Alvor-Silves

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Véus (6)

Continuamos a transcrição da obra do Abade Le Franc sobre a Maçonaria. Nesta parte continua a remeter uma origem da maçonaria associada ao movimento de Fausto Socino, um personagem de que nem tinha tido notícia anterior, e que de outra forma, sem esta importância que Le Franc lhe dá, teria uma influência menor no curso histórico.

Fausto Socino (1539-1604)
Esta importância, de acordo com o Abade Le Franc, seria a da capacidade de agregar diversos pequenos movimentos "hereges" numa comunidade com pontos comuns, alicerçando numa crítica ao carácter divino de Jesus Cristo, a sua principal cola. 
Comparando isto com movimentos anteriores, como o dos Cátaros, ou do próprio Arianismo, a heresia era agora muito maior, colocando Cristo ao nível de profeta islâmico, com a única diferença do Socianismo não referir Maomé como profeta. 
O que não é referido pelo Abade Le Franc, mas que me parece ter sido crucial no desfecho deste movimentos anti-Roma, é toda a envolvente de política nacionalista apoiada pelos príncipes europeus, órfãos da partilha do Mundo feita nas Tordesilhas. 
Assim, se os descobrimentos tinham tido os Templários como motor principal para a abertura da Europa medieval, Tordesilhas tinha correspondido a um fecho desse projecto no domínio de dois reinos ibéricos. Se os Cátaros tinham tido apenas um apoio local, como o do Conde de Toulouse, os movimentos luteranos, protestantes, arianos, hereges, judeus ou ateus, teriam um largo registo histórico de perseguição católica, com que se precaver, mas sobretudo o apoio dos reis e príncipes descontentes com a partilha do Mundo feita em Roma. A cada remessa de ouro trazida pelos galeões espanhóis, ou a cada remessa de especiarias trazida pelas naus portuguesas, o papel desses reinos andava resumido ao da compra, ou do roubo, apoiando corsários que actuavam a seu serviço, como foi o caso do famoso Drake.

Portanto, para além de outras razões concorrentes, onde certamente se incluía o luxo da Igreja, criticado por Lutero, ou a simples questão filosófica insolente da Trinitá, criticada por Socino, ou até a simples exploração servil dos camponeses, e secundarização dos burgueses e do comércio, no regime feudal... tudo isso permitiria o crescimento em bastidores de um monstro pronto a erguer-se contra o monstro do poder instalado, simbolizado por Roma. 

Normalmente um monstro, que é uma grande organização social humana, tende a cindir-se se não tiver um inimigo identificado... porque o próprio inimigo passa a ser a fragilidade dessa ligação de conveniência. Ao cristianismo medieval foram os maometanos que fizeram o favor de se erguer para inspirar a consistência da sociedade cristã perante um poderoso inimigo invasor. Depois, aquando da ascensão e transferência do império para os Habsburgos, foi alimentado o poder otomano, que ameaçara o lado Habsburgo espanhol em Lepanto, e o lado Habsburgo austríaco em Viena. Enfraquecendo esse império, os reinos do norte da Europa, puderam vencer a crucial Guerra dos Trinta Anos, e acabar com Roma como centro de poder. Ganharam a sua consistência nessa luta contra o catolocismo, mas não o fizeram desaparecer... mantiveram a sul todos os aspectos do poder que combateram, e dessa forma não precisaram de encontrar em si, até ao Séc. XIX, novas razões de divisões. Mantendo-se este movimento maçónico nos bastidores, não sendo fonte de poder visível, e tendo ainda várias sociedades a transformar com revoluções internas, não atingiu o grau de saturação que normalmente leva às cisões e à precipitação do fim de um poder concentrado.
No Séc. XX, apareceu o primeiro foco de tensão, produto das próprias sociedades transformadas pelos ideais maçónicos. Foi nas repúblicas que surgiram os movimentos nacionalistas, fascistas, que procuraram erguer-se contra o abraço desse monstro, e muitas vezes apoiados inicialmente por vertentes internas. Assim, as guerras mundiais muito tiveram de luta contra um equilíbrio do mundo estabelecido no desenho do Séc. XIX, desequilibrado aos olhos das nações do início do Séc. XX.
Já a segunda parte do Séc. XX, na disputa entre os dois hemisférios de influência - americano e russo, foi muito mais uma guerra supervisionada pela própria super-estrutura que desenvolvera os ideais de ambas as sociedades. Quer o capitalismo, quer o marxismo, podem ser vistos como filhos de tendências internas da maçonaria (ou, na visão conspirativa do início do Séc. XX, da judiaria).

