Alvor-Silves

sexta-feira, 4 de julho de 2014

In hoc signo vincis

Em 1546, dá-se o Segundo Cerco de Diu, quando era vice-rei D. João de Castro, e estava como governador da cidade, João de Mascarenhas. 
Jerónimo Corte Real, contemporâneo de Camões, vai escrever um épico a propósito deste cerco, assim como também irá decorar o texto com gravuras suas.
In hoc signo vinces  (por este sinal vencemos) 
Sucesso do 2º Cerco de Diu, 

Um dos factos mais interessantes deste cerco foi o papel guerreiro de um batalhão de mulheres, lideradas por Isabel Madeira. No Séc. XIX, encontrámos uma breve descrição do seu papel:
 Por este motivo se formou uma grande Companhia de Mulheres, para que unido um e outro esforço, masculino e feminino, pudesse mais fortemente resistir à fúria dos inimigos. Entre aquelas ficaram em memória os nomes de Grácia Rodrigues, Isabel Dias, Catharina Lopes, e Isabel Fernandes, governando a todas como Capitão Isabel Madeira. Estas, de tal sorte se houveram neste memorável cerco, que não só acudiam aos reparos dos muros e baluartes, senão que, ajudando aos mesmos Soldados, a elas se deveu o não ser rendida aquela Fortaleza. 
No referido cerco de Diu, deu uma mui distinta prova do seu valor Catharina Lopes. Foi o caso, que querendo ela rechaçar o orgulho de um combatente inimigo, que se tinha avançado aos muros, caiu deles abaixo juntamente com o Soldado. Quis este fartar a sua ira, empregando todas as suas forças para suprimir as da valorosa Matrona. Esta porém, depondo a fraqueza natural, se revestiu de um tão varonil espírito, que vindo com ele à luta, o derrubou em terra, e não tendo arma alguma com que o ferir, se valeu das que o próprio furor lhe ministrava (porque como lá disse um Poeta: Furor arma ministrat. Virgil.) E assim metendo-lhe os dedos nos olhos, lhos arrancou; e depois socorrida dos seus escapou à raiva dos inimigos, que já com mão alçada corriam a vingar o insulto cometido.   "Heroínas Portuguesas". O Recreio (jornal das famílias) nº8, 1842. 
Voltando ao texto épico de Jerónimo Corte Real, o assunto é colocado de forma algo simples...
Diu era uma fortaleza com pouco mais que um milhar de habitantes, e segundo as suas contas, a totalidade dos portugueses na Índia seria pouco superior a 5 milhares de indivíduos.

Frontispício do Sucesso do Segundo Cerco de Diu

Portanto, estas fortalezas em solo alheio, eram vistas como uma afronta aos poderes locais, desde os antigos marajás, xás, ou os cãs mógois. Acrescia a isso a presença de europeus doutras nações, colocados no conselho dos regentes locais. 

Neste caso, entra um renegado italiano, chamado Coge Çofar (ou Coge Sofar, Cogeçofar)... que teve direito a nome num prato de lulas (a gastronomia portuguesa guarda muita memória). A questão basicamente começa com a tentativa do Sultão de Gujarate, Mamude, de vingar a memória do avô, Bahadur, derrotado e morto em Diu. 
Diu tinha sido cedida pelo próprio Bahadur, dada a ajuda militar fornecida pelo vice-rei, Nuno da Cunha (filho de Tristão da Cunha), em 1535, pela ajuda em batalha contra o imperador Mogul de Deli.
Só que Bahadur arrependeu-se da oferta, e quis recuperar Diu... foi nessa tentativa que foi morto, e sucedeu-lhe o neto. Em 1538 Coge Çofar, senhor em Cambaia, tinha já convocado os turcos de Solimão Pachá (Suleiman Pasha) para um primeiro cerco, repelido por António Silveira.

