domingo, 1 de novembro de 2015

O Carmo e a Trindade (3)

Passam hoje 260 anos sobre o Abalo do Marquês...
A poucas centenas de metros do Carmo ou da Trindade, em pleno Bairro Alto, podemos ler
NESTA CASA NASCEU AOS 13 DE MAIO DE 1699
SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELO
MARQUEZ DE POMBAL
A QUEM A CIDADE DE LISBOA DEVEU A SUA
REEDIFICAÇÃO DEPOIS DO TERREMOTO DE 1755
CONSAGRANDO POR ESTE FACTO A SUA MEMÓRIA
* A VEREAÇÃO DE 1923 * 

O que se diria aos senhores vereadores de 1923 ?

PARA UMA CASA ANTERIOR A 1699, 
RESISTIU MUITO BEM AO DEVASTADOR TERRAMOTO !!!

Não é fácil perceber se foi só ingenuidade, fidelidade canina, ou mera incompetência, que levou os vereadores lisboetas de 1923 a apontar intacto o berço do herói maçon e republicano. 

O leitor pode apressar-se aqui a procurar uma justificação, esquecendo-se que não lhe compete dar nenhuma justificação. Isto acontece demasiadas vezes. O próprio em vez de interrogar, procura ser ele a justificar.
Ora, deixemos as coisas nos seus devidos lugares. 
É ou não é estranho ter uma casa intacta de 1699 apresentada como berço do leãozinho, se em 1755 é suposto ocorrer um terramoto que deita tudo abaixo?
Se é estranho, quem deveria ter reparado deveria ser Afonso Costa e os seus vereadores lisboetas de 1923. 
Se os vereadores não acharam necessidade de qualquer referência a não se tratar da casa original, é porque muito naturalmente tinham indicações de ser mesmo a casa original... que foi pouco ou nada atingida pelo terramoto e incêndios.
Porquê? Porque era a casa berço do Marquês? 
Não, porque simplesmente pouco ou nada aconteceu à grande maioria das casas do Bairro Alto.


Investigação de Pinho Leal
Consultando a obra de Portugal Antigo e Moderno, de Augusto Pinho Leal, a paróquia de Santa Catarina tinha 1800 fogos antes do abalo, e 1778 depois dele... de onde se deduz que só dois edifícios desapareceram nessa paróquia. Não devemos assim estranhar que a casa do Marquês não tivesse caído.

Pinho Leal apresenta números muito precisos, provavelmente resultantes dos registos das paróquias a que teve acesso. Assim, dá-nos um retrato muito claro do antes e depois de 1755, sendo perfeitamente claro que a cidade foi afectada de forma muito desigual, e que isso nunca seria consequência do terramoto, e só se pode ter ficado a dever aos incêndios.

Antes do Terramoto de 1755 tinha Lisboa:
 39 609 fogos
158 400 habitantes

e por consequência do sismo ou abalo ficou com
 30 694 fogos
122 700 habitantes

ou seja, perdeu 8 915 habitações e 35 700 habitantes, por consequência do Abalo do Marquês.
É uma proporção de perda de 22% em casas e habitantes.

Mas vejamos o registo pelas 41 freguesias/paróquias, que Lisboa tinha antes do abalo.

01. St. Basílica Patriarcal - De 500 passou a 400 fogos.
02. Santissimo Sacramento - De 613 passou a 180 fogos.
03. São Bartolomeu - De 140 passou a 50 fogos.
04. Santa Engrácia - De 1400 passou a 1262 fogos.
05. Nª Srª Mártires - De 1600 passou a 6 fogos.
06. Santa Isabel - De 2600 passou a 2415 fogos.
07. Santa Maria Maior - De 896 passou a 150 fogos.
08. Santa Marinha - De 300 passou a 165 fogos.
09. Santa Justa - De 1940 passou a 361 fogos.
10. O Salvador - De 266 passou a 300 fogos.
11. Nª Srª das Mercês - De 900 passou a 807 fogos.
12. Stª Cruz do Castelo - De 322 passou a 315 fogos.
13. Santos o Velho - De 1787 passou a 1835 fogos.
14. S. Vicente de Fora - De 600 passou a 552 fogos.
15. S. Thiago - De 120 passou a 60 fogos.
16. Nª Srª da Ajuda - De 600 passou a 2123 fogos.
17. Stº André - De 140 passou a 260 fogos.
18. S. Jorge - De 58 passou a 72 fogos.
19. S. Pedro de Alfama - De 248 passou a 1500 fogos.
20. S. Christovão - De 420 passou a 236 fogos.
21. S. José - De 5000 passou a 6000 fogos.
22. S. Mamede - De 207 passou a 25 fogos.
23. S. Paulo - De 1000 passou a 980 fogos.
24. Stº Estevão - De 1000 passou a 960 fogos.
25. S. Martinho - De 30 passou a 50 fogos.
26. S. Sebastião da Pedreira - De 900 passou a 862 fogos.
27. Nª Srª Conceição - De 900 passou a 84 fogos.
28. Nª Srª Pena - De 1400 passou a 1300 fogos.
29. Stª Catarina - De 1800 passou a 1778 fogos.
30. Nª Srª Socorro - De 900 passou a 830 fogos.
31. S. Thomé - De 300 passou a 250 fogos.
32. S. Nicolau - De 2308 passou a 575 fogos.
33. Stª. Maria Magdalena - De 800 passou a 4 fogos.
34. S. Lourenço - De 150 passou a 143 fogos.
35. S. Miguel - De 870 passou a 666 fogos.
36. S. João da Praça - De 500 passou a 10 fogos.
37. S. Julião - De 1960 passou a 30 fogos.
38. Anjos - De 2140 passou a 2117 fogos.
39. Nª Srª da Encarnação - De 2000 passou a 972 fogos.
40. Nª Srª do Loreto - freguesia de todos os italianos.
41. Chagas de Jesus - freguesia dos navegantes da carreira de Índia e Brasil.

Diz Pinho Leal sobre as freguesias que aumentaram de população (a verde, por oposição às mais afectadas, a vermelho):
Note-se que as freguezias que augmentaram de população depois do terramoto, é porque, dos bairros que mais sofreram, ficando ruas inteiras completamente destruídas e desertas, se mudaram os seus habitantes para os outros, a que o terramoto tinha causado menos destruições.
Como podemos ver houve bairros arrasados enquanto os vizinhos passavam incólumes. A palavra fogos é aqui apropriada, porque o problema terão sido apenas os incêndios.
Nomeadamente, vemos como Alfama se aguentou e recebeu população migrante de outros bairros destruídos (não foi apenas a Ajuda que serviu como zona de refúgio).
Vemos ainda como o bairro de S. Paulo, que teria sido mais afectado pela subida de águas do Tejo, como referia Joaquim José Mendonça, teria afinal perdido apenas 20 habitações.

Um relato completamente inconsistente com toda a enfabulação pseudo-científica que se foi construindo em torno de um acontecimento falsificado em quase todos os detalhes.

Para corolário glorioso da pseudo-ciência dos terramotos e maremotos inventados, fica-nos a sólida casa de berço do Marquês, e a sua simbólica data de nascimento - o 13 de Maio, que já aqui tínhamos referido a propósito da dificuldade em erguer a sua estátua em 1917 na grande rotunda lisboeta:
A 1ª pedra foi colocada por duas vezes, em 15 de Agosto de 1917 e novamente a 13 de Maio de 1926. Só oito anos depois a estátua era colocada sobre o fuste (12 de Dezembro de 1933) e inaugurada em 1934.

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