Alvor-Silves

domingo, 24 de julho de 2011

Declinação magnética e longitude

Já foi aqui colocada várias vezes a questão da longitude, mas faltará referir a forma que provavelmente seria mais usada - declinação magnética. Pensei em fazê-lo depois de ler o Tratado da Agulha de Marear, incluso no Tratado de Marinharia, mas a caligrafia não é das mais atractivas e compreensíveis... e por outro lado, tendo sido transcrito por Luís de Albuquerque, mereceu atenção recente por um especialista, não sendo necessária outra contribuição. 
Posso abordar a questão doutra forma.
Como o pólo norte e o pólo norte magnético são diferentes, é possível cruzar dados para ter uma noção da longitude.
Segundo Manuel de Figueiredo (Chronographia e repetório dos tempos, 1603, pág. 134), os marinheiros mais experimentados para além de saberem que as agulhas de marear "não atiravam direito ao verdadeiro pólo", diziam que se fixava em 8 partes do globo, uma das quais os Açores. Diz ainda que em Portugal tomavam 7º25' como declinação. Dá ainda a entender que esta diferença de norte estaria compreendida no tamanho da flor-de-lis que na rosa-de-ventos indicava o norte.
Como vemos, se não houvesse declinação nos Açores e havendo 7º em Portugal, entre os dois pontos seria marcada uma diferença contínua que permitiria avaliar a proximidade de um ou do outro ponto, não apenas em termos de latitude, mas assim também em termos de longitude. 
Seria isso que se usaria nas viagens regulares entre Portugal e os Açores, ou outras?
- Aqui o grande problema seria a estabilização da agulha em alto mar... no entanto, poderia ser usado.

Convém notar que o pólo norte magnético varia consideravelmente, sendo reportada a mudança de 1100 Km durante o Séc. XX, para além de variações diárias num órbita elíptica de 80 Km (ver wikipedia).
Ou seja, os valores reportados no Séc. XV estariam desactualizados nos Séc. XVI ou posteriores, e isso talvez justifique algumas consideráveis mudanças nos mapas que fossem assim construídos.
Mais, as agulhas também não apontam exactamente para o pólo norte magnético... complicando bastante as coisas!
Ou seja, a variação da declinação com a posição está longe de ser uma função simples, depende razoavelmente do local, como se pode ver num mapa de dados no ano 2000:


Para além dos Açores, Manuel de Figueiredo dá mais dois pontos de declinação zero (a 45º a noroeste e nordeste dessas ilhas), tornando claro que estavam cientes da complexidade das linhas. Dá-nos uma pista histórica para a localização das linhas no Séc. XVI, com 3 pontos para uma linha de declinação zero.
Qualquer mapa formado com base nas declinações magnéticas teria as deformações decorrentes da complexidade destas linhas, o que justificaria algumas formas mais estranhas nos mapas (mas não todas... algumas foram propositadas, como já sabemos).

Quanto à razão desta diferença magnética, diz Manuel de Figueiredo:
Ainda até agora se não deu na causa porque esta pedra de sevar não atira direita ao pólo do mundo, e nem por que atira para o norte, muitos dão muitas razões, mas nenhuma delas acerta(...)
Apesar da justificação com o núcleo ferro-magnético da Terra, a situação está longe de ser muito diferente da reportada por Figueiredo. Duvido que haja algum bom modelo capaz de prever a variação das linhas para saber onde estarão em 2050... onde há que ter em conta as anomalias.
Apesar de se pretender um grande conhecimento, o que se conhece do interior da Terra é tão pouco, ou menor, do que se conhece do espaço exterior. Pelo conhecimento da nossa crosta, pretendemos saber tudo... o que tem algo de simbólico, já que o egocentrismo e comunocentrismo (egocentrismo de uma comunidade) tem esta capacidade de, pela crosta, almejar conhecer o infinito e mais além...


Hiparco e longitudes
Acerca de latitudes e longitudes, Estrabo cita Hiparco (Livro 1, Cap.1):
`(...) For instance, no one could tell whether Alexandria in Egypt were north or south of Babylon, nor yet the intervening distance, without observing the latitudes. Again, the only means we possess of becoming acquainted with the longitudes of different places is afforded by the eclipses of the sun and moon.’ Such are the very words of Hipparchus.
Portanto, quando colocámos aqui a questão das medições de longitude, torna-se claro que elas se reportavam à Antiguidade, usando o método de eclipses que encontrámos descrito por Carvalho da Costa, e Manuel de Figueiredo. Este conhecimento nunca terá deixado de estar presente.

Como já dissémos, Estrabo tem muita informação, e aproveitamos para colocar mais algumas:
(1) Estrabo fala da circumnavegação da África por Menelau:
At the same time the idea of this circumnavigation, which owes its origin to Crates, is not necessary; we do not mean it was impossible, (for the wanderings of Ulysses are not impossible)
(2) Estrabo fala da "ideia de Colombo" de atingir a Índia:
So that if the extent of the Atlantic Ocean were not an obstacle, we might easily pass by sea from Iberia to India, still keeping in the same parallel; the remaining portion of which parallel, measured as above in stadia, occupies more than a third of the whole circle
 (3) Estrabo fala das tentativas de circumnavegação da Terra:
Nor is it likely that the Atlantic Ocean is divided into two seas by narrow isthmuses so placed as to prevent circumnavigation: how much more probable that it is confluent and uninterrupted! Those who have returned from an attempt to circumnavigate the earth, do not say they have been prevented from continuing their voyage by any opposing continent, for the sea remained perfectly open, but through want of resolution, and the scarcity of provision. 
(4) Estrabo fala sobre o que era conhecido:
For in the east the land occupied by the Indians, and in the west by the Iberians and Maurusians, is wholly encompassed [by water], and so is the greater part on the south and north. And as to what remains as yet unexplored by us, because navigators, sailing from opposite points, have not hitherto fallen in with each other, it is not much, as any one may see who will compare the distances between those places with which we are already acquainted.
O pouco que faltava para se encontrarem os que partiam da India e da Iberia/Mauritânia, poderia ser um pequeno istmo que impedia a circumnavegação, faltava a América central... faltava a resolução, faltavam as provisões... ou antes, faltava a licença de mencionar a Merica?

Sem comentários:

Enviar um comentário