sábado, 20 de fevereiro de 2021

O "António Maria" (1883) vaccinas

Já aqui falámos da publicação "António Maria" que Rafael Bordalo Pinheiro foi alimentando no final do Séc. XIX. 

No ano de 1883 houve uma ameaça de cólera sobre a Europa, que Bordalo Pinheiro caracterizou assim:


O Cholera (a cólera). A vaccina da Europa.
(i) Aparece um frasco dizendo Ganges/Cholera.
(ii) John Bull (a típica representação da Inglaterra) injecta uma vacina na jovem representando a Europa (nas vestes tem escrito Portugal, Hespanha, França, Itália).
(iii) Mercúrio/Hermes (deus dos mercadores e não da medicina), agarra o pulso da jovem, senta-se em cima de uma pedra que tem escrito £ 1000 000 000 000 (um certo montante em libras esterlinas). Nessa pedra está o caduceu hermético, que por vezes se confunde com o símbolo da medicina, mas que na realidade é o símbolo dos mercadores, tendo duas serpentes em concorrência.

Será preciso maior tradução? Estaria Bordalo Pinheiro a sugerir que John Bull tinha trazido cólera do Ganges, da Índia, onde era potência colonizadora para a Europa, para depois ter um pretexto para vacinar e assim pedir um montante exorbitante por isso? 
É claro que não, Bordalo Pinheiro era um sujeito sério. Não iria convencer as pessoas de uma teoria da conspiração!
Mas vejamos o que diz Bordalo Pinheiro sobre o pânico mediático que se instalou em Lisboa:


Ao que parece os jornais não falavam noutra coisa (onde é que já vimos isto), e começavam queixas de insalubridade de vizinhos contra vizinhos, dos pés à cabeça...

Os bairros de Lisboa faziam reclamações de água corrente (vinda do rio Alviela, ver Aqueduto do Alviela) ao primeiro-ministro, então Fontes Pereira de Melo:


Quanto ao delegado de saúde, o equivalente à DGS, não lhe ficava atrás nas recomendações.
Bordalo Pinheiro caricaturiza-se em cima de um fio de telégrafo, com as andorinhas, porque, segundo o dito delegado (possivelmente Rodrigues de apelido), as habitações mais elevadas eram mais seguras enquanto o micróbio estivesse de olho neles (daí o micróbio com a luneta):


E a última caricatura, que termina o incrível longo período de (adivinhe-se) 2 semanas, em que fala do assunto, termina com um eventual "Cordão Sanitário do Algarve":

Bom, eram outros tempos, e Costa não é Fontes.
A cólera já se sabe, comparada com a Covid... digamos, não tem comparação!
Cordão sanitário do Algarve? Mas onde é que já se ouviria falar de tal coisa?

(SIC, 19 de Junho de 2020)

Qual era a razão do pânico? Dizia a SIC:
«Festa ilegal em Faro. Há já 69 casos de Covid-19 confirmados.»

"Festa ilegal"... toda esta designação necessita de um manual de tortura como auxiliar de leitura, porque em nenhuma época, todos os habitantes de um país foram proibidos de se juntar para festejar, estivessem sob ameaça de peste negra, de malária, cólera, ou tuberculose. 

Sim, espante-se o mundo, não é a primeira vez que está sob ameaça de doenças perigosas, mas é talvez a primeira vez em que a reacção à doença provocará muito mais mortos do que a própria doença.

Não apenas isso, é a primeira vez que uma doença domina a agenda mediática mundial, ou nacional, por mais do que um ano... e como se morre de Covid? Como se morre de pneumonia. E não morreu mais gente no mundo com a Covid, do que morria antes, conforme se pode ver neste gráfico (com base em dados da ONU, ainda que se tenha que notar que "o impacto da Covid não foi tido em conta"... com tudo o que isso significa, ou seja, que desde 2020 há dificuldade em contabilizar mortos).

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