Alvor-Silves

domingo, 27 de dezembro de 2015

Redeunt Saturnia Regna

A questão da descoberta da Austrália é importante, menos pela evidência óbvia de que o território foi logo descoberto pelos portugueses, talvez até antes de aportarem a Timor, nem pelo caso de terem propositadamente descurado o espaço que levaria a disputas de marcação de anti-meridiano com Espanha, mas muito mais por todo o esforço que foi conduzido nos 250 anos seguintes para manter a ilha Australiana fora do conhecimento mundial.

Num artigo de ontem (26 de Dezembro), os espanhóis voltam ao assunto:


e o foco vai para uma figura importante do Império Britânico - Alexander Dalrymple, que é aí acusado de ter sido o principal responsável pela divulgação de documentos de navegação espanhóis, "roubados" por si de Manila, durante o período de 1762-64, quando a cidade foi ocupada pelos ingleses durante a Guerra dos Sete Anos (da qual fez parte a Guerra Fantástica em território nacional).

No artigo, que muito remete para a descoberta por Pedro Fernandes Queirós, pode ler-se
El cardenal Francis Moran denunció en 1905 el uso manipulado de la historia para justificar la discriminación de los católicos en el imperio Británico y argumentaba que fue el católico Quirós el primer europeo que descubre Australia y era injusta esa postergación.
... a referência destacada ao "uso manipulado da história" é do próprio artigo, assim como no final se lamenta da desconsideração sobre as navegações espanholas, por contraponto a portuguesas ou holandesas:
He aquí un resumen de las bases que demuestran la persistencia del prejuicio, y de que este es parte de un discurso oficial que oculta uno de los viajes más planificados y secretos de la historia. Podríamos sumar las acusaciones de alteraciones de yacimientos arqueológicos, la sustitución –por defecto– de exploraciones españolas por portuguesas u holandesas. Una guerra cultural que debe superarse.
A "guerra cultural" que deverá superar-se, é mais uma esperança vaga a que este artigo só traz uma visão parcial, a juntar às milhares de referências que se perderam sem grande eco nos tempos. No entanto, não deixou de ter algum impacto (serviu para os espanhóis mudarem imediatamente páginas da Wikipedia, p.ex. sobre Dalrymple).

Quando trazemos aqui o livro sobre a maçonaria, é porque esse é uma das face do "estado" que foi instituído a nível global, imperial, onde cada térmita maçónica se vê como obreira de um grande edifício de controlo mundial. Não é difícil perceber que Dalrymple foi uma dessas térmitas, lendo um dos seus textos de 1790:

onde cita claramente a passagem em latim Redeunt Saturnia Regna, que se encontra na quarta écloga de Virgílio, também invocada para o lema Novus Ordo Seclorum. 
Aliás, outra frase latina "Mens inimica Tyrannis", tinha sido usada pelos revolucionários americanos de Boston, e portanto denotava que Dalrymple estava mais ao serviço da Companhia das Índias inglesa (um braço comercial da maçonaria), do que ao serviço do rei britânico. Ainda que use essa expressão mais como antevisão do movimento independista que esperava ver nascer em todo o Novo Mundo, e que de facto levou à independência das posses espanholas na América no espaço de trinta anos.
Dalrymple é bastante claro no pensamento que invoca, e que serve para ilustrar o pensamento iluminista (ou illuminati) que se operou no Séc. XVIII. 
Redeunt Saturnia Regna; When Universal Commerce shall vigorate the hand of Industry, by supplying the mutual Wants, and maintaining the Common-Rights of ALL MANKIND; instead of the Lives and Property of the People being sported away; at the caprice of a Fool! or a Tyrant!
Dificilmente podemos discordar desta, ou doutras frases que Dalrymple usa no seu texto, em que ataca as pretensões do Rei Espanhol... que eram grandes:
- todas as regiões "Magalhânicas" e o Noroeste da América.

