Alvor-Silves

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Fernão de Magalhães (7) Lapu Lapu

Por estas horas nas Filipinas já se comemorou a vitória de Lapu Lapu na batalha de Mactan (Cebu). 

Imagens da comemoração da vitória de Lapu Lapu (27 de Abril de 2021, Cebu)

As comemorações estiveram sob o signo da máscara, Covid oblige.
Em contraponto, deve lembrar-se que aí pereceu Fernão de Magalhães, morto em batalha. Magalhães quis forçar que as Filipinas celebrassem missa. Muitos chefes anuíram, mas Lapu Lapu recusou.
Magalhães terá ido convencido que conseguiria vergar pela força, e esse convencimento de quem detém uma superioridade de armamento, acabou por lhe custar a própria vida.

Deixo um retrato ficcionado, que normalmente se associa à ilustração da sua morte, sozinho, lutando contra vários indígenas.


Uma boa maioria dos restantes portugueses e espanhóis, acabaram por se salvar a tempo.
O facto de Magalhães se ter deixado ficar, acabando por perecer, acaba por ficar num certo misto entre a casualidade da guerra, e alguma intencionalidade própria.
Nesta altura, Magalhães já sabia que as Molucas (o objectivo) estavam ali ao lado. Se quisesse evitar um confronto desnecessário, bastaria rumar às Molucas e ignorar Lapu Lapu... deixar que outros tomassem conta do assunto (conforme mais tarde o fizeram).
Magalhães quis o confronto, e empenhou-se pessoalmente mais do que o expectável. Não me parece ter feito o suficiente para evitar a própria morte. Se não foi um suicídio (tal coisa era abominada pelos clérigos), não esteve muito longe entre isso e uma obstinação de chefia que não admite desobediência.

Estava ao serviço de Espanha, mas não é claro que não estivesse também ao serviço de Portugal.
A sua história é um marco na navegação mascarada, sendo o primeiro desmascarado a contornar o globo. Primeiro, porque tinha estado antes naquelas paragens, pelo hemisfério português, e ali acabava de confirmar o caminho pelo hemisfério espanhol. Esse hemisfério espanhol tinha ocultado tantas proezas nacionais, que uma série de homens, cartógrafos (Faleiro, Reinéis), pilotos, marinheiros, quiseram associar-lhe outro nome português, e muitos acompanharam-no naquela senda. Os três capitães seguintes, comandantes da frota, continuaram a ser portugueses. El Cano, nunca foi comandante da expedição, era comandante do único barco que regressou a Espanha (o outro navio foi capturado).

Os filipinos têm toda a razão em comemorar a vitória de Lapu Lapu, foi uma batalha heróica, pelo seu lado. Teremos nós razão em praticamente ignorar que passam 500 anos sobre a morte do português mais celebrado em todo o mundo?
Não, não há nenhuma Covid que justifique isso, apenas uma subjugação externa, obsessiva, para a qual  proezas desta gente são rudezas suas.

O Magalhães, no feito com verdade português, porém não na lealdade.

E como o próprio Magalhães o reconheceu, o feito de cruzar o Estreito e navegar o Pacífico, foi com verdade português, pois estava cartografado em mapas portugueses, mas não na lealdade de o atribuir a um primeiro autor (talvez Diogo Cão ou João Afonso do Estreito).

sexta-feira, 23 de abril de 2021

da Costa Gomes a Gomes da Costa

Há um chefe e um vice-chefe das forças armadas, e são ambos demitidos.
Passado um mês há um golpe militar, e o vice-chefe, sem saber como, passa a presidente, mas enquanto presidente, não consegue formar governo. Acaba por ficar isolado e cai passados 4 meses.
Com o vice-chefe fora de cena, o chefe assume o cargo presidencial.
Dão-se golpes, contra-golpes, etc... mas há um personagem que sai incólume - o chefe:

Francisco da Costa Gomes, a figura nos bastidores do 25 de Abril de 1974.

Costa Gomes estava ao serviço da NATO, e foi a NATO a força dissuasora no 25 de Abril.
A NATO esteve presente de 23 a 25 de Abril com uma armada capaz de arrasar Lisboa.

A hierarquia do MFA seria simples - Costa Gomes era a peça de ligação portuguesa à NATO, e manteve-se nos bastidores. Seria de si que partiam as direcções que coordenava com Vasco Gonçalves, para as reuniões do MFA, onde Otelo Saraiva de Carvalho assumiu protagonismo para os restantes envolvidos.
Houve mais, bastantes mais capitães, mas houve essencialmente um general que soube desviar de si as atenções, a ponto de nos relatórios da CIA se manifestarem dúvidas sobre se era figura apagada ou protagonista.
Para quem era um puto na altura, como eu, seria muito mais fácil associar protagonismo a Spínola do que a Costa Gomes. Para a generalidade dos portugueses, Costa Gomes seria a figura mais apagada daquele período conturbado, em que quase todos procuravam protagonismo.

