segunda-feira, 13 de março de 2017

Ao mau mar ia (2)

O mapa que considero de referência, para compreender a cartografia portuguesa é, sem dúvida, o globo de João de Lisboa. As semelhanças com o actual símbolo da ONU, não são mera coincidência, resultam de adoptar uma representação polar, e focar ou não no meridiano de Greenwich.
 
Globo de João de Lisboa. Símbolo da ONU (com 33 sectores)

Ora, no caso do Globo de João de Lisboa, apenas 3/4 do mapa correspondem a uma representação, o quadrante superior deve ser negligenciado, conforme indicam as meias flores de lis. Isto tanto pode ser visto, como uma indicação de ocultação, como uma indefinição da demarcação na zona do anti-meridiano das Tordesilhas, ou ainda como resultado da projecção cónica que João de Lisboa fez:
Globo de João de Lisboa (c. 1514), e uma projecção cónica actual pelo meridiano de Greenwich.
A principal diferença é a ausência da Austrália, e a distorção no hemisfério sul é um pouco diferente 

Em João de Lisboa, o  foco central é o Pólo Norte, e o círculo (amarelo), que une os 16 focos (a que fizemos referência no texto anterior) é o Equador:
O globo de João de Lisboa com os 16 focos no Equador, e ocultando um quarto do mapa. 

Outra observação interessante, consiste em focar no losango vermelho, a meio do mapa.
Focando nesse quadrado, compreendemos melhor o mapa de Reinel de 1504,
porque a parte americana aparece desta forma no topo dos mapas, confundindo a parte setentrional com zonas árcticas, quando correspondem apenas à costa atlântica norte-americana.
Também o mapa polar de Vesconte de Maggiolo (indicado num comentário de David Jorge), irá colocar as terras com esta orientação, mas com uma incerteza e qualidade muito inferiores:
Vesconte de Maggiolo - representação polar em 1511.
A confusão entre as representações dos portulanos com as latitudes aparece no mapa de Cantino, que usa não 1 mas sim dois círculos com 16 focos (o que nos dá um total de 33 focos):

Desenhando os dois círculos evidentes no mapa de Cantino, agora no Globo de João de Lisboa, verificamos quais eram as duas regiões que procuravam ser representadas, com as "novas" informações que o espião do Duque de Ferrara conseguira obter pelos mapas portugueses em 1502.

Penso que estes casos tornam bastante evidente como o globo de João de Lisboa era uma peça de cartografia que suplantava tudo o que se conhecia fora de Portugal e de 1514 até cerca de 1764, nesses 250 anos, ficou como uma das melhores representações... que nos chegaram até hoje.

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