No mito grego da criação, Gaia apoia Cronos contra o pai Úrano, pelo facto deste ter relegado para as trevas alguns dos seus filhos, entre os quais os Ciclopes, que assim não poderiam ver a luz.
Digamos que esta alegoria pode ter uma interpretação perfeitamente racional.
Cronos personifica o Tempo. (Sobre a dupla escrita Κρόνος ou Χρόνος percebemos estar ligada à introdução posterior que substituiu o Κ)
Qualquer estado fixo (a menos que seja trivial) implica um desequilíbrio, e é através do tempo que esses estados vão alternando a sua posição, e se poderá cumprir um equilíbrio.
O tempo, Cronos, através da sua prevalência, permitiria a que os filhos de Gaia, os filhos da terra, tivessem igual tratamento... uma representação adequada pela maternidade que dispensa igual atenção aos filhos.
No entanto, Cronos será deposto pelo seu filho Zeus.
Esta sequência é ainda racional, já que a prevalência da personificação de uma estrutura mais poderosa não seguiria nessa linha de equilíbrio. O mito de um Cronos que "devora os filhos", mas que também corresponde a um "período de ouro", de felicidade humana, pode ser visto no sentido de impedir que esses filhos exercessem um poder despótico sobre as restante entidades. A Guerra dos Titãs (Titanomaquia) que se segue tem a ver justamente com esse desequilíbrio... com essa revolta dos Titãs perante um destino de desequilíbrio, onde não iriam pertencer ao Olimpo.
A deposição de Cronos apenas pode ser vista como aparente... o Tempo está longe de se ter esgotado.
Do ponto de vista puramente abstracto, qualquer Universo já cumpriu todo o seu Tempo.
Não há qualquer razão para admitir que o Universo parou no Tempo, e está à espera de ordens para definir o que vai ser a seguir... essas ordens viriam de onde? De algo que não pertencia ao Universo? - isso seria uma contradição da própria definição de Universo.
Aquilo que temos é uma visita, um pouco no sentido da Escola Pitagórica "A vida é como uma sala de espectáculos, entra-se, vê-se e sai-se" (ver o ponto 10 aqui).
Há no entanto várias coisas que não seria experimentadas numa "posição divina".
A omnisciência não permite saber o que é o conhecimento...
O conhecimento não se define pelo saber, define-se pela passagem do "não saber" ao "saber". O "não saber" é tão importante quanto o "saber". O acto de passagem de um estado ao outro, começa pela ignorância.
O desejo é manifestado pela transição entre o que "não se tem" e o que se "pretende ter"... digamos que esta e outras coisas são sensações exclusivas de seres incompletos, imperfeitos.
Apenas seres limitados podem experimentar e sentir a visita a uma pequena parte do Universo... essas sensações são a ilusão a que chamamos realidade, a realidade que experimentamos enquanto seres humanos.
Perante as diversas hipóteses, digamos bifurcações, todas são possíveis, e de alguma forma correspondem às "acções" que definiram este Universo... um universo que tem assim consciência da sua existência, através da diversa contemplação parcial de cada entidade. Outras possibilidades nas bifurcações não levaram ao resultado final que vemos e em que nos inserimos... e que no fundo correspondem parcialmente às "escolhas que fizémos/fazemos". Parcialmente, porque muitas das bifurcações são "decididas" por outras entidades, a que nós chamamos "acaso", e que antigamente também eram personificadas como deuses de entidades titânicas, ou animais... digamos que era habitual atribuir a Poseidon, ou a Zeus, o controlo de factores imprevisíveis (terramotos e tempestades). E se é possível prever parcialmente fenómenos lineares, já sobre as bifurcações em fenómenos que admitem duas ou mais possibilidades, aí fica a indefinição sobre a escolha ocorrida, e que antigamente se personificava na forma de entidade consciente e divina.
Diz-se que Cronos/Saturno, depois de deposto por Zeus/Jove, assumiu estatuto humano... parece-me alegoria natural para quem tivesse uma visão equilibrada de todo o Tempo, e não apenas de uma parte.
Cronus/Saturno
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