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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação dos anteriores: 5 4 3 2 1 )

Socino tirou grande vantagem da reunião de todas as seitas dos Anabaptistas, dos Unitários, e dos Trinitários que soube destramente aliciar. Ele se viu senhor de todos os estabelecimentos, que pertenciam a estes sectários; teve permissão de pregar, e de escrever sua doutrina, fez catecismosLivros, e chegaria ao fim de perverter em pouco tempo todos os Católicos da Polónia, se a Dieta de Varsóvia lhe não tivesse posto obstáculo. Com efeito nunca houve doutrina mais oposta ao dogma Católico, que a de Socino
Como os Unitários, ele rejeitava da Religião tudo o que tinha o ar de mistério; segundo ele, Jesus Cristo não era filho de Deus senão por adopção, e pelas prerrogativas que Deus lhe tinha concedido, como são: a de ser nosso Mediador, nosso Sacerdote, nosso Pontífice, ainda ele não foi mais que um puro homem. Segundo Socino e os Unitários, o Espirito Santo não é Deus; e bem longe de admitir três pessoas em Deus, Socino não queria que fosse Deus, senão uma só. 
Ele olhava como extravagâncias, o mistério da Encarnação, a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, a existência do pecado original, a necessidade de uma graça santificante. Os sacramentos, a seu ver, não eram senão umas puras ceremónias, estabelecidas para sustentar a religião do povo. 
A Tradição Apostólica, segundo ele, não era uma regra de fé, não reconhecia a autoridade da Igreja para interpretar as Escripturas Santas. Em uma palavra, a doutrina de Socino está encerrada em duzentos vinte e nove artigos, os quais todos têm por objecto destruir a doutrina de Jesus Cristo

Quando Socino morreu em 1604, a sua seita estava tão bem estabelecida na Polónia que obteve nas dietas, a liberdade de consciência. Mas experimentou revezes na Hungria, em Holanda, e na Inglaterra, onde sua doutrina foi julgada abominável, e se recusou admiti-la. Com tudo as perturbações, que sobrevieram à Inglaterra no tempo de Carlos I, e Cromwel deram ocasião aos Deistas, aos Socinianos; e a todas as sortes de hereges, de pregarem publicamente sua doutrina.
Foi isto um grande recurso para os Socinianos, que tinham perdido seu favor na Polónia, e que tiveram grande felicidade em se poderem associar aos independentes, que formavam então um grande partido em Inglaterra. A semelhança, que os princípios dos Quakers tinham com os dos Socinianos, os uniu de uma maneira particular, sem que os Episcopais, ou os Presbiterianos pudessem impedir aquela união. 
Em 1690, quando Guilherme de Nassau desceu à Inglaterra; os Socinianos se reuniram também aos Não-conformistas para conservarem sua existência debaixo do novo governo; porque é de notar que esta sociedade nunca foi sofrida em Inglaterra , senão por meio de associações; nem pôde nunca conseguir ter um ensino público, nem um culto particular: tão revoltantes têm sido sempre seus princípios! 

