Alvor-Silves

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Austrália, Gomes de Sequeira, 1525

Na expedição de 1525, Gomes de Sequeira, terá pelo menos visitado a parte norte da Austrália.

Em 1855, ainda se usava o nome "Nova Holanda" para a Austrália, que ainda não tinha sido colonizada pelos ingleses. Nesse ano, David Gonçalves de Azevedo, escreve uma obra:

Epithome historico de Portugal

que é praticamente um exaustivo resumo de datas históricas, e pelo meio, como se não tratasse de nada polémico, lista o seguinte: 

  • 1525 - Neste ano foi descoberta pelos portugueses a grande terra que depois se chamou Nova Holanda.

Não dá referências, não faz nenhum comentário... diz apenas isto como se fosse a coisa mais natural do mundo. Passados 6 anos, Henry Major vai apresentar a teoria da descoberta da Austrália por Godinho de Erédia.


A data de 1525 é consistente com a data da exploração que foi dada a Gomes de Sequeira, e apesar de David Azevedo não o mencionar, certamente que se quer referir a essa exploração oficial.

Antecipando o que diz António Galvão, ele refere-se à expedição de Gomes de Sequeira em 1525:

Neste anno de 525, estando D. Jorge de Menezes capitão de Maluco, ele, e D. Garcia Henriques mandaram uma fusta descobrir contra o Norte, ia por capitão dela Diogo da Rocha, e piloto Gomes de Sequeira, que depois andou por piloto na carreira da India; em nove ou dez graus de altura, acharam umas ilhas juntas, andaram por entre elas: puseram-lhe nome as Ilhas de Gomes de Sequeira por ser o primeiro piloto que as descobriu, donde se tornaram à fortaleza, por derredor da Ilha da Batachina do Moro.

Objectivamente, Galvão não indicia a descoberta de nenhuma "grande terra" pela expedição de Sequeira, e se David Azevedo apenas tirou a conclusão por esta referência, seria uma conclusão precipitada, sem nenhuma base de sustentação. Parece-nos que, como o próprio David Azevedo diz, se baseava em "doutos historiadores":

O que ahi se vai ler nessas poucas páginas, já doutos historiadores com elegancia copiosamente escreveram, e sonorosas lyras divinamente cantaram. Não é assumpto novo, por que a historia não se inventa : narra-se com mais ou menos palavras ; e nós não fizemos mais do que recompilar dos authores de melhor nota, e expôr os factos pela sua ordem chronologica ; no que julgamos ter feito algum serviço, não às letras, mas sim aos nossos compatriotas, que tendo deixado o lar paterno em tenra idade, hoje lhes não sobeja tempo para ler os volumosos livros em que se acha escripta a nossa historia.

Quem foi o "douto historiador" que afirmou a descoberta da Austrália pelos portugueses?
- Pois, isso não encontramos, pois ele não lista as suas referências, talvez porque pensasse que eram factos bem estabelecidos, e que não iriam causar qualquer polémica.

Como é natural em cada época histórica, aquilo que parecem certezas inabaláveis, estão na iminência de serem colocadas em causa na época seguinte. Se ele nos dizia que "a história não se inventa", foi porque talvez teve a sorte de não se aperceber que a história pouco mais é do que uma estória.


quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Fernão de Magalhães (4) Austrália

Em 1939, Gago Coutinho proferiu uma palestra, de que transcrevo aqui a parte sobre Magalhães:


Portugueses no Descobrimento da Austrália 

Muito tem sido escrito acerca do Descobrimento da Austrália, exactamente por causa do mistério que o envolve. Se aqui pretendesse, sequer, apontar tudo, teria que falar durante bastantes horas. 
Vou tentar resumir o essencial. 

A Descoberta tem sido, vagamente, atribuída aos Holandeses. Como se vê, não há neste caso - como há no da América - uma data ou nome consagrados. Cita-se um ano - 1606 ou 1607 - mas nunca se fala em acaso, o que revela a convicção de que, já antes daqueles anos, a existência ela Austrália era conhecida. Um português já lhe dera o nome de Índia Meridional e, outro português, o nome de Austrália del Espiritu Santo

A primeira referência a um Descobrimento anterior a 1606, foi pelo conhecido escritor inglês, H. Major, que, em 1816, encontrou no Museu Britânico um mapa manuscrito atribuindo o Descobrimento ao indo-português Manuel Godinho de Erédia, em 1601. Informações posteriores destruiram esta versão. 