Logo na altura do primeiro cerco de Diu, uma mulher tinha merecido destaque, da mesma revista:
Barbara Fernandes ostentou no cerco de Diu o maior valor, pois recebendo em seus braços a um filho morto, nem uma só lágrima derramou, mostrando a mesma, ou maior constância com a noticia da morte de outro, que também morrera no conflito. E enterrando a ambos, disse para os circunstantes: Não resta mais que morrer a mãe; e dito isto tomou armas, e com elas foi ajudar os combatentes, militando com tal distinção, que, a seu exemplo, os mesmos covardes obravam proezas singularíssimas. Vendo a necessidade que havia de Soldados, formou um luzido esquadrão de mulheres, com as quais fez acções tão ilustres, que nelas poucos a imitaram, nenhum a excedeu.
Sobre o primeiro cerco de Diu, defendido por António Silveira, há um livro

Em 1546, volta a ser Coge Çofar, com o sultão Mamude, o neto de Bahadur, que vai convocar diversas nações locais para o segundo cerco de Diu.

Para além de um extenso texto em verso heróico, Jerónimo Corte Real acrescenta 8 interessantes desenhos, que quase são uma primitiva tentativa ilustrativa do texto, conforme podemos ver de seguida:



Os primeiros desenhos ilustram:
Canto 1: Que trata de uma visão que el Rey de Cambaya viu em sonhos, e de como determina cercar a Fortaleza de Diu.  
Canto 2: Que trata de como Cogeçofar com grande diligência e cuidado ordenava um poderoso exército, e de como mandou um capitão Rume, para que secretamente impedisse os mantimentos na fortaleza, até que ele chegasse. (p.17)


Canto 3: Como o capitão João Mascarenhas mandou espias que lhe trouxeram certa nova do cerco, e de como se começou aperceber com muita pressa. (p.33)
Canto 4: Que trata da fala que o capitão João Mascarenhas fez aos capitães das estâncias e de como mandou queimar uma grande nau em que Cogeçofar tinha inventado um subtil e danoso ardil. (p.45)

Canto 5: Que trata de como chegou D. Fernando de Castro (filho do vice-rei D. João de Castro) com nove navios em socorro da fortaleeza, e de como Cogeçofar se vinha chegando aos muros para dar bateria. (p.55)
Canto 6: Como os inimigos batiam a fortaleza, e de como el Rey de Cambaya espantado de um tiro se foi da cidade, deixando Iuzarcão Abexim que governasse a gente que com ele viera. 


Canto 7: Que trata como os mouros continuavam sua obra com grande diligência para entulhar a cova, e os da fortaleza secretamente lhes furtavam o entulho, na qual obra morreu António Freire, alcaide mor da fortaleza. (p.79)



À esquerda - o corpo morto de Coge Çofar. À direita - "in hoc signo vincis".

Dispara a fortaleza um grosso tiro ; Estreme a terra, os ares bramam ; Cobrem-se de fumosa, e negra nuvem
O furioso pelouro sai envolto ; Em fogo repentino, e vai direito ; Guiado ali por Deus, num ponto leva 
A soberba cabeça, astuta e grave; Do grã Cogeçofar, que governava ; Todo este belicoso campo; 
O destroncado corpo ali se estende.        (pag. 83 - BNP)

