Um famoso quadro de Botticeli, "Nascimento de Vénus" ilustra o nascimento de Afrodite/Vénus, das ondas do mar (Ponto), resultado do corte adamantino de Cronos a Urano:
(é dito que Botticeli teria seguido uma descrição de Angelo Poliziano)
A modelo usada para o quadro foi Vespucci, Simonetta Vespucci, que casou em Florença com Marco, um primo de Alberico, depois dito Américo, Vespucci.
Convém notar que há uma confusão de Afrodites... uma original, que é a que sempre referimos - a Afrodite Uraniana, ligada a Dione, e a sua filha com Zeus, designada Afrodite Pandemos, ligada ao amor físico.
Parténon: Vesta, Dione e Afrodite (Pandemos).
Se começámos a "Questão Gaia" com uma ousada ligação de Gaia pela substituição de I por J, o que daria Gaja, e falámos ainda dos gaiatos, vamos terminar o tópico com os "Putos".
Putti
Os Putos são pequenas crianças, representados na Arte Renascentista e Barroca, e que não são exactamente os habituais anjos (Querubins e Serafins) - têm "estatuto inferior" por serem associados a entidades pagãs - ou seja, Cupido/Eros:
A associação de Vénus a Cupido é bem conhecida e antiga. A entidade pagã, a pequena criança que dispara setas de amor, é o original Puto de Vénus. Há uma relação maternal que se estabeleceu entre estas duas divindades, caso raro em que são representadas quase sempre em conjunto:
Afrodite com Eros
(terracota do Séc. IV a.C., Hermitage Museum)
Após o Renascimento, esta representação singular de associação divina, numa relação mãe-filho, será retomada em múltiplos quadros... e como é óbvio não estamos a referir-nos apenas à representação destas divindades pagãs. Esta relação nem será nenhuma novidade, pois há vários textos que sinalizam as semelhanças.
A relação divina entre mãe e filho passa claramente para o catolicismo, e será um dos focos de cisma entre protestantes e católicos. Numa primeira análise superficial esta associação seria desadequada para ser retomada pelo catolicismo... mas depende do nível a que a colocamos. Tal como existia uma Afrodite primordial, na Teogonia de Hesíodo também Eros é colocado a um nível ainda mais primevo, um amor surgindo como fonte de luz, e resultando do Caos, tal como Gaia e Tártaro (Eros, é assim mesmo anterior a Urano, filho de Gaia). Como Afrodite, também Eros tem uma segunda encarnação, mais conhecida, enquanto filho de Afrodite e Ares, e é aí representado como uma criança que surge da relação entre os deuses do amor e da guerra, que dispara flechas de paixão. (Este novo Eros será mesmo vítima da sua própria flecha, ficando apaixonado por Psique, numa história que terá inspirado o beijo da Bela Adormecida.)
A representação simultânea de Vénus e Cupido, está muitas vezes presente na pintura e escultura:
Não colocamos aqui a imagem da mais famosa Vénus de Milo... mas, seguindo esta linha, talvez não faltassem apenas os braços, talvez faltasse ainda um Cupido ao colo (assim o sugere o olhar, a posição da perna avançada e do braço elevado). Uma representação assim poderia colidir de "forma grave" com as imagens clássicas, denominadas "Madonas"... isso justificaria a mutilação, uma polémica secreta e a consequente fama associada à estátua. Se Renoir a chamou "grande polícia" talvez não se referisse à falta de beleza, que claramente possui, mas sim ao que representaria a sua mutilação.
Mais precisamente, aludimos a uma possível representação desta forma:
Há, é claro, uma versão alternativa, relacionada com a devolução da Vénus de Medici, que tem ambos os braços em baixo, tal como a Afrodite de Cnido (onde Eros está ausente). Aliás a própria "Vénus de Medici" tem uma cópia com um Cupido maior:
"Venus de Medici" (de Praxiteles?) e "cópia romana" (imagens)
Vieira
Na representação de Botticeli temos essa Vénus primordial, que emerge adulta da espuma do mar primevo, como uma pérola de uma vieira (ou ostra). Isso já ocorre antes, conforme podemos ver num fresco de Pompeia:
Há assim, uma associação muito antiga, que liga o nascimento de Vénus, enquanto deusa primeva do amor, a uma vieira, e que foi recuperada no quadro de Botticeli.
Não podemos deixar de notar que essa vieira é ainda o símbolo de Santiago, e que os peregrinos seguiam esse caminho levando num cajado esse símbolo primevo do amor. A mensagem profunda da vieira de Santiago, é assim o reflexo em Cristo desse símbolo ancestral do amor espiritual, ligado ao nascimento da Afrodite Uraniana.
