Alvor-Silves

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Véus (7)

Terminarei aqui a transcrição do 1º capítulo do livro do Abade Le Franc. Duvido que tenha paciência e tempo para os restantes, pelo menos para já, e por isso este divertimento terá que ficar adiado.

Creio que a questão da desmistificação da origem da Maçonaria, reduzindo-a a um espasmo de um aproveitamento circunstancial de velhas mistificações antigas, feita no 1º capítulo, era o aspecto mais importante. Não estou convencido das razões do Abade Le Franc, que negligencia demasiadas coisas, para se concentrar apenas no movimento de Fausto Socino. Por outro lado, convém notar que se o seu discurso é muito crítico contra os mações, também se notaram sempre palavras muito elogiosas para com a franco-maçonaria em geral.

O único valor destas organizações, que se tornam em "monstros sociais", é a sua cola agregadora de obediências e vontades. Nos mitos antigos, consoante o aspecto que estes monstros tomavam, assim eram pintados como verdadeiros animais. Uma Hidra teria várias cabeças, e ainda que se cortasse uma, outra aparecia, sendo de muito difícil eliminação. Usa-se também o Polvo para ilustrar o modo de actuação da Máfia siciliana, com os seus vários braços.

O que não é assumido, ou entendido, é que estes monstros sociais existem de facto, e são formados pela nossa vontade em pertencer aos seus corpos, retirando daí vantagens individuais. Cada emprego serve ao funcionamento de uma parte do corpo, e em troca recebemos dinheiro que se tornou num sangue que flui como alimento de todas células, numa sociedade capitalista.

Ou seja, o que não foi entendido, ou não é assumido, pelos evolucionistas, é que a evolução não parou no indivíduo, tal como antes não tinha parado na célula. Um ser multicelular não perdeu individualidade, mas cada célula perdeu-a nesse projecto. Quando no caso humano, as ideias abstractas ganharam espaço de expressão, que antes não tinham, constituiram-se agrupamentos humanos que nada tinham a ver com a partilha do mesmo material genético.
A evolução reprodutiva era afinal apenas um aspecto da evolução. Seria "natural", mas consistia em agrupar espécies num projecto competitivo, onde a eternidade seria dada ao material genético sobrevivente. 
Quando se formaram sociedades humanas, de funcionamento cada vez mais complexo, onde havia cabeça mandante no poder, órgãos sociais que efectuavam funções específicas, a evolução tendeu para competição entre monstros, que pouco mais eram do que agrupamentos de indivíduos movidos por uma vontade comum, por ideias comuns, que quanto mais não fosse, reflectiam a ideia de ligação familiar enquanto povo. Essa seria sempre uma ideia forte, resultante da evolução natural, na semelhança que uma abelha se sacrifica pela colmeia, com quem partilha material genético.
Só que a grande, enorme diferença, face a abelhinhas ou formiguinhas, é que as associações humanas não se resumiram à ideia de preservar ADN. Outras ideias entraram em jogo... ideias abstractas nunca antes manifestadas noutros seres vivos conhecidos.

Quando seres humanos formam uma organização social com propósitos de justiça, equidade, partilha, verdade, etc... toda uma série de conceitos abstractos, não estão a procurar preservar nenhum material genético. No entanto, podem estar a levar a um processo de anulação da célula, com vista à formação de um monstro multicelular, se esse processo visar um mecanismo onde os indivíduos se anulariam tendo em vista a preservação da organização superior que os unia.
Tal como uma certa combinação de palavras no ADN pode dar uma genética com maior sucesso que outra, também uma certa combinação de palavras pode levar à constituição de uma associação humana com maior sucesso que outra. Basta ver que as religiões preservaram as "palavras dos profetas", quase como seu código genético identificador. Em alguma delas esperaram um messias capaz de ser a plena cabeça para aquele corpo que transportavam, ligado pela fé. E o que era a fé? A fé era a ideia de que a plena realização desse organismo seria a eternidade dos seus constituintes. A fé seria o componente agregador para além de qualquer razão, ou seja, por razão de nenhuma espécie.