No entanto, estes são os factos, que já aqui expusemos do Carnaval revolucionário:
  • Costa Gomes esteve sob Humberto Delgado no comando SACLANT da NATO em Norfolk.
  • Costa Gomes foi secretário de estado sob o general Botelho Moniz, então Ministro da Defesa.
  • Humberto Delgado e Botelho Moniz tentaram ambos derrubar Salazar.
  • Após o falhanço do golpe de Botelho Moniz, a embaixada americana sinalizou que melhor solução do que Botelho Moniz seria Costa Gomes.
  • Costa Gomes ficou chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas em 1973.
  • No final de 1973, Vasco Gonçalves começou as reuniões clandestinas do MFA.
  • No início de 1974, Costa Gomes incentiva Spínola a publicar o seu polémico livro.
  • Em 13 de Março, Costa Gomes e Spínola são ambos demitidos do EMGFA.
  • Em 16 de Março dá-se a primeira revolta, o golpe das Caldas.
  • A 23 de Abril, a força da NATO (STANAVFORLANT) está em Lisboa para o exercício:
      • Dawn Patrol (patrulha da madrugada)
  • A 25 de Abril, as chefias militares, até há um mês lideradas por Costa Gomes, não esboçam reacção à iniciativa de Salgueiro Maia. Não há aviões no ar (a NATO estava no Montijo), e o navio português da NATO (comandado pelo pai de Francisco Louçã), ao apontar os canhões para o Terreiro do Paço é bloqueado pela fragata canadiana.
  • Contra as tropas de Salgueiro Maia, restam poucas forças leais a Marcelo Caetano, que se rendem.
  • Quem o MFA vai chamar para a transição é Spínola e não Costa Gomes.
  • Spínola tenta fazer um governo militar, mas a maçonaria impõe Palma Carlos como primeiro-ministro. Ao fim de pouco mais que um mês, Palma Carlos demite-se.
É aqui que começa a aparecer o outro lado da revolução... Vasco Gonçalves aparece como exigência do MFA para ser primeiro-ministro.
Esta exigência parece-me ser claramente de Costa Gomes, provavelmente o líder desde o início desse MFA congeminado pela NATO. Spínola sente-se sem qualquer poder sobre os acontecimentos, em Setembro convoca "a maioria silenciosa" e dela vai receber silêncio...
  • Em Setembro, Costa Gomes passa a ser o segundo Presidente da República após o 25 de Abril, tal como Gomes da Costa foi o segundo Presidente da República após o 28 de Maio de 1926. Até esta troca de apelidos é sinal da troca de regime (Mendes Cabeçadas, esse ainda durou menos tempo que Spínola, e foi afastado passadas duas semanas, em 1926).
  • As figuras lançadas para a frente, Spínola e Mendes Cabeçadas, estavam desligadas dos bastidores das revoluções que iriam tomar a iniciativa seguinte.
Com Costa Gomes e Vasco Gonçalves começa a "transição para o socialismo". Essa experiência vai ser lançada em toda a sua plenitude em 1975 até ao 25 de Novembro. Conforme referi no ano passado, foi uma vacina de turismo revolucionário, que acabou definitivamente com os ideais anárquico-socialistas.

Afastados Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho, Costa Gomes manteve-se como presidente, como se nada se tivesse passado. De certa forma, naquele período conturbado tanto permaneceu como referência para a extrema-esquerda, como para o centro-direita. Mas a sua permanência estava aprazada, enquanto figura de transição, até à eleição de Ramalho Eanes em 1976.

O papel de heróis do 25 de Abril caiu por inteiro nos capitães, mas todos estes bastidores fazem crer que, à excepção de Otelo, tiveram pouco mais que uma intervenção comandada de fora.
A troika (conforme lhe chamaram os americanos) Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho, poderá ter tido uma ideia de aproveitar a revolução para tentar implantar um certo socialismo, algo anárquico, mas se essa ideia pode ter sido algo genuína em Otelo e Vasco Gonçalves, parece-me que serviu mais propósitos de vacinação pela parte de Costa Gomes e da NATO. 

Diz-se que Kissinger terá pensado numa invasão de Portugal, usando a Espanha, mas isso seria mais porque provavelmente não estaria completamente ao corrente da experiência científica que a CIA estava a fazer em termos de vacinação contra os ideais socialistas anárquicos. Os muitos grupos deslumbrados com a experiência revolucionária portuguesa, viram-na cair por si mesma, sem intervenção externa. Isto foi marcante no progressivo desaparecimento de muitos desses grupos na Europa.

O custo deste carnaval revolucionário foi depois passado em forma de cheque ao FMI, em duas tranches, a primeira logo em 1977, e a outra em 1983, para dar acesso à superliga da CEE (tal como o custo da entrada no "euro" começou a pagar-se em 2011). E, é claro, como todos sabem, aquela coisa a que chamam "vacinas", só a alguns parece ser obra de caridade das farmacêuticas.