Vários autores portugueses se têm ocupado dêste assunto, como Oliveira Martins, Dr. J. M. Rodrigues, Roma Machado, Comandante Quirino da Fonseca, e o Dr. Jaime Cortesão. Concordam em que Erédia não foi o Descobridor. Mas há fortes indicações de que a Austrália já antes dêle fôra visitada pelos Portugueses, no século de 1500, e que tanto as viagens holandesas, como a de Queiroz em 1606, foram apenas tentativas de reconhecimento intencional de uma terra que se sabia existir um pouco ao sul das Ilhas de Sunda, e onde se dizia haver minas de ouro. A existência dessa terra era bem, em 1600, um segrêdo de Polichinelo. Mas a sua ocupação não interessava, nem à Espanha nem a Portugal. Pouco interessou à Holanda, e só muito tarde veio a interessar à Inglaterra. 

No estudo, que vou ràpidamente apresentar, servir-me-ei, principalmente, de elementos colhidos na desenvolvida obra de George Collingridge, publicada em 1895, The Discovery of Australia

Para ilucidar a minha comunicação, organizei um mapa no qual, sôbre a carta correcta actual, com Java, Timor, Nova Guiné e Austráliá, decalquei os mapas antigos, nos quais a Austrália já era apresentada com mais ou menos aproximação. 


Nêste mapa- que custou cem horas de trabalho- não esqueci -nenhum português o deveria esquecer, ao contrário do que se fêz no mapa decorativo do Rossio- não esqueci, ia dizendo, marcar o meridiano que, em 1494, foi combinado em Tordesillas enfre os Reis de Portugal e Espanha, quando dividiram a Terra entre êles por «una raya o linea derecha de polo a polo» começando a «370 leguas de las yslas del Cabo Verde». 

Ficara assim reservada à Espanha uma metade da Terra, então quási completamente desconhecida, a qual começava ao Poente ele tôdas as Ilhas de Cabo Verde, e ia, no seu limite mais ocidental, cortar a Austrália segundo a linha vermelha grossa, que se vê no mapa. O cálculo ensina-nos que êste hemisfério está compreendido entre os meridianos opostos, de 47º 1/2 W. Gr. e 132° 1/2 E Gr. A raya , o linea ia pois dividir a Austrália em duas partes: como se vê, ainda antes da descoberta, já a Portugal lhe estavam lá reservados mais de três milhões de quilómetros quadrados. Para a Espanha ficaram cinco milhões. 

Um português, Magalhãis, a ia descobrindo. Outros portugueses lá estiveram também. Outro lá tentou ir, ao serviço do Rei de Espanha, e lhe deu um nome derivado da Áustria. Como se verá foi esta a nossa contribuição para o Descobrimento. Quando a Inglaterra a ocupou, ainda lhe não tinha sido encontrada utilidade pará colónia. A Terra ainda era grande ...

MAGALHÃIS
Ao princípio a Espanha contentou-se em, no seu hemisfério, e explorar apenas uma parte daquela terra da América que lhe estava reservada. Só depois de os Portugueses, em 1511, começarem a freqüentar o mar das Molucas, é que a Espanha pensou em lá ir também, mas por Oeste. 

Como se sabe, Colombo e os outros navegadores, não tinham encontrado passagem pelo Golfo elo México, para o Oriente, pelo novo Oceano que, em 1513, Valbôa [Balboa] descobriu, e que se julgava ficar em grande parte, senão no todo, no hemisfério espanhol. Então a Espanha aceitou de bom grado a proposta de um navegador português - que a seqüência ia provar ser o mais arrojado do Mundo - para ir reconhecer as terras do Oceano Espanhol. Assim, em 1518, partia de Sevilha uma esquadra de cinco navios da qual era capitão-mór Fernão de Magalhãis - destinada a descobrir o que haveria de útil para a Espanha no seu hemisfério, ainda desconhecido, possivelmente nas Molucas. Ia assim ser realizado aquêle sonho que, nas suas quatro viagens, animara Colombo. 