Isso terá tido uma grande influência na comunidade peninsular que já venerava Cupido (chamado Endovélico), conforme escreveu Carvalho da Costa. Venerar, de Venera (Vénus), é aqui mesmo a palavra correcta. A relação entre mãe e filho terá factores acrescidos de ligação, na propagação dessa mensagem de amor primeiro. O caso singular do cristianismo enquanto religião é a capacidade de colocar um Deus omnipotente em posição humana, com as fragilidades inerentes na situação de reflexão literal, recuperando uma noção primeva de amor, complemento ao equilíbrio dinâmico, possível com o corte temporal de Cronos.
A lâmina adamantina de Cronos cindiu um universo de todos os tempos, de Úrano, mostrando um tempo de cada vez, em contínuo. As ideias, os verbos, iriam ser definidos pela sua emergência dessa sequência imparável. O tempo surgia assim como uma ilusão de reprodução dinâmica do estado anterior, saindo de todo o caos possível uma aparente inteligibilidade. É assim que emerge a noção de amor, de partilha dinâmica do mesmo universo, pelos seres pensantes... e esse amor pode ser local, quando os seres reduzem o seu universo, a uma pessoa, ou a uma ocasião, ou pode ter contornos mais profundos, procurando uma harmonia global. Digamos que estão definidos todos os caminhos das Moiras, mas não o caminho que cada um decide seguir... é isso que o define enquanto ser emergente da estrutura estática, e que assim passa a "existir" na "ilusão" temporal.
Pombas e Peleiades
Se o Corvo está muitas vezes associado a Helios/Sol/Apolo, por outro lado, a pomba está associada a Afrodite e a Eros, havendo várias representações nesse sentido!
Será escusado dizer que também a pomba foi colocada no cristianismo como elemento revelador a Maria, para a concepção de Jesus, e ainda como um símbolo de paz e amor ligado à mensagem cristã.
Deus ao colocar-se numa posição humana através de Cristo, terá o seu complemento, o Espírito Santo, representado na pomba. Fica obviamente definida a trindade inevitável, pela abnegação do todo numa parte... teria que existir o seu complemento.
Convirá referir que Zeus, escrito com um dzeta, se poderá ler Dzeus, da mesma forma que na componente romana, Júpiter tinha como nome alternativo Jove, que não difere muito de Jeova. Ou seja, os nomes não são assim tão diferentes quanto aparentam, à primeira vista...
Peleiades significa em grego - pombas, e encontramos aqui ligação à designação das Pleiades, que enquanto agrupamento estelar representa as filhas de Atlas, um bando de pombas perseguidas pelo caçador Orion,. As referências às Pleiades são variadas, e estão inevitavelmente ligadas ao Ocidente, ao paraíso perdido, após o Atlas e Atlântico.
Limite do Atlântico que será quebrado, após o Corvo (ilha), por um pombo que se chamará Colombo.
Colombo terá sido antes Colón, ou terá tido outro nome... mas seria afinal um pombo que se iria juntar às pombas passando o Atlântico, do pai Atlas que sustentava o mundo. A viagem de Colombo toma assim um aspecto simbólico de revelação, que ultrapassou o limite ocidental do Corvo, ave de Apolo.
[Peleiades era ainda o nome das sacerdotisas do templo de Dodona, ligado a Gaia, Reia e Dione (de alguma forma identificadas), sendo Dione a Afrodite Uraniana.]
[Peleiades era ainda o nome das sacerdotisas do templo de Dodona, ligado a Gaia, Reia e Dione (de alguma forma identificadas), sendo Dione a Afrodite Uraniana.]
Vénus ou Lucifer?
Uma das Pleiades é Maia, filha de Atlas e mãe de Hermes/Mercúrio. Tal como Gaia e Reia, também Maia acabou por ser uma divindade ligada à Terra, em diversas culturas.
Se Vénus estava ligada a Mercúrio, e como ambos os planetas têm órbitas aparentes próximas um do outro, e próximas do Sol, não é de excluir que Mercúrio possa ter sido identificado ainda a Eros/Cupido. Há outros aspectos que concorrem nesse sentido, nomeadamente a célebre menção do Hermes Trimegisto e o hermético Hermetismo, onde a mensagem do caduceu se complementará com as ligações pelas setas de Cupido.
Um aspecto sinistro nestas ligações mitológicas, acabam por ser as contradições propositadas, criadas com objectivos obscuros... um dos mais evidentes é transformar Lucifer (em latim "o portador da luz"), a estrela da manhã, ou seja Vénus, a deusa do amor, numa personificação do mal. Como vimos, as contradições disto seriam totais, se Vénus não fosse também a estrela da tarde, e como tal Hesper... a esperança!
É claro que, pretendendo-se manter a obscuridade, qualquer luz será encarada como um mal, que subverte a ordem instalada... nem que para isso se tenham que colocar educacionalmente reflexos condicionados. Pensar-se-à assim sobrepor uma "verdade social fabricada", mas até quando? Até que ponto será preciso ir, para que a verdade do passado deixe de pesar sobre o presente e ensombrar/assombrar o futuro?
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