Alvor-Silves

segunda-feira, 7 de julho de 2014

As estórias e a História dos vencedores

É habitual ver escrita uma frase batida, atribuída a Orwell:

A citação completa é esta, foi escrita no final da 2ª Guerra, e vale a pena ser lida na íntegra...
During part of 1941 and 1942, when the Luftwaffe was busy in Russia, the German radio regaled its home audience with stories of devastating air raids on London.  Now, we are aware that those raids did not happen.  But what use would our knowledge be if the Germans conquered Britain?  For the purpose of a future historian, did those raids happen, or didn't they?  The answer is:  If Hitler survives, they happened, and if he falls they didn't happen.  So with innumerable other events of the past ten or twenty years.  Is the Protocols of the Elders of Zion a genuine document?  Did Trotsky plot with the Nazis? How many German aeroplanes were shot down in the Battle of Britain?  Does Europe welcome the New Order?  In no case do you get one answer which is universally accepted because it is true: in each case you get a number of totally incompatible answers, one of which is finally adopted as the result of a physical struggle.  History is written by the winners. (...)
The really frightening thing about totalitarianism is not that it commits 'atrocities' but that it attacks the concept of objective truth; it claims to control the past as well as the future. 

Avanço dos tanques alemães para recuperar na batalha de Kursk, em Junho de 1943. 
A partir desta derrota, a Alemanha não pararia o avanço russo na frente oriental.  

Como citação é curiosa a sua atribuição a George Orwell, não havendo dúvida que a tenha escrito em 1944, numa altura em que os Aliados já se estariam a preparar para a sua história, com as vitórias decisivas do exército soviético, primeiro um ano antes, em Fevereiro de 1943, em Stalinegrado, e depois em Julho ao deter nova tentativa em Kursk.

Seria daquelas frases que se diria atribuída a algum pensador da antiguidade, a Cícero, a Sun Tzu, enfim... ninguém esperaria termos que esperar até ao Séc. XX para ver isto escrito. Temos um registo proverbial 
"dos fracos não reza a história" (ver p.ex. Brava Dança dos Heróis)
.. mas não é exactamente o mesmo.

Bom, isto vem a propósito de um comentário da Amélia Saavedra, a que respondi muito laconicamente com o outro lado: "a História será escrita pelos vencedores".

Ou seja, é claro que os vencedores ocasionais vão escrevendo "estórias"... a seu belo prazer, consoante os equilíbrios e os tratados que vincularam vencedores e vencidos. 
No entanto, há outro ponto... a verdadeira História essa só poderá ser contada pelos vencedores finais.
Os vencedores ocasionais precisam da ilusão, porque é necessária ao seu poder.

Assim, uma boa medida para ver a fragilidade de um poder é ver até que ponto ele se baseia nas mentiras e contradições mais disparatadas. A menos que consideremos que é natural uma sociedade humana permanecer indefinidamente envolta em ilusionismos, ou seja, algo dopada com artes circenses, ou senão, haverá sempre um ponto de ruptura em que essas mentiras têm que cair.

O único fiel desta balança é averiguar da consistência do discurso. Se é um discurso que procura ser honesto e verdadeiro, ou se é um manta de retalhos, mal justificada, onde as contradições podem existir porque houve tratados de paz que assim o impuseram... apenas porque os vencedores preferiam uma estória à História.
Enquanto verificarmos que os vencedores actuais insistem em manter-se no caminho das "estórias", então é porque estes não parecem ser os vencedores que vão escrever a História.
Porque, vencedores há muitos, mas História sem contradições, só haverá uma.

7 comentários:

  1. E mais... tendo em conta o actual panorama politico e económico, estamos prestes a vivenciar a uma nova (re)contagem da estória...
    As placas "tectónicas" estão a movimentar-se em diversos pontos do mundo... e quando tal acontece, muitas estruturas desabam... vai ser (e já está a ser) tremendamente doloroso...

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    1. Pois, até que apareça o desvelar vai ainda aparecer a fase do revelar... ou seja, velar de novo, inventar estórias com o pretexto de que se está a descobrir a história.
      No velar se faz o novelo... que está cheio de nós górdios, ou "nós gordos".

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  2. Mudei a figura ilustrativa do dia 4/2/44, porque o site que a tinha a bloqueou.
    Fica até melhor a foto relativa a Kursk, pois foi isso que definiu o declínio alemão.

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  3. BRICS versus FMI/USA
    Os USA em declínio vão provocar a 3 guerra mundial? Acredito que sim.