As instruções do Rei encarregavam Magalhãis de «descubrir dentro de nuestros limites e clemarcacion» «en los domínios que nos pertenecen e son nuestros en el mar Oceano» «islas y tierras firmes é ricas especerias», «con otras cosas». Assim resava a Capitulacion. Para compensar o cumprimento desta missão, eram concedidas a Magalhãis certas vantagens nas novas terras, com o título de governador; e, das ilhas que êle descobrisse, «si pasare de seis», poderia escolher duas onde teria «la quincena parte de todo el provecho» que o Rei delas tirasse.

Bem vasto, de mais dum têrço da superfície terrestre, era o campo assim aberto à iniciativa do enérgico Magalhãis. Não se enganaria quem imaginasse que nêsse campo haveria extensas terras: lá existia uma grande Ilha - a maior do Mundo! - talvez, então, ainda ignorada daquêles mariantes a quem nada escapara no Oceano Atlântico- os Portugueses. Era a futura Austrália! E lá estavam também outras ilhas grandes, além das futuras Filipinas, a Nova-Guiné e a Nova-Zelandia. Magalhãis poderia, pois, escolher duas ilhas bem ricas para a sua quincena...

A maior dificuldade que Magalhãis teria de vencer, não estava, porém, no descobrimento da Nova Guiné ou da Austrália. Estava em dobrar a parte sul da América, a-fim-de passar para o novo Oceano. Esta dificuldade só Magalhãis conseguiu superá-la quando, depois de lutar contra o clima e contra a oposição elos homens pois tivera de mandar dar morte aos três capitãis espanhóis da esquadra- quando, dizia eu, em 28 de Novembro de 1520, navegando pelo canal que separa o Sul da América da ilha do Fogo, entrou no Oceano Pacífico, já só comandando três navios: dos cinco, um naufragara e o outro, o maior, desertara para Espanha com os mantimentos! 

É sabido que, logo de entrada, foi descoberta a costa do Chile. Depois, perseguido pela maior infelicidade, mas confiado em encontrar portos para abastecimento, Magalhãis navegara para Oeste explorando a demarcacion espanhola. Havia terras, mas não lhe apareciam. Assim passaram fome e muitos morreram de escorbuto. Com a má sorte que o perseguia, Magalhãis falhou aquelas ilhas do Pacífico, de tantas facilidades, o arquipélago de Tahiti. A carência de recursos, levou-o a desviar-se para o Norte do Equador, talvez evitando a terra dos Papúas. Assim, falhou também a Austrália, indo descobrir, bastante ao Norte das Malucas, um arquipélago a que depois deram o nome de Filipinas. O longo caminho navegado fê-lo crêr ter já cortado o ramo da raya, oposto ao do Atlântico, e de facto o passou, por uma centena de léguas. 

Ali, estupidamente, em um recontro com indígenas, mal apoiado pelos seus companheiros, Magalhãis foi zagaiado e morto. Mas a principal dificuldade - abrir caminho para o Oriente pelo Ocidente - já estava vencida. Através do mar espanhol fôra descoberto caminho para as numerosas terras de Espanha que lá havia. O pior era que, depois da sua morte, não ficara na esquadra um homem capaz de substituir aquêle génio do Mar! 

Nada nos indica que Magalhãis se viesse a contentar com a missão mesquinha, que seria só a descoberta de um caminho ocidental para as Molucas; como nada prova que êle pretendesse dar a volta ao Mundo, estabelecendo um record, como hoje se diz. Tão pouco contra certa alusão antiga - Magalhãis na sua travessia do Pacífico passou à vista da costa da Austrália. Mas lá iria se vivesse! Porque, das Filipinas, êle cortaria para Maluco, onde esperava encontrar o seu antigo amigo, Francisco Serrão; êste lhe confirmaria a idéia de que as ilhas de Gilolo e Papúas lhe barravam o caminho directo para Oeste. Convenientemente abastecido naquelas terras de recursos, Magalhãis continuaria a sua viagem de exploração da «demarcacion» espanhola. Êle bem sabia voltar às colónias da América realizando a viagem que o seu antigo navio - a Trinidad - apenas iniciou.