Todo o texto merece leitura, mas destacamos a filosofia que já refere um "direito dos nativos":
How far the Right of Discovery, without occupancy, can be constructed to extend over uninhabited Countries, I shall not at present enquire; but Common Sense must evince that Europeans, visiting Countries already inhabited, can acquire no right in such Countries but from the good will of the Friendly Inhabitants, or by Conquest of Those who are Agressoes in Acts of Injury; (...) the European is not sufficiently explaining his peaceable intentions, and the Native is not readily apprehending those intentions.
Claro que esta conversa era muito bonita, mas na prática a ideia era atacar espanhóis como agressores dos nativos, enquanto que os ingleses estariam cheios de boas intenções... mesmo que os nativos assim não o entendessem.  
Procurando atacar pretensões espanholas mesmo ao Sul da América, na Terra do Fogo, invoca uma reprodução de um mapa de Ptolomeu de 1508, dizendo: 
(...) and the Map of the discovered parts of the New World, in the Rome Edition of Ptolemy 1508, expressly says, The Portuguese had then traced the Coast to 50º South without reaching Its Southern Extremity; and this Book, coming into the World with License of Pope Julius II, under date 28th July 1506, must be admitted, by His Catholic Majesty, as infallible Authority (...)
Os tempos eram outros, e hoje ninguém está disposto a secundar Dalrymple, mas o que é dito, com chancela de publicação papal, é que os portugueses tinham chegado pelo menos às portas do Estreito de Magalhães (a 52º Sul), pelo menos uns 15 anos antes da viagem de Fernão de Magalhães. A intenção de Dalrymple é marcar a passagem do Cabo Horn por Drake em 1578, para eventual posse inglesa da Terra do Fogo... mas de caminho, deu mais um "Abre Los Ojos" para esta documentação papal.
Depois, é bastante engraçado a recusar a descoberta das partes americanas acima da Califórnia, dizendo que não era correctas as representações acima de 40º Norte, e que os relatos de Juan de Fuca em 1592, ou de Bartolomeu de Fonta em 1640, não tinham sido reconhecidos pelos próprios espanhóis... (um pouco consequência do estilo de haver idiotas nacionais a recusar proezas próprias, como a autoria portuguesa do Adeste Fideles). Deveriam ser pois consideradas como descobertas desdenhadas e abandonadas por Espanha.

Como nota final, todo o argumento de Dalrymple passa pela lógica de Hugo Grotius, da Lei das Nações, que faz prevalecer os acordos entre Nações, sem benção papal... porque, conforme invoca, só "nesses tempos de Ignorância" estariam os cristãos forçados a manter guerra perpétua com os maometanos... já que seria impossível haver aí "benção papal". No entanto, como sabemos, o problema era outro - o Tratado de Tordesilhas tinha benção papal, mas excluía todas os restantes Nações Europeias da partilha das descobertas.

Neste texto de Dalrymple não é falada de nenhuma pretensão espanhola sobre a Austrália (a menos que se incluísse nas "Terras Magalhânicas"), nem ele a procura rebater. No entanto, a esse propósito, voltamos a referir a obra

Being The Narrative of Portuguese and Spanish Discoveries in the Australasian Regions, between the
Years 1492-1606, with Descriptions of their Old Charts.
George Collingridge (1895)

sendo certo que não lhe dedicámos a atenção e tempo devido, deixamos aqui um mapa incluso, atribuído a Desliens (1560), que é bastante claro sobre a posição da Austrália, aliás Java Grande, e sobre a sua posse, com três bandeiras de quinas. Acresce a isso, a própria representação da Terra Nova (Canadá) ser feita com 4 bandeiras nacionais.
Mapa de Desliens (1560), onde a Austrália, chamada Java Grande, tem bandeiras portuguesas.
Acrescem 4 bandeiras na zona do Canadá, e uma possível representação da ponta da Antárctida ao sul.
Portanto, para além de simples reconhecimento da Austrália, devem ter existido cidades fortaleza, habitadas durante algum tempo pelos portugueses, e que depois foram completamente arrasadas, para encobrir definitivamente o seu rasto na História. Isso não se fez sem colaboração e acordo nacional, ao longo dos tempos... agora se serviu como moeda de troca em tratados de paz, ou se foi prática devota de fiéis mações, interessados em manter este lado obscuro, pois isso resta como incógnita.


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