Alvor-Silves

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Um paralelo de Barcelos a Barcelona

Que os nomes "Barcelos" e "Barcelona" são parecidos... pois isso não é novidade para ninguém, já que basta serem pronunciados para se constatar a semelhança. 
Que a sua origem é, em ambos os casos, remetida a "barcas" - ou à família cartaginesa Barca (de Aníbal), ou a simples embarcações, pois também não é difícil de encontrar. 
Que haja qualquer relação entre uma coisa e outra, pois sempre parece ter sido desconsiderado, ou até alvo de zombaria... mesmo que se admitam origens similares para os nomes.

No entanto, parece coisa singular que, para além da semelhança do nome, o registo de latitude das cidades seja também muito próximo:

Paralelos - Barcelos: 41.5º N, Barcelona: 41.4º N

A diferença entre os paralelos é pouco mais que 0.1º (1 décimo de grau ~ 11 Km).
Este facto é normalmente ignorado nas "etimologias", até porque quem faz linguística, normalmente não liga à geografia.

Há outras cidades de relevo nas proximidades desse paralelo que vai de Barcelos a Barcelona, nomeadamente - Braga, Zamora ou Tordesilhas. 
Sobre Braga, também teve o seu nome pretensamente associado aos cartagineses Barcas (na hipótese que Barca tivesse passado a Braca e depois a Braga). No entanto, não há registo de que os cartagineses tivessem estado em latitudes tão a norte, quanto o Rio Cávado, e portanto a essas hipóteses nunca foi dada grande credibilidade.

Numa situação normal, estas duas coincidências - nome e latitude semelhantes, são insuficientes para o assunto merecer tratamento num texto deste blog, e ainda que tivesse procurado, não encontrei uma terceira ligação clara entre Barcelos e Barcelona. Digamos que, com três ou mais coincidências, podemos suspeitar que não se trata de coincidência... mas neste caso, nem o galo de Barcelos ajudou.

O terceiro ponto surge apenas da actualidade, de Barcelona viver um momento conturbado, em que se tenta livrar do jugo de Madrid. Por aqui, podemos ver que as coisas têm mais pontos comuns... mesmo que sejam mais vagos.
O título de Duque de Bragança foi dado a Afonso, Conde de Barcelos, filho bastardo de D. João I, pelo matrimónio com a filha de Nuno Alváres Pereira, que era então o Conde de Barcelos, numa altura em que não havia ducados, e aquele condado era considerado o mais importante. O título de Conde ou Duque de Barcelos ficou desde essa data ligado à Casa de Bragança (Bragança está um pouco mais a norte, a 41.8ºN, tal como Valladolid, a 41.7ºN).

Acontece que em 1 de Dezembro de 1640, quando o Duque de Bragança, que era também Duque de Barcelos, decidiu proclamar a restauração da independência portuguesa, passavam quase 6 meses do início da Revolta Catalã, ocorrida em 7 de Junho de 1640. Por isso, quando encontramos um catalão é habitual que nos diga que os portugueses devem a sua independência à revolta catalã... já que durante o período de 1640-59, foram quase vinte anos - em que o principal foco de Madrid era recuperar o controlo de Barcelona. A Guerra de Restauração foi mais acentuada e dura após 1659, e até 1668, já sob reinado de D. Afonso VI, pois só aí a Espanha se concentrou na recuperação de Portugal, que tinha tido quase 20 anos, proporcionados pelos catalães, para recuperar um grande exército, e um grande líder - o Marquês de Marialva - capaz de derrotar o experimentado exército espanhol da Guerra dos Trinta Anos, em sucessivas batalhas, de Elvas a Montes Claros.

Portanto, não deixa de ser curioso que a regência dos Duques de Bragança e Barcelos, tenha resultado da revolta em Barcelona, em muito orquestrada pela casa Medina-Sidónia, da rainha Luísa Guzman, mulher de D. João IV. Quanto mais não fosse por outra razão, esta seria suficiente para calar desbocados nacionais, que clamam contra a independência catalã, invocando legalidade, como se a legalidade não fosse mais do que uma construção de legos, feita à medida da criançada.

Acrescem como curiosidades, o paralelo de Barcelos a Barcelona, não só passar por Zamora, cidade onde se celebrou o tratado de independência de Portugal em 1143; mas também passar por Tordesilhas, cidade onde se celebrou o tratado em 1494 com Isabel e Fernando - o último rei de Aragão, já que foi o seu casamento com Isabel que determinou a união de Castela com Aragão, em 1492-93, e a constituição da Espanha, em especial após Carlos V.
Tanto mais é curioso que a cidade de Toro também fica pelo mesmo paralelo 41.5ºN, e foi aí que Fernando de Aragão derrotou D. Afonso V, que pretendia reclamar Castela para Joana (sua sobrinha) contra Isabel de Castela. Digamos que o sucesso de Fernando de Aragão ao assegurar a pretensão da mulher ao trono de Castela, acabou por comprometer afinal o reino de Aragão, quando a capital se manteve em Toledo e depois Madrid.

Portanto, apesar de entre Barcelos e Barcelona existir apenas a coincidência do nome e da localização, surgem nesse paralelo cidades com tratados marcantes - Zamora, para a independência de Portugal, e Tordesilhas (ou Toro), que formalizam já a união espanhola, e o fim do reino independente de Aragão. E como se isto não fosse suficiente, a ascenção ao trono português dos Condes/Duques de Barcelos, deveu muito à revolta em Barcelona.

