Na sequência do anterior postal Rodízio afonsino em Arzila, José Manuel Oliveira e David Jorge apresentaram nos comentários outras versões possíveis para explicar o rodízio afonsino que, recordo, trata-se deste símbolo de roda motriz:
Rodízio de vacas
Pela restauração (alimentar) sabemos de um rodízio associado à carne de vaca... porém, do que não estava mesmo à espera era de encontrar esta imagem, indicada pelo David Jorge, em que o rodízio está acoplado a um barco movido pela acção rotativa... de vacas:
"XVth century miniature of an ox-powered paddle wheel boat from the
4th century Roman military treatise De Rebus Bellicis by Anonymous."
Cópia da Bodleian Library - Cosmographia Scoti
A imagem é de um livro de 1436, e recordamos que D. Afonso V é declarado rei herdeiro em 1438.
Esse livro será uma transcrição de um original romano De Rebus Bellicis, publicado mais de mil anos antes.
Ora, a questão principal aqui é que a Idade Média não acabou porque acabasse, foi decidido que iria acabar, que o génio seria libertado, e enfim... o Mundo voltaria a ter acesso, pelo menos parcial, ao conhecimento antigo.
Quando o Séc. XV avança, são cada vez mais as cópias que vemos publicadas dos trabalhos romanos e gregos, muitos deles pensados perdidos no incêndio da Biblioteca de Alexandria.
No final do Séc. XV é Leonardo da Vinci que está a replicar trabalhos de Vitrúvio. Muito ficará ligado mais a si do que ao autor original, como acontecerá depois em tantos outros casos (por exemplo, a La Fontaine que copia literalmente as fábulas de Esopo).
Curiosamente, está nos trabalhos de Vitrúvio o uso do rodízio também como odómetro, ou seja, como um "conta-quilómetros", activado pela passagem de água no curso de um navio - ora, isso foi o que também sugeri como possibilidade.
No entanto, terá havido efectivamente contribuições originais.
A principal proibição que foi levantada não foi o acesso ao material antigo, a principal proibição que foi levantada foi deixar o génio humano à solta, ou pelo menos com rédea mais larga.
Blasco de Garay
Deixei este espaço final para recordar o postal sobre de Blasco de Garay:
(ou ainda o seguinte) onde se relata invenção em 1543 de um barco a vapor, o Trindade, que terá feito uma navegação experimental em Barcelona nesse ano.
Como os documentos invocados em 1823, do Arquivo de Simancas, parece que se "perderam"... há quem argumente no sentido oposto, no sentido que seriam apenas homens a mover as pás propulsoras... é claro que no rodízio romano do De Rebus Bellicis também poderiam ser homens e não vacas a efectuar a rotação propulsora. Para o caso do rodízio é indiferente, a engrenagem funcionaria num ou noutro caso, se tivesse em vista substituir as velas pelas pás. É claro que para efeitos de eficiência, o vapor aportaria muito mais potência, conforme se veria nos barcos a vapor desde os primeiros (onde as pás eram visíveis), aos mais sofisticados (como o Titanic, que tinha todo o mecan).
Aliás no caso de Blasco de Garay, como se justificaria o medo de Ravago que a caldeira explodisse, se afinal era apenas a força dos homens a rodar as pás?
Interessava aqui referenciar que a ideia de um rodízio para a locomoção de navios era uma ideia presente nos séculos XV e XVI, e não deve ser dissociada de uma nação que apostava justamente na eficácia da sua marinha para se impor na sua expansão mundial.
Santa Catarina
Convém aqui notar ainda que o brasão de Goa, no tempo da Índia portuguesa, tinha uma roda ou rodízio, com alguma semelhança com o de D. Afonso V:
Invoca-se habitualmente a roda de Santa Catarina para justificar este brasão, tal como é também feito com o rodízio de D. Afonso V, conforme o José Manuel mencionou.
Ainda que haja essa menção na heráldica, e um desenho explícito no Livro de Horas de D. Duarte possa sugerir que o seu culto estava bastante difundido em Portugal, faltaria justificar a associação das gotas, que sugerem um fluxo de água.
É mais natural pensar que a roda de Goa estivesse associada ao símbolo do Dharma budista, disfarçada como roda de Santa Catarina. Além disso, por que não considerar a roda de Goa associada mesmo ao símbolo de D. Afonso V?
A outra hipótese, do símbolo de D. Afonso V se associar já na ligação de Santa Catarina ao Dharma indiano, remeteria já a sua empresa com vista à Índia, e não vou considerá-la sem outros argumentos.
Em suma, o rodízio de D. Afonso V parece-me muito mais ligado a um símbolo de técnica relacionado com a água, e uma sua associação a meras azenhas parece insuficiente explicação, já que a empresa marítima portuguesa, de que D. Afonso V era portador, não era uma empresa de padaria... conforme salientou o José Manuel Oliveira.
(ou ainda o seguinte) onde se relata invenção em 1543 de um barco a vapor, o Trindade, que terá feito uma navegação experimental em Barcelona nesse ano.
Ilustração feita em 1913 na revista Nuevo Mundo (nº 1015).
Como os documentos invocados em 1823, do Arquivo de Simancas, parece que se "perderam"... há quem argumente no sentido oposto, no sentido que seriam apenas homens a mover as pás propulsoras... é claro que no rodízio romano do De Rebus Bellicis também poderiam ser homens e não vacas a efectuar a rotação propulsora. Para o caso do rodízio é indiferente, a engrenagem funcionaria num ou noutro caso, se tivesse em vista substituir as velas pelas pás. É claro que para efeitos de eficiência, o vapor aportaria muito mais potência, conforme se veria nos barcos a vapor desde os primeiros (onde as pás eram visíveis), aos mais sofisticados (como o Titanic, que tinha todo o mecan).
Aliás no caso de Blasco de Garay, como se justificaria o medo de Ravago que a caldeira explodisse, se afinal era apenas a força dos homens a rodar as pás?
Interessava aqui referenciar que a ideia de um rodízio para a locomoção de navios era uma ideia presente nos séculos XV e XVI, e não deve ser dissociada de uma nação que apostava justamente na eficácia da sua marinha para se impor na sua expansão mundial.
Santa Catarina
Convém aqui notar ainda que o brasão de Goa, no tempo da Índia portuguesa, tinha uma roda ou rodízio, com alguma semelhança com o de D. Afonso V:
Brazão da Cidade Portuguesa de Goa.
Invoca-se habitualmente a roda de Santa Catarina para justificar este brasão, tal como é também feito com o rodízio de D. Afonso V, conforme o José Manuel mencionou.
Ainda que haja essa menção na heráldica, e um desenho explícito no Livro de Horas de D. Duarte possa sugerir que o seu culto estava bastante difundido em Portugal, faltaria justificar a associação das gotas, que sugerem um fluxo de água.
(com a menção "Sponsa Christi Vere")
É mais natural pensar que a roda de Goa estivesse associada ao símbolo do Dharma budista, disfarçada como roda de Santa Catarina. Além disso, por que não considerar a roda de Goa associada mesmo ao símbolo de D. Afonso V?
A outra hipótese, do símbolo de D. Afonso V se associar já na ligação de Santa Catarina ao Dharma indiano, remeteria já a sua empresa com vista à Índia, e não vou considerá-la sem outros argumentos.
Em suma, o rodízio de D. Afonso V parece-me muito mais ligado a um símbolo de técnica relacionado com a água, e uma sua associação a meras azenhas parece insuficiente explicação, já que a empresa marítima portuguesa, de que D. Afonso V era portador, não era uma empresa de padaria... conforme salientou o José Manuel Oliveira.
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27.10.2018