quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

do Sótão (9) «Trópico de Cancer»

Ainda em 2014, deixei por publicar este texto acerca do "Trópico de Cancer", na altura do solstício de Verão... se bem me lembro, foi apenas porque demorei a escrevê-lo, e não o completei.
Tem uma informação interessante acerca da história da Ursa Maior que considerei semelhante ao desenho na caverna da Crimeia.
No entanto, não terei dado a isso relevo suficiente, e no mesmo dia publiquei um texto
sobre a ridícula "estória" que o Canal História trazia nessa altura.

_____________________ 25 de Junho de 2014 __________________

O Zénite é o ponto no céu tirado acima da cabeça do observador. A trajectória solar atinge o seu ponto mais elevado ao meio-dia, mas nas zonas não tropicais o Sol nunca atinge o zénite.
Os trópicos delimitam assim a zona tropical, onde a sombra pode desaparecer... quando o Sol está a pino.

Trópico de Cancer é a linha limite norte - no dia de solstício de Verão a sombra fica na perpendicular, dando ideia de desaparecer em qualquer relógio solar. Como podemos ver na figura seguinte, e porque há sempre imprecisões naturais e mínimas, a linha tem-se deslocado aproximadamente 15 metros por ano em direcção ao equador:
Marcação anual do Trópico de Cancer (México)

De forma semelhante, o Trópico de Capricórnio assinala o limite sul, no solstício de Inverno, e entre os dois, passará pelo Equador nos equinócios.

Acima do Trópico de Cancer, no hemisfério norte, o meio-dia aponta sempre a sul, de onde em latim "meri-dies" originou a palavra meridional para sul, tal como setentrional se associava às sete estrelas da Ursa Maior, para indicar o norte.

Várias notas acerca disto. 
O Cabo Bojador é um ponto relevante na costa africana antes de passar o Trópico de Cancer. 
A partir daí, o meio-dia, que indicava o sul, podia aparecer a norte, e a sombra poderia desaparecer... alguns temas que poderiam fazer as delícias metafísicas da Idade Média. Já antes disso, Eratóstenes usara o fenómeno para medir a circunferência terrestre, com uma distância e simples trigonometria.
Por outro lado, esta indicação latina especificava bem o que era norte e o que era sul, e associação das Sete Estrelas à Ursa Maior não remete para nenhuma alteração significativa da posição das estrelas e do norte. A menos que as Sete Estrelas passassem a ser as Pleiades... e que a Estrela Polar fosse uma Estrela "Pular"... que então pulara para norte.
Ainda que nada disto bata certo, não deixam de ser muito estranhas as orientações sugeridas por Plínio ou Estrabão para a localização dos pontos geográficos da península ibérica, que parecem invocar uma posição menos correcta dos pontos cardeais, como os entendemos hoje. Porquê hoje? Porque falar em nascente poderia não significar Leste, mas sim sudeste, já que só nos trópicos o Sol nasce mesmo a Leste, acima do Trópico de Cancer o sol vai nascendo cada vez mais a sul.

No sentido de não ter havido grandes diferenças até ao tempo greco-romano, há a referência habitual à Odisseia, onde se terá dito que as Sete Estrelas eram a única constelação que não mergulhava no Oceano... e isso só é verdade acima do Trópico de Cancer. Portanto, a ida para paragens a sul tinha este aspecto de perder as referências habituais de navegação... mas que seria um problema muito ligeiro, já que outras referências se estabeleceram sem problemas - nomeadamente o Cruzeiro do Sul.

Ainda sobre este assunto, e a propósito da Ursa Maior, encontrei esta referência na wikipedia:
«Using statistical and phylogenetic tools, Julien d'Huy reconstructs the following Palaeolithic state of the story: "There is an animal that is a horned herbivore, especially an elk. One human pursues this ungulate. The hunt locates or get to the sky. The animal is alive when it is transformed into a constellation. It forms the Big Dipper".»
Esta descrição é curiosa porque, sendo mero resultado de análise de lendas "paleolíticas", a descrição de uma caçada a um veado, ou outro grande herbívoro com chifres, e a sua relação com um fenómeno celeste, enquadra-se perfeitamente na história que se subentende da gravura rupestre na gruta da Crimeia, conforme detalhámos no fim de um texto anterior "à volta do Mar Negro".
Bom, mas se há registos de lendas que associam a constelação a veados ou a touros, a principal que herdámos é grega e associa a ursos, nomeadamente à mãe Calisto e ao filho Arcas, imortalizados no céu como ursa maior e urso menor...
Assim, dando crédito a que sejam as mesmas estrelas, a disposição estelar, ou a posição orbital da Terra, não se teria alterado significativamente desde o final do paleolítico, pelo menos... (uma outra curiosidade é que a Estrela Polar, apesar de pouco brilhante, é afinal a mais brilhante das estrelas variáveis cefeidas).

A existência de desertos na zona do Trópico de Cancer marcava ainda o antigo limite romano do "mundo habitável".
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