Como observação final, será conveniente lembrar que depois de 1640, a França se aliou a Espanha, em 1659 para derrotar a Catalunha, e obter uma parte - o condado do Rossilhão. Como tal, não é de esperar que a Catalunha consiga simpatia do lado francês, já que se seguiriam questões sobre esse território catalão em França (que também tem parte do território basco). 
Acresce que o Reino de Aragão se estendia pela região de Valencia, dominando as ilhas Baleares, e mesmo o Reino de Nápoles e Sicília... e pelo lado italiano, também não se espera nenhuma simpatia com o movimento catalão, já que a Itália é uma manta de retalhos, com os seus próprios problemas. A Inglaterra querendo manter Gibraltar, tentará trocar o seu apoio a Madrid por mais um prolongado silêncio sobre essa questão.
Ou seja, a Catalunha vê os mais diversos interesses reunirem-se contra si, e não tendo conseguido a simpatia de nenhuma potência externa, dificilmente conseguirá mais do que uma nova negociação sobre a sua autonomia. No entanto, ouvindo a língua com o sotaque catalão, perguntamo-nos se o único enxerto que não pertencia à nossa península, não é mesmo o enxerto com pronúncia castelhana... 

5 comentários:

  1. Pois o Reino de Aragão foi engolido por Castela, apesar da varonia ter pertencido a Aragão. Isso importa o que importa mas podemos verificar por aí o que teria acontecido se por exemplo D. Miguel da Paz não tivesse morrido em tão precoce idade. Com a disparidade de território e de população é normal que acontecesse o que a fábula da panela de barro e da panela de ferro expressa. Outro exemplo foi a Batalha de Toro que eu considero termos ganho, pelo menos militarmente o que não significa muito pois politicamente foi uma derrota. Ainda assim, Portugal mesmo na derrota acaba por ganhar pois hoje seríamos apenas outra província debaixo do imperialismo Madrileno pelas mesmas razões.

    Ab

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  2. Ah é verdade, existe uma outra ligação(zinha). D. Pedro, filho de D.Pedro das Sete Partidas que foi morto por D. Afonso V influenciado pelo Conde de Barcelos, foi Rei de Aragão.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_de_Coimbra,_Condest%C3%A1vel_de_Portugal

    Ab

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    1. Sim, é outra ligação, e também tenho isso algures... aqui:

      https://alvor-silves.blogspot.pt/2016/02/descobrimentos-em-diversos-anos-e_15.html

      Pois, quanto ao comentário em cima, parece que a batalha de Toro é contada com dois desfechos. O primeiro em que D. Afonso V tem a batalha perdida, e o segundo, em que D. João II, ainda príncipe, inverte a contenda, e salva o pai de ser feito prisioneiro. Tem razão, politicamente o "empate" não servia de nada, porque o objectivo era colocar D. Joana no trono.

      E, é como diz, a vitória dos reis portugueses poderia ser o fim do reino, ainda que Castela não fosse tão maior quanto é hoje a Espanha.
      Castela na junção também eclipsou Leão, e a língua leonesa que se parece com o dialecto mirandês ficou restrita a uma pequeníssima parte.
      E nesse caso, o território de Leão até era bem maior que o reino de Castela, que só ficou definido depois de Leão suceder às Astúrias como reino.
      Aliás, os EUA estão com esse problema "espanhol", pois de mansinho, numa boa parte do sul da Califórnia e do sul da Flórida, já quase só se fala espanhol castelhano.

      Abç

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  3. Muito cinismo dos Estados, que os jornalistas analistas políticos não conseguem penetrar, nem adivinhar quando vai iniciar uma guerra, a União dos Reinos Ibéricos não interessou nem a ingleses nem a franceses, Portugal independente enfraquece os castelhanos, enfraquecia, agora dentro das fronteiras da UE Catalunha independente interessa ao projecto napoleónico de uma Europa unida, quanto mais fraccionada no seu interior mais facilmente será governada.
    Está previsto a “fusão” de regiões entre os actuais Estados da UE, Galiza Norte de Portugal, corporação transfronteiriça, isto da megalomania arrogante castelhana tem os dias contados… como a sua monarquia igualmente. Com o renascer das línguas pré-colombianas na América do Sul o castelhano não será assim tão concorrencial ao inglês dos USA… o idioma português tem mais futuro, isto geopoliticamente falando se for longe esse futuro pois sinais de fim desta civilização se acumulam https://sol.sapo.pt/artigo/582586/-capsula-do-tempo-enterrada-num-fiorde a juntar ao cofre das sementes na mesma ilha…

    Cumprimentos

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    1. Sim, José Manuel, é uma boa análise do problema, mas se a múltipla divisão em pequenas soberanias independentes parece favorecer a UE, também tende a tornar mais ineficaz a efectivação de um poder único, cuja a única arma unificadora é o euro.

      Hoje o referendo catalão é primeira notícia em quase todos os canais noticiosos, e nesse aspecto os independentistas catalães terão conseguido uma visibilidade vitoriosa. Mas, depois disto o que se segue? A vontade catalã de seguir para a independência está lá, não vai sair, e Madrid só conseguirá alguma "vitória" se o poder catalão ceder, permitindo algumas negociações.
      O referendo como é natural, dadas as circunstâncias, será interpretado conforme aprouver, mas o que é certo é que parece que não resolverá nada, pois a maior parte das pessoas nem sequer terá tido condições para votar, sendo claro que quem votar irá votar pela independência.

      Abraços.

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