Canto 8: Como Simão Feo foi com recado ao capitão mor, e da resposta que o capitão lhe deu. Trata também do primeiro combate e do sucesso dele. (p.90)
Canto 9: Que trata do segundo combate que os mouros deram na fortaleza, e de como a entraram, e foi tornada a cobrar por D. João Mascarenhas. Trata também da morte de Iuzarcão Abexim. (p.101)
Canto 10: Terceiro e quarto combate que os mouros deram e de como alevantaram a sua artilharia da frontaria da fortaleza (p. 127).
Canto 11: Quinto combate que os mouros deram na fortaleza, onde pela falsa informação de um Gujarate, os portugueses receberam grande dano. (p.153)
Canto 12: Como os mouros minavam a Torre de Santiago, e como chegaram à fortaleza Antonio Moniz, Garcia Rodrigues de Távora, apartados da armada de D. Álvaro de Castro, filho mais velho do vice-rei (D. João de Castro).
Canto 13: Como chegaram à  fortaleza Luis de Melo de Mendonça, e D. Duarte de Meneses, filho do Conde da Feira, e D. Jorge de Meneses com alguns fidalgos. (p.191)
Canto 14: Como foi levado recado ao vice-rei do decurso do cerco, e do estado em que estava a fortaleza. Trata ainda de morte de Nuno Pereira. (p.239)
Canto 15: Como o Vice-rei partiu de Goa, levando grossa armada em socorro da fortaleza. 
Canto 16: Como D. Manuel de Lima tornou a Costa da Cambaya por mandado do vice-rei. Trata também da chegado do Vice-rei a Diu.
Canto 17: Como o Vice-rei entregou a dianteira a D. João Mascarenhas, e de como se apresentaram aos inimigos.
Canto 18: Que trata da gloriosa vitória que o Vice-Rei D. João de Casto teve dos capitães do Grande Sultão Mamude, ajudados dos turcos. (p.338)
Canto 19: Como D. Manuel de Lima, por mandado do Vice-rei foi buscar duas naus del Rey de Cambaya, e não as achando entrou outra vez na Enseada de Cambaya, onde destruiu a cidade de Goga.
Canto 20: Como D. Manuel de Lima, atravessou a Enseada de Cambaya com grande trabalho e risco, queimando e destruindo a cidade de Gandar. (p.380)
Canto 21: No qual prossegue o Merecimento na demonstração dos feitos da Índia, mostra-lhe em profecia o nascimento do invictissimo Rey D. Sebastião, declara-lhe algumas coisas que ainda estão por vir. Trata-se nele também da chegada do Vice-rei a Goa e da vinda de D. João Mascarenhas a Portugal. (p-436)








2 comentários:

  1. Re: “Jerónimo Corte Real, contemporâneo de Camões, vai escrever um épico a propósito deste cerco, assim como também irá decorar o texto com gravuras suas.”

    A desgraça dos portugueses não foi em Alcácer-Quibir mas no que despenderem na maldita Índia, para construírem centenas de igrejas para NADA!

    Pasmado com a qualidade das ilustrações (3D perspectiva, equilíbrio da cor, proporção das formas) duvido que sejam autoria do Corte Real, os portugueses sempre foram “toscos” em artes, por isso encomendavam e compravam aos holandeses óleos iluminuras azulejos tapeçarias etc. Do que se vê português nos museus é tosco e desproporcionado. Já os romanos faziam elogios às mulheres lusitanas que “iam à guerra com os homens e cortavam tantas ou mais cabeças de legionários que os lusitanos”, 17 anos e sete generais romanos até à capitulação proeza não seria possível sem à mulher guerreira lusitana.
    Gostei de ler o seu In hoc signo vincis.

    Cumprimentos,
    José Manuel CH-GE

    P. S.
    E as mulheres da nossa era dos “descobrimentos” que embarcavam nas caravelas e naus disfarçadas de homens, apesar de proibido, certo com outros intuitos que fazer a guerra... mas estavam presentes, isto de portuguesas especialistas da falcata lusitana na guerra deve vir da parte celta portuguesa, pois que eu saiba só os alemães se faziam acompanhar em parte pelas mulheres na primeira mundial dá 100 anos, dava um belo estudo o papel da mulher nas grandes guerras desta louca raça humana.

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    1. Creio que são mesmo de Jerónimo Corte Real... ele afirma-o, quase em forma de dizer que se a qualidade dos versos não era boa, ao menos que valessem os desenhos. Este tipo de desenhos estaria ao alcance de alguém não versado em pintura, mas com algum jeito para desenho... é possível ver ilustrações deste género em adolescentes, mesmo sem educação nas artes.

      Quanto ao papel das mulheres lusitanas, estamos de acordo... com toda a ligação sobre esse assunto que podemos fazer à outra parte da conversa que aqui tivémos sobre as sociedades matriarcais.

      Abraço.

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