É fácil de compreender o porque os Pedreiros-Livres não ousaram nunca reconhecer em público sua verdadeira origem, ou professar suas máximas à face das sociedades civis. Se se tivessem mostrado descobertos, como na realidade são, nenhum Estado Católico teria podido sofrê-los em seu seio. Eis-aqui porque eles se envolvem com o véu dos mistérios, e dos símbolos, e só se dão a conhecer a homens que têm ligado a seus sistemas por meio de juramentos ímpios e horríveis, antes de lhes revelarem alguma coisa essencial da sua tenebrosa seita. 

Para os Pedreiros-Livres se darem um ar religioso, têm adoptado símbolos de uma religião figurativa, e deste modo têm procurado impor a gente de pouca reflexão. Trata-se hoje de revelar e descobrir seu grande segredo, e de os fazer conhecer por aquilo que são. Então se verá, se há ou não segredo na Franc-Maçonaria, como muitos pretendem espalhar pela parte negativa; então se verá se não é mais que uma sociedade de pessoas que se reúnem para se divertirem, ou se esta sociedade deve vir a ser universal, e o modelo de todas as que se acham autorizadas pelos governos da Europa. Eu bem sei que os nossos filósofos há muitos tempos se ocupam em dar às sociedades Moçónicas toda a perfeição, de que a Filosofia é capaz. 
Mr. de Condorcet fez hum projecto de código, composto em parte sobre os códigos ordenados em 1779 pela assembleia dos Pedreiros-Livres que seguem o sistema da Maçonaria rectificada. 
Mr. Beguillet, advogado, compôs seis discursos sobre a alta Maçonaria, para iniciar os Mações nos princípios da alta filosofia, da qual se davam lições nos mistérios de Eleusis e d'Isis
O primeiro discurso rola sobre as obras do Grande Arquitecto na criação do Universo; e o segundo sobre a harmonia das esferas, e a grande cadeia dos entes. 
Ele é um compêndio das ideias de Platão sobre a harmonia, e das dos Gnósticos, dos Valentinianos e dos primeiros hereges, que misturavam ideias religiosas com os princípios da filosofia Oriental. O terceiro discurso trata da história maçónica: nos últimos três ele se ocupa dos graus, dos símbolos, dos regulamentos, dos deveres, e dos prazeres dos Pedreiros-Livres. Em fim, o Autor do Ensaio sobre a Franc-maçonaria deu o plano, pelo qual se poderiam organizar todas as Lojas, e o julgava capaz de reunir todas as seitas de Pedreiros-Livres e fazer cessar as divisões das Lojas. 

Em 1784 é que a Franc-maçonaria Francesa tomou uma nova elevação. Até então só se tinha ocupado de emblemas, e cerimónias praticadas nos primeiros graus; ela quis enriquecer-se dos conhecimentos adquiridos e desenvolvidos nos Orientes estrangeiros. Para este efeito recorreu a Mr. Ernesto Frederico de Walters, Camarista d'El Rei de Dinamarca, grande Escocês, a quem pediu que viesse ser fundador de uma nova Loja, que se estabelecia em Paris, com o título de Loja de S. João da reunião dos estrangeiros. Nela devia empregar-se não só nos trabalhos relativos aos três primeiros graus; que são as colunas fundamentais de todo o edifício da fraternidade maçónica, mas também nos que conduzem aos conhecimentos sublimes da Maçonaria filosófica, de que a simbólica não é mais que a casca e o emblema; isto é, da irreligião prática, a que conduz a religião enigmática. 
Depois de ter desviado as vistas de seus iniciados, de toda a ideia de providência, e de divindade, a filosofia maçónica devia convidá-los a abraçarem em suas indagações a universalidade das ciências, que os verdadeiros filósofos olham como o único depósito dos conhecimentos do mundo primitivo, os quais de idade em idade têm sido transmitidos debaixo de emblemas, e de hieroglíficos, de que só os verdadeiros Mações têm a inteligência. Segundo este projecto, não se devia fazer menção alguma do estudo da Religião, porque os nossos filósofos não reconhecem Deus: não se deviam dar lições, senão de história natural de física, de química, de astronomia, e das ciências abstractas, que concordam bem com o sistema de filosofia maçónica
Deviam estabelecer-se cursos regulares de estudos maçónicos, em que cada irmão pudesse receber as instruções relativas ao seu grau, a fim de se dispor por meio destes estudos preparatórios para correr todos os graus da escala da sabedoria. Esta Loja devia corresponder-se com todas as Lojas estrangeiras, e aproveitar-se das luzes dos sábios de todas as nações. Todas as Lojas estrangeiras deveriam ter o direito de ter nela um Deputado, que tivesse a seu cuidado manter a uniformidade, e comunicar à sua Loja as luzes e os conhecimentos, que se tivessem adquirido nas Lojas de reunião. 