Da mesma forma, a cola com mais sucesso, para unir indivíduos num corpo, é a fidelidade. A fidelidade não precisa de nenhum racional, o indivíduo apenas manifesta a sua adesão a um corpo, porque sim, porque fez uma escolha em certa altura, e dela não pode abdicar. Se a fidelidade fosse suficiente, teria havido imenso sucesso para a experimentação das ideias mais cretinas, absurdas, perversas. Isso seria o paraíso para novos organismos sociais, que colariam a si indivíduos, como colam adeptos a clubes de futebol, e à conta da fidelidade poderiam beneficiar do engenho humano para palco de maiores chacinas.
Porque convém perceber que, para um corpo social, os indivíduos são meras células, dispensáveis, face ao ideal que subscrevem. Tal como nós, quando lutamos, podemos não nos importar de ser feridos, perder sangue, carne, sem pensar nas milhares de células nossas perdidas, também um general em campo de batalha usa os seus soldados como células, sabendo que um corte das tropas é apenas uma perda de sangue, de células dispensáveis, e substituíveis. 
Assim, temos estado a dar palco para a corporização de lutas de ideias, colando por fidelidade a organismos que vivem numa dimensão superior à nossa.
E que organismos são esses? - São universos onde essas ideias seriam "vencedoras", anulando quem pensasse de forma diferente. Esses universos oferecem ao indivíduo a ilusão do protagonismo intemporal, oferecendo-lhe a lembrança eterna do seu nome... ou seja, de uma meia dúzia de caracteres. Esses universos vivem na cabeça de cada um de nós, e não são mais do que modelos errados, condenados a um fim precoce. Tal como qualquer artista na arte da sedução, oferecem a ideia contrária, arranjando adaptações de estórias da História, para mostrar alguma prevalência lógica, a quem conseguem convencer. Mas, no fundo, o indivíduo é apenas aliciado pelo desejo de protagonismo no organismo social. O indivíduo detesta ser apenas "mais um" e quer ser o "um", mas esquece que ao servir um grupo está a hipotecar a sua individualidade a um universo que não é de nenhum dos que julgam ser seus inventores e controladores.
As ideias dos profetas, dos filósofos, etc... independentemente do seu valor, chegaram-nos apenas por palavras, e só uma completa cegueira racional permitiria pensar que uma pessoa se identifica a um conjunto de caracteres. O que é certo é que a pessoa não está presente, só as palavras ficaram, e essas são de facto eternas... mas só determinariam o universo se anulássemos as pessoas que as questionam. E isso, já se sabe no que teria dado - levaria a um fim prematuro, porque o Universo (com U grande) não admite versões com censuras eternas, que levariam a uma contradição existencial.
Aliás, é especialmente caricato, e revelador, ver pessoas que, aceitando a morte como fim definitivo, continuam a ter acções em vida como se estivessem movidas por uma crença oposta. Mesmo dispensadas de qualquer presença para o seu legado futuro, após a sua morte, continuam a trabalhar em prole das suas ideias, porque é nelas que projectam o significado da sua efémera existência.

Já me alonguei, e não terei dito tudo o que haveria para dizer, porque o assunto parece mais difícil de transmitir, do que eu pensava. 
A motivação foi apenas o sustentar a posição do Abade Le Franc sobre a prevalência do aspecto individual, ainda que os monstros organizacionais gostem de incutir nas suas células a ideia de que o indivíduo é uma mera formiga no aparelho social, e que esse corpo comum é que interessa. 
Não é. A maior luta que teremos será em não sermos escravos de disputas de ideias, disfarçados de senhores da sua posse, mas sim em domesticá-las para benefício comum. Não é uma afirmação anárquica, porque toda a forma de anarquia é um mero convite à prevalência do caos, e da ausência de racionalidade. É sim uma afirmação racional, mas que não dá mais valor à racionalidade do que ser a nossa capacidade de entendimento temporária, dadas as circunstâncias.

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O Véu Levantado ou o Maçonismo Desmascarado

CAPÍTULO I 
Origem da Franc-Maçonaria

(continuação dos textos anteriores: 6 5 4 3 2 1 )

Em 1784 ninguém ousava ainda declarar-se abertamente contra a Realeza, nem contra a Divindade. Contentaram-se então de se envolver em um véu misterioso; e de se cobrir com a capa dos sábios antigos, e de afectar quererem renovar os benefícios de que tinham enchido o género humano. Se dermos ouvidos e atenção a nossos filósofos mações, iríamos ver entre eles Tot, Mercúrio, Hermes, Platão, Pitágoras, e tudo o melhor que tinha produzido a Antiguidade: eles se julgavam capazes de fazerem reviver a doutrina de Zoroastro, a beneficência do imperador Tito, a sabedoria de Platão, os mistérios dos Magos, e a ciência da Natureza tal como a possuíam os Filósofos da Grécia. É de notar que nos projectos dos filósofos mações nunca se trata de ensinar aos homens, que sejam mais religiosos para com a Divindade, mais piedosos para com os pais, mais respeitosos para com os príncipes, mais ligados à sua pátria, mais zelosos pelas virtudes morais, civis, e Cristãs. É fácil julgar por seus princípios, que eles nunca chegarão a fazer os homens melhores do que são. 
Depois do discurso de Mr. Salinet, o irmão Walterstorff tomou a palavra, e voltou a atenção de seu auditório, cujo governo ele caracterizou. 
« Há, diz ele, um objecto, que ao principio me tinha seduzido por sua utilidade, a saber, a policia interior de uma Loja, ou, se assim me posso exprimir, a melhor forma de governo em nossas pequenas Repúblicas, que todas juntamente formam o imenso império da Maçonaria. »
Esta confissão explica a razão porque nossos filósofos mações fazem tantos esforços para estabelecerem em toda a parte seu regime republicano, a fim de que todas as províncias formem partes do grande todo, cujas dimensões eles tem traçado. 