Na viagem de volta, é evidente que em nada o interessava a circumnavegação da terra. A prova académica da sua esferecidade ficaria realizada, logo que nas Malucas se encontrassem portugueses, idos de leste e de oeste. 

Êle não voltaria pois a Sevilha indo pelo Cabo da Boa-Esperança, como fêz o seu sucessor Sebastião Delcano. O encontro com navios portugueses não lhe seria agradável. E, o que interessava, era descobrir mais terras do Rei de Espanha.

Nesta orientação, tão natural, Magalhãis, à volta para leste, tomaria caminho diferente do da ida. Decerto, então, conhecedor já dos ventos de Leste-os alíseos-que, no Pacífico, como no Atlântico, sopram nas latitudes tropicais, tendo-o levado às Filipinas, natural era que, tendo já conhecido o mar ao Norte das Malucas, Magalhãis fôsse ao sul procurar latitudes altas, onde, desde Bartolomeu Dias e Cabral, os Portugueses sabiam que lá dominavam os ventos gerais de Oeste. 

Nêsse caminho - informado ou não da existência da Ilha do 01wo- Magalhãis iria fatalmente encontrar a Austrália, entre 10 e 15 graus de latitude. 

A costa, correndo para Oeste, passava além do meridiano das Molucas, ficando portanto fora da «demarcacion». Mas Magalhãis, que acabava de descobrir uma terra nova- a futura Austrália não a ia decerto abandonar. Além disso, a navegação para Leste era a que lhe convinha para voltar à América. Assim iria passar um estreito bem mais fácil que o da Terra do Fogo, que é aquêle que fica junto do Cabo York e que, em 1770, descobriu Cook. 

Depois a costa corria ao sueste, e continuava dentro da jurisdição de Espanha. Abria-lhe também o caminho para as latitudes altas, onde, como disse, Magalhãis sabia que encontrava ventos favoráveis para a sua volta à América. Tal navegação levá-lo-ia ao cabo que forma a ponta sueste da Austrália. No seu caminho para a América, por cêrca de 40 graus de latitude sul, deparar-se-lhe-iam ainda mais duas grandes ilhas, as da Nova-Zelandia actual. 

Só a morte impediu que a viagem de Magalhãis tivesse tido para a Espanha o sucesso desta opulenta aquisição de novas terras que, nem os Portugueses nem ninguém, então lhe disputava. Eis o que custou à Espanha a morte inglória do insubstituível capitão-mór: a sua obra - que não seria, repito, apenas a circumnavegação - não a souberam continuar os chefes que lhe sucederam. Não! Se Magalhãis não tivesse desaparecido, a Austrália, que ficava no caminho natural de volta, imposto pelos ventos gerais, não teria escapado, no primeiro quartel do século xvi, àquêle tão tenaz navegador português!


sábado, 14 de novembro de 2020

Camara obscura (2) Torre de Ulisses

Há uns anos considerei aqui como a camara obscura e o seu efeito, deve ter estado presente desde cedo na humanidade, e, como se pode ver na página da wikipedia, há registos chineses e gregos, que apontam pelo menos para o Séc.V a.C.

Aquilo que não sabia, até porque é algo que não é muito divulgado, é que na Torre de Ulisses, do Castelo de São Jorge, em Lisboa, foi instalado um dispositivo desse tipo, em 1998, que permite aos visitantes ter uma visão de Lisboa, num disco com mais de 2 metros, permitindo imagens notáveis:


Com efeito o operador pode rodar um espelho, e ajustar o foco da lente (dispositivo da Sinden Optical), que assim pode ser tão eficaz quanto uma vigilância por câmara vídeo:


Estas imagens tirei-as do blog "aprender viajando", que também mostra o tecto, de onde é projectada a entrada de luz para o ecrã. 