    Cumprimentos,
    José Manuel CH-GE

    A queda do império
    O problema é que estes processos de transição hegemónica não costumam ser nada bonitos de se ver. A anterior envolveu duas guerras mundiais num período de 30 anos. Como será a próxima?
    Ler mais: http://expresso.sapo.pt/a-queda-do-imperio=f882640#ixzz38IXj3edi

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    1. Convém não esquecer que os BRICS estão a ser vistos por todos os sistemas de informação dos EUA, e por isso há um olho que vê o que os outros fazem.
      A única questão é saber se o outro olho que vê o conjunto dos dois, está interessado ou não nalguma mudança... e em qual. Por isso, as margens de manobra são apertadas e condicionadas.

      Mais do que outra coisa, creio que há uma estagnação latente nos últimos anos, e uma boa medida do impasse é dada pelos qualificativos usados onde qualquer perturbação é vista como uma enorme perturbação.

      Numa sociedade sem doenças graves, uma doença grave é um drama.
      Numa sociedade sem assassinatos, um assassínio seria dramatizado como uma catástrofe.
      Etc...
      A ordem qualifica sempre as perturbações como caóticas.

      Por exemplo, a perda de vidas nos incidentes de avião é dramatizada em grande escala.
      Enquanto a perda de vidas nos sucessivos conflitos israelo-palestinianos, sírio, etc... é encarada como perdas de vidas expectáveis num conflito.

      Assim, uma medida pelo caos é ver até que ponto esse caos pretende ser usado para despoletar ou não conflitos piores.

      Repare, tivemos 3 desaparecimentos de aviões reportados.
      - um deles, o MH 370, foi visto como um problema sem culpa assacada.
      - outro, o MH 17, está a perturbar uma relação tensa entre Rússia e Ocidente.
      - o novo, o AH 5017, mesmo que seja ligado aos rebeldes do Mali, não parece trazer instabilidade mundial.

      O que concluímos daqui?
      Que o maior foco de tensão mundial está localizado nas incertezas ocidentais sobre a Rússia.
      É isso pretexto para uma escalada conflituosa?
      Não creio, parecem mais berros de quem não quer ficar calado, mas não quer confronto.
      Já houve confrontos que começaram com piores pretextos... basta ver o nexo inventado entre 9/11 e o Iraque.

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  4. Re: “qualquer perturbação é vista como uma enorme perturbação”

    Evidentemente, pois nenhuma potencia atómica a quer usar. Fazem as suas guerras por interposto, provocações feitas aos soviético pelos USA depois da queda da URSS não têm conta, mas mais frios inteligente calculistas que os USA oportunistas, herança britânica, a haver conflito directo será com a China os únicos com população suficiente a sobreviverem, é a minha opinião, mas é claro que o aparecimento da UE e sua expansão napoleónica às portas da Rússia vem baralhar as cartas e desequilibrar essa “inércia perturbativa intencional” do clube atómico.

    Concordo com o fundo do artigo A queda do império do Alexandre Abreu no Expresso
    http://expresso.sapo.pt/a-queda-do-imperio=f882640#ixzz38IXj3edi

    Infelizmente, e é sabido que “O problema é que estes processos de transição hegemónica não costumam ser nada bonitos de se ver. A anterior envolveu duas guerras mundiais num período de 30 anos. Como será a próxima?”

    Quando e como? Não se sabe mas que vai acontecer ninguém tem dúvidas no campo dos militares, o resto das pessoas não querem ver a realidade, preferem não serem perturbadas...

    Os textos mais antigos da humanidade relatam como foi, pode-se extrapolar para ver como vai ser, pois a história repete-se.

    Cumprimentos,
    José Manuel CH-GE

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    1. Tem razão, a transição hegemónica é problemática, por razão do medo dos outros.
      Quem domina, acha que a história foi escrita para acabar com o seu domínio... só que como o tempo não termina, isso nunca é mais que uma ilusão temporária.
      Quem não domina, habituou-se a lidar com a impotência, e confia no bom juízo alheio... porque não tem outra forma, devido à sua impotência.

      Tudo isso é puro medo, provavelmente justificado com a história passada.
      Porém, é mais ou menos claro que o Caos que deu a potência a uns, pode perfeitamente tirá-la de um momento para o outro, e passá-la para outros.

      A potência sobre os outros é assim algo instável e transitório, por muito tempo que dure.
      Ao contrário a impotência sobre os outros, é uma constante e a única fonte de equilíbrio.
      Até que o pessoal perceba que nunca irá conseguir controlar o Caos inerente, irão haver tentativas de uns se substituirem aos outros no comando... alinhando na ilusão de controlo de Caos.
      Esquecendo que se tal coisa fosse desejável, tudo seria previsível, nada seria imprevisível, e esse universo seria uma maquinazita trivial e incompleta. Um universo previsível seria um reino de máquinas ou maquinações, onde não restaria uma centelha de imprevisibilidade.

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