segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ulyssippo

Um poema notável, esquecido, que reporta a origem de Lisboa a Ulisses, foi o composto por António de Sousa Macedo (1606-1682)... talvez mais conhecido pelo seu "Flores de Espanha, Excelências de Portugal". Mais uma vez fomos encontrar Ulyssippo por digitalização da Biblioteca do Michigan... numa reedição de 1848.

A edição original será contemporânea da Restauração da Independência, notando-se que a chancela dos últimos inquisidores, para autorização de publicação, é já de 31 Outubro de 1640.
António de Sousa Macedo 
[imagem]

António de Sousa Macedo, seria nomeado Barão de Mullingar (Irlanda), por Carlos II de Inglaterra, tendo integrado a comitiva que acompanhou D. Catarina de Bragança. Foi ainda embaixador na Holanda. É justamente nesta altura que a Inglaterra, dá novo ímpeto à iniciativa Mayflower (... Flor de Maio), peregrinação que motivou os Estados Unidos da América. A influência da corte portuguesa de D. Catarina ficou homenageada no bairro Queens de Nova Iorque.

Curioso ainda, é o título dado a seu filho (Luís de Sousa Macedo): Barão da Ilha Grande de Joanes (identificada à Ilha de Marajó, na foz do Amazonas). A que Joanes se referiria essa Ilha Grande, na linha de demarcação do meridiano de Tordesilhas, se não a D. João II?

Colocamos aqui a primeira estrofe que é denominada Argumento, e nove outras primeiras estrofes, onde se torna claro que o mito da fundação de Lisboa por Ulisses, e toda a mitologia subjacente, estaria bem presente desde o fim do Séc. XV ao Séc. XIX. Não parece sério fazer qualquer História de Portugal, sem mencionar estes mitos que influenciavam o pensamento português. É até secundário saber da veracidade do mito, o que interessa é que esse mito influenciou, e muito, o pensamento português.

Não se trata de um estilo camoniano, mas permite entender completamente o verso dos Lusíadas 
"Cessem do Sábio Grego e do Troiano" ficando claro que o Sábio Grego era indiscutivelmente Ulisses...

Argumento
  O Rei Tartareo destruir procura
  Do sábio Ulysses a famosa armada; 
  E defendendo-a o Céu nela assegura 
  A cidade ab eterno decretada: 
  Infausta sombra ao Grego em noite escura 
  Dissuade da empresa começada 
  Mas animado com celeste auspicio 
  Porto lhe dá no Tejo o mar propício. 

(ver outras primeiras estrofes no comentário anexo)

1 comentário:

  1. I
    Canto o varão, que por fatal governo
    De Grecia a Lusitânia peregrino
    Fundou ilustre muro, & nome eterno
    Onde ao mar torna o Tejo cristalino.
    Muito obrou, e sofreu ; & em vão o inferno
    Se quis opor contra o poder divino,
    Que o guardou para autor naquela idade
    De muitos Reinos uma só cidade.

    II
    Suprema inteligência , em quem librado
    O movimento está das luzes belas
    Vós, que regeis das cousas o alto fado
    Na luzente republica de estrelas;
    Pois conduzistes pelo mar irado
    Ao Lusitano porto as Gregas velas,
    Dai-me canora voz, metro elegante
    Que dignamente vossa empresa cante.

    III.
    Vós de Lisboa luz, de Itália gloria
    Vivo exemplar do Céu, do mundo espanto
    Arquivo à santidade mais notória,
    Por sombras Deus, por excelência santo;
    Dai atenção à numerosa história
    ( Ó grande António) se merece tanto
    Vereis eterna, dos balcões celestes ,
    Nascer a pátria, de que vós nascestes.

    IV.
    Vereis, que se por pátria ilustre vossa
    Tem o maior brasão, mais alta empresa
    É pátria tal, que justamente possa
    Dignar-se de tal mãe vossa grandeza.
    Ouvi, porque se ouvis da gente nossa
    (Insigne Português) a alta nobreza,
    Entre a harmonia dos etéreos coros
    Os patrios versos vos serão sonoros.

    V.
    Depois que ao Reino antigo do Troiano
    Deu com morte vital gloriosa pena
    Vingando a Grega injúria por engano
    O poderoso Rei da gran Micena;
    Depois que de seu fogo o voraz dano
    Viu extinguido em sangue a bella Helena,
    E horrivelmente d'uma, & d'outra parte
    O teatro de Amor campo de Marte :


    VI.
    Em muitas dividida a esquadra Grega
    Do sábio Ulysses a famosa armada
    Ítaca busca, que lhe o fado nega
    Por diferentes climas derrotada
    Em braços da fortuna enfim se entrega
    Ao dominio do vento violentada,
    Que antes a governava, que impelia,
    Par'onde o mar começa, & acaba o dia;

    VII.
    Lançava a noite ao mundo o escuro manto,
    E o mar Iberio Ulysses já cortava,
    Quando no reino do temor , & espanto
    Novo temor, espanto novo entrava:
    Plutão em tristes sombras entretanto
    A Grega gente viu que navegava
    Só para ser de seu poder injusto
    Destruição fatal, castigo justo.
    VIII.
    Parece que em valor antecipada
    A Católica Fé da Lysia terra
    Em séculos futuros esperada
    Lhe ameaçava nos presságios guerra:
    Em temores somente figurada
    Luz eficaz da que Lisboa encerra
    Divina Lei, antecipando ensaios
    Propunba em sombras da vitória os raios.

    IX.
    Mas como dos futuros contingentes
    A certeza infalível se lhe oculta,
    Em proféticos astros concorrentes
    Figuras matemáticas consulta:
    Alcança em conjecturas evidentes
    Que irreparável dano lhe resulta
    Das, que navegam, naus, irado geme,
    Porém não determina o mal que teme.

    (...)

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