Portanto, o dispositivo em termos técnicos não tem nada de especial, mas é impressionante, no que consegue fazer. A razão pela qual esse dispositivo foi instalado numa das Torres do Castelo de S. Jorge, terá a ver com razões turísticas, e seguiu a iniciativa que tinha sido já implementada em Espanha, em Cádis, na Torre Tavira em 1994, após terem visto o dispositivo de David Sinden em Edimburgo.

A Torre de Ulisses, era a Torre Albarrã, chamada Torre do Tombo. Foi aí que foi colocado uma boa parte da documentação mais importante do Arquivo real português, especialmente na altura em que o próprio Castelo de S. Jorge tinha o Paço Real, o que aconteceu até ao início dos Descobrimentos.

Independentemente de ter sido colocado nesta Torre (ao lado, havia a chamada Torre do Observatório), este tipo de dispositivos poderia existir na Idade Média?
A resposta é um inequívoco sim!
Mesmo esquecendo a parte da lente (que existiram desde que há vidro), qualquer orifício que permita a entrada de luz numa sala escura, faz uma camara obscura
As chamadas máquinas fotográficas usavam este princípio, e a única coisa mais complicada, que foi conseguida no Séc. XIX, foi imprimir a luz numa película que fosse foto-sensível.

No entanto, digo claramente que não descarto a possibilidade disso ter sido conseguido muito antes.
Que Leonardo da Vinci usava esse princípio, para fazer os seus quadros, é conhecido, e por tentativa de lhe atribuir tudo, atribui-se também a si este dispositivo, que está totalmente descrito quase 500 anos antes, em obras do astrónomo árabe Alhazem, e mais de mil anos antes, já Aristóteles o referia.

Seria daqueles "conhecimentos proibidos", e porquê?
Bom, porque bastaria a qualquer um saber isto, e poderia ver sem ser visto... Uma casa que tivesse um pequeno orifício na parede, dando para uma sala escura, permitiria ao seu dono entrar, fechar a porta, e ver toda a rua projectada na sua parede. Era bem mais fácil do que estar a espreitar pelo buraco. Portanto, seria algo que reis quereriam guardar para si, e não permitir aos outros. A ideia de usar isso para fazer quadros, conforme dissemos, terá sido usada por Da Vinci, mas será de considerar que muitos outros pintores do Renascimento a tenham utilizado.

Este fenómeno ocorre sempre, por qualquer frincha... simplesmente não é observado porque a luz que vem de outros sítios é mais intensa, e sobrepõe-se. Só não se sobrepõe quando a sala está escura, e não entra mais luz, a não ser a que chega através do orifício. 

Coisas destas são feitas de cartão, e encontra-se no YouTube como o fazer em poucos minutos:

(neste caso é colocada uma lente, para poder entrar mais luz, mas nem isso seria necessário)

Se era possível na Antiguidade conseguir o registo, como foi depois conseguido usando uma emulsão de prata, pois isso já será mais complicado de especular. Mas creio que se a fonte de luz fosse forte, e a exposição fosse sobre uma paisagem imóvel durante horas, poderia causar alguma sensibilidade em cera. Ou seja, não será de descartar que possam existir registos "fotográficos" de há milhares de anos, feitos sobre cera... desde que não tenham derretido ou ardido, é claro.
Mas que necessidade haveria disso, se era mais fácil chamar um pintor, que conseguisse colocar a tinta certa em cima das cores na tela que via? Será como pedir às pessoas que façam o desenho que está à frente dos seus olhos, copiando por cima!

Repare-se que ninguém usa a palavra desenhador... nas diversas línguas europeias, fala-se em pintor.
Fala-se em pintura e não em desenho. Porquê? Bom, se fosse este o caso, na realidade nada havia a desenhar, o desenho era a realidade projectada sobre a tela, pelo que ser tratava apenas de uma questão de pintar por cima, com as cores certas.
Ah, mas se fosse assim, porque razão isso não foi usado na Idade Média? Bom, porque justamente na Idade Média, fazer uma cópia da realidade era quase uma heresia - a de se pretender equiparar a Deus.

