Os portuenses gostam de provocar, chamando "mouro" a todos e tudo o que vem abaixo do Douro, incluindo até Gaia, por uma questão de coerência geográfica.
No Séc. XIX houve uma moda, de um certo pedantismo norte-europeu, argumentando que a parte espanhola tinha muito mais de africana ou oriental, do que de europeia. Por exemplo, em 1816, ainda na ressaca da estrondosa derrota napoleónica, Dominique Dufour du Pradt, embaixador de Napoleão, escreve o seguinte (Mémoires historiques sur la révolution d'Espagne, pág. 168):
C’est une erreur dela géographie que d’avoir attribué l’Espagne à l’Europe; elle appartient à l’Afrique: sang, mœurs, langage, manière de vivre et de combattre; en Espagne tout est africain.
Poderíamos argumentar pela bestialidade xenófoba do embaixador, mas na prática isto corresponde a um problema de autocentrismo, que define o referencial como sendo o seu, e tudo o resto como irrelevante. Para Dufour du Pradt, a Espanha não era Europa, porque não entendia o comportamento espanhol de se estarem a borrifar para os franceses.
Propósito bastante diverso tiveram de um modo geral os portugueses, onde sempre se viu uma abertura e tentativa de entender os indígenas (neste caso os franceses), ao ponto em que mesmo cá se pensa que os indígenas (franceses, ingleses, alemães) têm algum ascendente sobre uma terra que os viu sair das cavernas. Definir Espanha como parte de África, nem seria ofensivo, seria uma benção, porque nada há pior do que estar atracado a um continente que persiste em afundar-se no seu auto-deslumbramento central.
Fenícios e Judeus
Isto é apenas um detalhe marginal, mas que resulta parcialmente do problema seguinte:
- (i) Chegou-nos a notícia de uma certa população que polvilhava o Mediterrâneo, que eram chamados fenícios e que depois deram origem aos cartagineses. Certo, mas onde estão os seus descendentes?
- (ii) Chegou-nos um povo, hebreu ou judeu, vizinho dos fenícios. Certo, mas onde está o seu antigo registo arqueológico?
- Como se conjugam as coisas?
- Em 164 a.C. Judas Macabeu, dá o primeiro sinal de vida dos judeus, ao derrotar o exército Seleucida na conquista de uma cidade então algo desconhecida, chamada Jerusalém.
- Em 146 a.C. Cipião Emiliano, neto adoptivo de Cipião Africano, arrasa e terraplana Cartago.
Estes dois acontecimentos podem explicar parcialmente o problema, se lhe juntarmos o cerco de Tiro, em 334-332 a.C., por Alexandre Magno, que arruinou o poderio Fenício:
Alexandre Magno terá sido implacável, reduzindo os 30 mil habitantes de Tiro à escravatura.
Sucederam-se mais de dois séculos sob o domínio seleucida, ou seja a dinastia greco-macedónia, iniciada por Seleuco, general de Alexandre Magno, até à invasão romana por Pompeu em 63 a.C.
Os habitantes de Tiro, os Tírios, eram conhecidos pela púrpura tíria, mas com deturpação fonética a região é conhecida como Síria, em vez de Tíria. Com efeito, a transcrição do grego Tiro seria Túro, podendo questionar-se alguma relação com o Touro, da deusa Astarte, a Vénus fenícia que para os etruscos se chamava Turan.
Durante o domínio seleucida, com capital em Antióquia, pouco se terá ouvido falar dos fenícios, de Tiro, Sidon ou Biblos, até porque, por outro lado, a colónia de Cartago continuava a prosperar, e prosperou até começar a 1ª Guerra Púnica com os Romanos em 265 a.C., tendo ficado o império cartaginês reduzido à sua envolvente no final da 2ª Guerra Púnica, depois da derrota de Aníbal face a Cipião em 202 a.C. em Zama (Xama, ou Jama).
Será aqui que as coisas se começam a complicar para fenícios e cartagineses, quando sob insistência de Catão, a sua frase final... além disso, Cartago deve ser destruída, tomou vias de facto em 146 a.C.
Como as colónias cartaginesas de Espanha já estavam todas em mãos romanas, não houve aparente lugar de fuga para a civilização fenícia e cartaginesa.
Bom, e digamos que o problema não foi apenas esse.
Mesmo o grande Egipto, com uma tradição milenar, que tinha sabido incorporar a invasão de Alexandre numa versão ptolomaica, deu poucos sinais de vida após o domínio romano. Ainda que a biblioteca de Alexandria tenha mantido a sua fama, esta foi sendo perdida, desde o incêndio no tempo de César até ao episódio que levou à morte de Hipátia.
Em suma, as duas grandes civilizações africanas, Egipto e Cartago, praticamente perderam a sua importância no curso do império romano.
Quem lhes sucedeu?
- Uma hipótese muito provável é que tenham sido judeus e árabes a tomarem conta dessa herança.
(continua)
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