que D. João II solicitou ao papa a demarcação da linha para reivindicar os territórios (inicialmente o paralelo das Canárias). Depois, quando os príncipes europeus perceberam que as explorações davam acesso às riquezas orientais, já era tarde demais, e a única forma de meter a mão nesse bolso, foi questionar a autoridade papal. Lutero deu então muito jeito...
Notável!
ResponderEliminarCumpts. :)
Obrigado.
Eliminar(...) "Assim, e ao que tudo indica, fica desfeita a dúvida sobre a nacionalidade do primeiro europeu a pisar a costa oeste dos Estados Unidos da América. João era Juan. E era espanhol."
ResponderEliminarhttp://observador.pt/2015/10/12/joao-juan-descobriu-hoje-california/
Olá boa noite,
este Cabrilho de militar comandante au serviço do Souto passa a simples tripulante de navio que rouba os Filipes, e depois a comandante de marinha a descobrir S. Francisco Califórnia, isto tá bonito...
Cpts.
José Manuel
Genève, Suisse
Caro José Manuel,
Eliminarfaz falta uma palavra que é "hispanofobia", e se deve aplicar a todos - e foram muitos - os que ao longo dos últimos séculos se dedicaram a reduzir a zero o nosso património. Aí encontramos muitos esbirros que a troco de cobres e prebendas familiares, criaram uma pequena aristocracia de miseráveis cúmplices da progressiva ruína nacional.
Como se não bastasse já terem reduzido a uma sombra a história portuguesa e espanhola, ainda parece haver gosto em prosseguir essa senda, num dos seus aspectos mais perversos - que é lançar a rivalidade entre Portugal e Espanha, neste caso para que os espanhóis entrem no engodo... tanto rancor, só o vejo transportado por quem nunca perdoa, porque simplesmente lhe falta a humanidade para tal. E se eles não esquecem, é saudável acto retributivo que também nós não nos esqueçamos de todas as suas judiarias.
Abraços.