Não vou repetir as diversas outras considerações que fiz no postal anterior, mas é ainda de considerar que as torres sem aberturas, como a Torre de Ulisses, ou outras, pudessem servir um propósito de  camara obscura, permitindo uma vigilância sobre a paisagem em redor, sem se vislumbrar qualquer vigilante.


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Protocolos serpentinos (6+7)

A ideia que passa quando transcrevo estes Protocolos com mais de um século, é que de facto, já precisam de alguma actualização, embora se mantenham em muitos aspectos actuais.

Por exemplo, aqui ficam umas sugestões:

  • Deve-se manter a ideia de democracia, com todas as suas utopias, porque enebriando o povo, iludindo direitos e garantias, esconde a sua total impotência e submissão.
  • Ao contrário de uma fachada despótica, a fachada democrática mantém o povo motivado para trabalhar para um bem comum, apesar desse bem comum estar na mão de uns poucos.
  • Convém sempre acenar com maiores calamidades económicas, se o trabalho falhar. Nunca se poderá dar a ideia de que o tempo de lazer é uma opção para o povo. No máximo, essa possibilidade de lazer, ou despreocupação financeira, deve ser transferida para a velhice, quando já será inútil. Isso mantém a ideia de que há justiça e um merecido descanso no final.
  • O resultado eleitoral convém ser sempre disputado, dando ideia de que há alguma alteração se o voto for num sentido ou no outro. Como o mecanismo eleitoral é complexo, impedindo uma verificação por cada cidadão, o resultado será sempre o que nós quisermos apresentar, porque só os partidos do sistema teriam possibilidade de o verificar, e esses estão sob nosso controlo.
  • Podem criar-se focos de conflito, desde que estejam sob controlo dos nossos media. Isso anima as notícias, pode dar a ideia de que há uma esperança, num sentido ou noutro, não interessa qual.
  • Convém ter sempre presente que os nossos media são quem decide o que é e o que não é notícia. O que não é notícia, não existe. Se por acaso adquirir uma dimensão que não pode ser ignorada, deve ser minado, expondo um qualquer problema ou podre, que leve à confusão generalizada.
  • Até que seja perdido, o referencial de verdade são sempre os media, que ganharam o estatuto de apresentarem factos. Se isso começar a ser duvidado, apresentem-se polígrafos e outros supostos verificadores de verdade...
  • As redes sociais funcionam como os media, usando uns tantos pivots de informação que a difundem num sentido ou no outro. Convém sempre controlar os dois lados, de forma a que se a população acreditar numa coisa, elegeremos alguém nosso como campeão dessa verdade.
  • As redes de contactos, os ditos "amigos" (do facebook e similares), servem para controlarmos como a informação é difundida - por quem e para quem - isso facilitará toda a manipulação.
  • O medo deve ser sempre doseado, e contrabalançado com esperança. A causa do medo é sempre externa (terrorismo, doenças, catástrofes naturais, etc.), a esperança deve ser controlada para não apresentar logo de seguida a solução. Se a solução for simples, deve ser complexificada, impondo pelo meio problemas artificiais. 
  • As ciências devem ser controladas por uma hierarquia que depende de reconhecimento (prémios e outras benesses), concedidas por nós a quem estiver connosco. O resto deve ser visto como uma bizarria, ciência alternativa, etc. São especialmente perigosas as evidências, e os cientistas honestos, que as queiram explicitar, devem ter uma vida complicada e ser afastados da sociedade. As escolas devem educar para que a palavra da ciência seja vista como palavra divina, substituindo-se ao conceito de Deus. 
  • Os media devem recorrer sempre que possível a analistas, cientistas, etc, para passar uma mensagem mais perceptível. Esses cientistas podem ser incompetentes desde que alinhem connosco. 
  • Perante plateias, ou com perguntas complicadas, esses actores que trabalham sob nosso soldo, como políticos, cientistas, etc, podem recorrer a aparelhos auditivos que lhes dizem o que devem dizer. Fazem um brilharete, porque têm por trás uma equipa competente que os instrui.
  • Pode ser importante criar a ideia na comunidade de que o inimigo são os vizinhos e não o Estado. O Estado procura o melhor bem de todos, mas está condicionado por gente má, que não acata ordens. Isso justifica acções contra um maior número de indivíduos que se mostrem resistentes a acatar as nossas ordens. Este tipo de acções deve ser pontual, para não criar uma ideia de um Estado perseguidor, e deve ser sempre apresentada como solução de recurso.
  • Podem ser toleradas vozes dissidentes, completamente desalinhadas, desde que fiquem isoladas e tenham um efeito marginal no conjunto da comunidade. Servem para dar a ideia de que há uma liberdade de opinião, que todas as opiniões são expressas ou ouvidas. Servem para entreter os descontentes na sua inutilidade, e nem se apercebem disso. Passando esse limite, de comichão suportável, devem ser silenciadas.
  • Etc, etc, etc...