Outros postais acerca deste assunto:

domingo, 4 de abril de 2021

A África começa nos Pirinéus (6)

Resumindo aquilo que foi apresentado nesta série, para mim fica claro que não existem registos judaicos anteriores à queda de Cartago. A questão das moedas, levantada no postal anterior, é apenas mais um exemplo. Não se encontram símbolos judaicos, nem sequer em relatos de outros povos.
É claro que há tentativas de ligar qualquer referência à Palestina, a um povo judaico, mas mesmo essas são tão escassas e pouco significativas que podem ser quase ignoradas. Todo o folclore judaico começa quase em simultâneo com o cristianismo, à excepção do suposto "Velho Testamento", cuja origem mais antiga é praticamente coincidente com a queda ou, pelo menos o declínio de Cartago após a derrota de Aníbal.

Antes da invasão de Alexandre Magno, o mundo antigo tinha civilizações de referência - os egípcios, os persas/babilónios/caldeus, os fenícios, e os gregos. A invasão de Alexandre terraplanou essas diferenças para um factor comum - todos foram helenizados! É claro que Alexandre nem se dá conta da existência de judeus, porque simplesmente não contavam/existiam.

Só que, passado um século torna-se claro que o legado cultural egípcio, fenício, persa ou caldeu, corria um risco iminente de desaparecer da História. Os fenícios ainda tinham Cartago, Cartagena ou Cádis, mas os restantes estavam sob domínio das dinastias dos generais de Alexandre - de Ptolomeu no Egipto, e de Seleuco no Médio Oriente.

O mais natural, parece-me, é que especialmente o corpo sacerdotal não queria perder um legado milenar, de um momento para o outro, e a ideia de uma certa aliança entre três reinos magnos começou a ganhar forma, especialmente quando os Romanos ameaçaram mais definitivamente substituir-se aos gregos no controlo dessas regiões, após as "vitórias de Pirro" (Burro) e a derrota de Aníbal.
Esses três reinos eram basicamente três partições do império de Alexandre: - a parte africana do Egipto (Ptolomeu), a parte asiática do Médio Oriente (Seleuco), e a parte mais europeia com a Ásia Menor (Antígono).


Representação dos 3 reis magos com chapéus frígios "de liberdade".

Do lado egípcio seria herdado um velho monoteísmo de Akenaton. 
Do lado caldeu todo o antigo mito da criação de Gilgamesh, em concorrência com os ensinamentos filosóficos de Zaratustra.
Do lado da Ásia Menor e Fenícia, um certo ideal de liberdade das cidades estado fenícias, dos reinos da Frígia,  Lídia, Lícia, herdeiros hititas, um aspecto de comércio livre, etc.

Quem terá tomado o inicial protagonismo terão sido provavelmente os egípcios e caldeus adeptos do culto monoteísta de Akenaton a Aton e de Zaratustra a Ahura Mazda, em conjunto com os fenícios de Tiro.
A formação da religião monoteísta "judaica" terá sido congeminada aquando da definição da Septuaginta, umas décadas depois de Ptolomeu ter consolidado o seu reinado, na nova capital egípcia, Alexandria. 
A região entre a Palestina e a Síria tornou-se um foco de várias batalhas entre os lados ptolomaico (egípcio) e seleucida (sírio), culminando numa zona de ninguém, onde se começaria a formar o reino judaico, com a revolta dos Macabeus. Com o fim de Cartago e a conquista romana da Grécia e Ásia Menor, é natural que aí se juntassem expatriados fugindo não só de Cartago, mas também de territórios vizinhos conquistados pelos romanos.

Em breve essa aliança circunstancial terá cedido em dissensões, em que o núcleo principal "judaico" se foi identificando aos expatriados fenícios, de Cartago e Cartagena, forçados a uma travessia no deserto até às suas origens. O lado egípcio foi provavelmente aquele que, juntamente com o lado da Ásia Menor (Paulo, era nascido em Tarso), mais favoreceu a dissensão para um cristianismo. 
Com efeito, a adesão ao cristianismo foi tão forte no Egipto, que praticamente o cristianismo copta substituiu a antiga religião egípcia. Após Cleópatra, o Egipto era apenas mais uma província romana, e o resto da cultura egípcia perdera-se. 
Outra dissensão, seria pelo lado caldeu e frígio, ligando-se ao culto do Mitraísmo que, até à implantação do cristianismo por Constantino, era um culto com bastantes adeptos e muito concorrencial com o cristianismo. Esse lado favoreceu depois o próprio aparecimento da região islâmica, como natural dissensão dos velhos acordos.

O grande objectivo destes três reinos magnos seria a queda de Roma.
O maior sucesso partiu do lado judaico-cristão, que se foi espalhando justamente por todo o império, especialmente entre os escravos. Os fenícios-cartagineses mantiveram-se na dissensão que levou á concretização do judaísmo. Os povos da Ásia Menor,  variaram entre o mitraísmo e o catolicismo, com a sua definição pela separação no lado ortodoxo cristão, do Império Romano Oriental, com centro em Constantinopla. Finalmente o legado principal dos caldeus acabou por ir para a definição da terceira religião abraâmica, o islamismo.

Roma incorporou o cristianismo de forma subtil, e acima de tudo sobreviveu à sua vitória, reerguendo-se como capital do império ocidental. 
Bom, mas esta especulação ainda não termina aqui...