A moeda é o maior e mais extenso acordo social, que actualmente cobre todo o planeta Terra.
Se houver desacordo constante entre a valoração dos bens, a moeda é ineficaz.
Se houver desacordo constante entre a valoração dos bens, a moeda é ineficaz.
Actualmente (*) a moeda tem um suporte em ouro, mas isso pressupõe que o próprio ouro é reconhecido como material valioso por todas as sociedades... coisa que estava longe de ser comum há 500 anos atrás. A civilização ocidental acabou por exportar essa valoração de um metal precioso que era banal em civilizações pré-colombianas.
A maior difusão da moeda, conforme a conhecemos, começou especialmente com Alexandre Magno, período do qual restam ainda muitas moedas, de ouro, prata, etc.
A utilização de moedas foi depois extensa no período Romano, usando os mesmo moldes... uma cara do governante, e uma coroa que outorgava. O ouro passou a ser indubitavelmente o metal precioso de eleição.
Esta influência foi transmitida aos povos bárbaros, existindo mesmo cópias celtas de moedas gregas.
Independentemente dos análogos noutras culturas, nomeadamente na chinesa, a influência do mundo greco-romano fez-se ainda pelo acordo social que uniu diversos povos numa convenção de valoração da moeda, e especialmente do ouro, enquanto sistema de troca.
Ao longo da Idade Média essa convenção social foi-se solidificando, mas esse período era ainda marcado pela diferença explícita entre castas sociais aristocratas, onde as trocas eram maioritariamente directas - as populações viajavam pouco. O reconhecimento do poder do dinheiro, acabou por ser selado a partir do fim da Idade Média, pelas Cruzadas e início das Descobertas, ao fazer aparecer um poder de sedução popular nas mãos de uma classe burguesa, não aristocrata.
O valor da moeda nas transacções deu um poder à burguesia na cativação do povo, e o estatuto de servidão podia ser inato, mas também passou a ser comprado por adesão à riqueza implícita na troca aceite de bens. O reconhecimento progressivo da moeda acabou por comprometer o ascendente militar, nas relações humanas, e a ascenção da burguesia na Alta Idade Média.
O período de Descobertas no séc. XVI é extremamente interessante pois marca o início do choque valorativo. Uma Europa sedenta de ouro encontraria civilizações que menosprezavam essa mais valia.
A produção de moedas de ouro, começa a ser extensa em Portugal, a partir de D. Duarte, denunciando já implicitamente contactos com paragens onde o ouro é abundante...
Meio Real (D. Duarte) [imagem]
O Infante D. Henrique terá talvez sido o grande artífice dessa economia à escala global.
A transacção efectuada sob segredo das diferenças culturais, permitia lucros fabulosos, e o próprio início da escravatura em África terá tido como motivo, não apenas a mão-de-obra gratuita, mas também como moeda de troca civilizacional, conforme descreve Duarte Pacheco Pereira (Esmeraldo Situ Orbis, pag. 50):
(...) os quaes no modo do seu comercio tem esta maneira. Todo aquele que quer vender escravo ou outra cousa se vai a um lugar certo para isto ordenado & ata o dito escravo a uma árvore & faz uma cova na terra daquela quantidade que lhe parece bem & isto feito arreda-se fora um bom pedaço & então vem o Rosto de Cam & se é contente de encher a dita cova de ouro, enche-a & senão tapa-a com a terra & faz outra mais pequena & arreda-se fora & como isto é acabado vem seu dono do escravo & vê aquela cova que fez o Rosto de Cam, & se é contente aparta-se outra vez fora & tornado o Rosto de Cam ali enche a cova de ouro & este modo têm em seu comercio & assim nos escravos como nas outras mercadorias & eu falei com homens que isto viram & os mercadores Mandiguas vão às feiras de Bétú & Bambarraná & Dabahá comprar este ouro que hão daquela monstruosa gente & tornado o Rio de Guambea (...)
O segredo da diferença de valores foi uma moeda bem explorada pelo comércio português... como é sabido, bugigangas eram trocadas por metais preciosos (ou outras raridades na Europa e Islão).
Afinal, acima da moeda, ainda imperavam os segredos de regime como maior valia. O acesso à corte poderia ser facilitado por dinheiro, mas não assegurava o conhecimento dos códigos que regiam a aristocracia.
Apesar da ascenção da burguesia, esse poder permaneceu em grande parte intocável na aristocracia. Houve revoltas, revoluções burguesas... por exemplo com Cromwell, mas só a partir da Revolução Francesa a burguesia começa a tomar efectiva parte visível na governação europeia. O período industrial será determinante.
Uma das designações mais antigas para a moeda nacional é o Conto de Reis, remontando ao séc. XIV.
Um conto é suposto ser equivalente a um milhão, mas podemos ir mais longe na especulação sobre a origem da palavra... mais concretamente aos Contos das Mil e uma Noites.
É bem conhecida a história de Xerazade com o califa Xariar, que a troco de uma estória todas as noites vai sendo poupada da morte anunciada. Para além das instrutivas estórias que aí se encontram compiladas, e que fazem parte da nossa juventude, é especialmente interessante a valoração do entretenimento do monarca.
Ou seja, numa corte despótica e dominante onde o tédio só era interrompido por sinais de batalhas, os simples contos instrutivos teriam um efectivo valor como moeda de troca.
Não será assim de estranhar uma possível relação entre a designação monetária "conto de reis", com uma efectiva estória - um conto para reis. Idealmente seria um conto instrutivo para a plebe, mas com um significado implícito, secreto, acessível apenas pela elite.
O poder pode ser exercido explicitamente pela força, ou pela manifestação implícita de um factor dissuasivo no inimigo. A aristocracia valeu-se sempre muito mais da dissuasão do que da manifestação repressiva explícita, com o intuito de não incendiar revoltas.
A moeda, enquanto cativador dos desejos materiais do povo, ao ser imposta como convenção social unificadora pela burguesia, permitiu-lhe uma efectiva arma dissuasora e assim ascender por direito próprio a um patamar mais elevado, aristocrata, onde só lhe estariam interditos alguns códigos e segredos milenares.
Apesar de quase indiscutível, a fragilidade desse poder, da moeda, baseia-se numa convenção social que pode ser abalada pelos valores que representa. Ou seja, uma sociedade alternativa pode ser constituída por simples substituição, ou recusa, da moeda actual. O descrédito da actual moeda, e dos valores associados, representaria o fim desta ascensão da actual burguesia, e dos laços que estabeleceu com a aristocracia anterior.
O valor da moeda reside numa fé de que ela será reconhecida como troca em qualquer transacção social. Serve razoavelmente as pretensões materiais, mas tem ainda como ameaça os valores espirituais ou morais, embebidos na sociedade, através da cultura e religião. Não é aí capaz de servir como moeda eficaz, vai contando apenas com a progressiva menorização desses valores, ao edificar uma sociedade materialista.
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(*)… o suporte ouro desvaneceu-se desde Bretton Woods e Nixon (1973).
(*)… o suporte ouro desvaneceu-se desde Bretton Woods e Nixon (1973).
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