Aos 17 de Novembro de 1773, o Duque de Brissac foi deputado pelo Grande Oriente para visitar os trabalhos da Loja da reunião dos estrangeiros, todos os graus foram conferidos segundo as regras estrita observância, pelo venerável irmão de Walterstorff; e sobre a informação do inspector esta Loja recebeu suas Constituições no primeiro de Março de 1784. Este dia foi brilhante pelo grande número de Visitadores mações que assistiam à cerimónia, pelos discursos que nele se pronunciaram, e pelo esplêndido banquete, que terminou a Festa. 
Mr. o Duque de Gesvres, Conservador Mor da Maçonaria chegou àquela Loja, e foi introduzido e anunciado ao som de macetes com que batiam, precedendo sua marcha muitas estrelas, e formando sete irmãos a abóbada de aço, o que se pratica cruzando as pontas das espadas. 

Mr. o Duque de Rochefucault, Grão Mestre dos Oficiais d'honra do Grande Oriente de França, foi introduzido do mesmo modo, debaixo da abóbada d'aço, batendo macetes ao som de instrumentos, e no meio de aplausos. Os Irmãos deputados do Grande Oriente, portadores das Constituições, apresentaram seus poderes ao Irmão Experto, e foram depois introduzidos ao som da música, batendo macetes, e formando nove Irmãos a abóbada d'aço. O Sr. Salivet, advogado no Parlamento, Oficial do Grande Oriente, e Chefe da Deputação, estava acompanhado dos Irmãos Guyenot e Brissac. Em qualidade de Chefe, fez hum discurso sobre a origem da Franc-maçonaria, em que falou da maneira seguinte:
« Cada Século tem seus Sábios. A Índia os tem respeitado debaixo do título de Gimnosofistas, o Egipto debaixo do nome de iniciados, os Povos do Oriente debaixo do de Pedreiros-Livres, que conservam ainda entre nós. Estes Sábios, que escaparam à corrupção universal, dotados de uma alma sensível, entregues à vida contemplativa, faziam profissão de serem amigos dos homens, e inimigos dos vícios unidos à humanidade. Por toda parte se viam reunir para fazerem o bem, socorrerem o pobre, e protegerem o fraco! » 
« Sempre perseguidos pelo fanatismo, que não raciocina, e pela inveja, que envenena aquilo mesmo, que não pode conhecer, eles nunca lhes opuseram senão a constância e o desprezo. Contentes de serem úteis estimando-se assaz para não temerem nada, eles têm continuado a oferecer ao Ser Supremo um incenso digno da sua Grandeza, o tributo de um coração puro, de um espírito esclarecido, e de uma alma reconhecida. Tal é, meus Irmãos, a origem tão antiga, como gloriosa da Maçonaria. » 
Este extracto, em termo de maçonaria, se chama um pedaço d'arquitectura. Basta para dar uma ideia do delírio aos Pedreiros-Livres os quais contra a verdade da história pretendem descender da mais alta antiguidade, e pôr em voga a Religião natural com exclusão total da que Jesus Cristo nos revelou. Os Filósofos não ambicionam hoje outro titulo senão o de Mação: este se identifica com o de Clubista, e de Jacobino, debaixo do qual se encerra o do propagandista, e de inimigos dos Reis, e de Deus. 

(continua)



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