Pedro Deniz, Abade-Prior de Talizieux, Mestre Mação, falou depois do patriotismo dos Pedreiros-Livres, de seus ilustres protectores, o Rei de Prússia, o de Suécia, e muitos Príncipes estrangeiros, ou nacionais [franceses]; dos estabelecimentos, que têm feito em diversos lugares, para consolarem os órfãos, e os velhos; mas todos eles têm feito mais do que fez por si só Vicente de Paulo, que povoou a Europa de religiosas da caridade, as quais administram em todos os lugares os socorros, que seu zelo e caridade as põe ao alcance de distribuírem a todas as classes de infelizes? 
A beneficência maçónica igualou jamais a industriosa actividade destas heróicas religiosas, que sabem multiplicar-se, para se fazerem úteis a todos? A beneficência entre elas é tanto uma precisão como um dever; e é superior a todos os elogios. Os trabalhos maçónicos não acrescentam pois nada aos estabelecimentos que a caridade cristã tinha fundado; se os tivessem mantido no estado em que estavam, os pobres não seriam obrigados a espalharem-se ao longo das ruas da Capital, para enternecerem as almas sensíveis sobre a sua sorte, enquanto os Mações delapidam os bens que eram consagrados para aqueles miseráveis. 

João Luiz Miguel Basset, advogado e Mestre Mação, fez depois um discurso mui longo sobre as vantagens da Maçonaria, todo cheio unicamente de lugares comuns. Depois dele o Sr. Beguillet, Secretário Geral, se cingiu a provar, em um discurso composto de três pontos, que a Franc-Maçonaria incluía a Filadelfia, ou o amor dos irmãos; a Filantropia, ou o amor dos homens; e a Filosofia, ou o amor da sabedoria; e que o seu fim geral era reunir todos os homens para formarem huma só família , cujos indivíduos se olhassem entre si como iguais, e filhos da mesma mãe, unidos pelo mesmos laços. Desta ideia é que dimana a divisão igual de todos os bens entre todos os homens, a abolição de todos os títulos, de todas as honras, e de todas as distinções, que a consanguinidade não dá direito de terem partilha. A filantropia nasce naturalmente da fraternidade; mas os filósofos mações acrescentam à sua moral, que não há virtudes na Terra, senão aquelas que são úteis aos humanos, e põe fora da Ordem a virtude dos solitários, que imitam, quanto está da sua parte, a pobreza, a humildade, e a mortificação de Jesus Cristo, e que se exercitam em agradar a Deus por meio de seus actos de fé, de caridade, e de esperança, e pela frequência dos Sacramentos; porque estas virtudes não fazem parte da filantropia; como se os que honram a Deus e o servem, não merecessem por isso conseguir dele os bens da vida presente, e futura. Mas os Pedreiros-Livres filósofos não crêem em Deus, nem em Jesus Cristo, seu Filho, nem na vida eterna , que ele nos tem prometido. Todas as suas esperanças se limitam à vida presente, em cujo circulo bem quereriam eles que nós encerrássemos todos os nossos desejos. Eis-aqui em última análise o compêndio da Franc-maçonaria. Ela começou com Socino, aumentou-se com a falange dos filósofos, e dos deístas, ou ateus, e trabalha em reunir todos os homens na crença de seus falsos princípios. 

(fim do Capítulo I)

Capítulos seguintes:
II - Das Lojas Maçónicas e seu Regimento (pag. 62)
III - O que a Assembleia Nacional de França deve à Franc-Maçonaria (pág. 74)
IV - A Sociedade dos pedreiros-livres tem mudado os costumes em França (pág. 89)
V - A iniciação na Franc-maçonaria é uma abjuração da Fé Cristã (pág. 100)
VI - A Franc-maçonaria quer restabelecer a religião natural (pág. 116)
VII - Os Pedreiros-Livres querem abolir a hierarquia Eclesiástica na Igreja Católica (pág. 156)
VIII - A Franc-maçonaria quer destruir o Trono, assim como tem destruído o Altar. (pág. 200)

Apêndice - Constituição da Maçonaria em Portugal (pág. 215)
Cap.1 - Do Grande Oriente Lusitano
Cap.2 - Da divisão de poderes do G.O.L.
Cap.3 - Das qualificações necessárias aos Oficiais e membros do GOL.
Cap.4 - Da eleição dos Oficiais e Membros do GOL
Cap.5 - Do tempo que há de dura, de cada legislatura
Cap.6 - Do tempo em que se hão de fazer as eleições para Oficiais e Membros do GOL
Cap.7 - Da sucessão dos Oficiais do GOL, nos seus impedimentos interinos
Cap.8 - Das insíginias dos Oficiais e Membros do GOL
Cap.9 - Das honras devidas aos Oficiais e Membros do GOL
Cap.10 - Dos fundos do GOL, sua aplicação e guarda
Cap.11 - Das deliberações do GOL e suas câmaras
Cap.12 - Das Lojas da Correspondência do GOL
Cap.13 - Da organização dos Capítulos
Cap.14 - Das Grandes Lojas Provinciais


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