No Protocolo nº 7 que aqui apresentamos, fala-se da possibilidade de uma guerra mundial, quando algumas nações desafiassem o poderio judaico. Convém relembrar que não é claro se o protocolo teve origem nos judeus, ou na aristocracia russa, que os queria inculpar, livrando-se da pressão popular que descambou na Revolução Bolchevique, provavelmente organizada por sectores judaicos ou maçónicos.

Ora, este protocolo foi escrito 10 anos antes da 1ª Grande Guerra, e há quem veja aqui uma previsão ou antecipação do que foi essa guerra. Por duas vezes a Alemanha foi geradora de animosidade anti-semita e por duas vezes apanhou com uma Guerra Mundial em cima. O protocolo estabelecia que se fosse uma só nação, bastariam acções terroristas, mas no caso da Alemanha, até porque arranjou aliados, a coisa complicou-se, levando à acção de outros estados, e às Guerras Mundiais.

Batalha do Canal de St Quentin - o Brigadeiro-General John Campbell dirige-se às tropas


Protocolo nº 6 - (Take-over)
Convém relembrar que o tempo presente deste discurso é 1903-05, quando foi publicado.

  • Em breve vão estabelecer imensos monopólios, reservas de riquezas colossais, de que as grandes fortunas "goyim" [não-judaicas] dependem de tal forma, que cairão ao mesmo tempo que o crédito dos Estados, no dia seguinte ao seu esmagamento político.
  • Pergunta aos economistas na reunião para estimarem o significado daquela junção.
  • Diz que o Super-Governo sionista terá que aparecer como Protector e Benfeitor de todos os que se submeterem voluntariamente.
  • Argumenta que a Aristocracia "goyim" enquanto força política, está morta e nem precisa de ser considerada, mas enquanto proprietária de terrenos pode ser perigosa, porque é auto-suficiente. Diz que é imperioso tirar-lhes a terra. Para esse fim devem impor encargos sobre as terras, trazendo dívidas, de forma a colocar os proprietários sob submissão. Acrescenta facilidade, resultante dos Aristocratas serem hereditariamente incapazes de se contentar com pouco.
  • Ao mesmo tempo, repete que devem favorecer o comércio e a indústria, mas acima de tudo, devem favorecer a Especulação, para contrapor à indústria. Argumenta que a ausência de indústria especulativa iria  multiplicar o capital em mãos privadas e serviria para restaurar a agricultura, libertando a terra da sua dívida aos bancos. Diz que o que pretendem é que a indústria extraia da terra trabalho e capital, através da Especulação, para passar para controlo sionista todo o dinheiro do mundo, metendo como proletários todos os não-judeus. Conclui que assim os "goyim" terão que se curvar perante si, para terem o direito a existir.
  • Para completar a ruína da indústria "goyim", recorrerão ao Luxo em complemento à Especulação, porque a ganância pelo Luxo engolirá os "goyim". Argumenta que irão aumentar os salários, o que nada trará de benéfico aos trabalhadores, porque aumentarão os preços dos bens essenciais, dizendo que resulta do declínio da agricultura. Irão minar as fontes de produção habituando os trabalhadores à anarquia e bebedeira, e com isso fazendo desaparecer todas as forças educadas dos "goyim".
  • Para que o verdadeiro significado das coisas não transpareça antes de tempo, vão mascarar o assunto como um ardente desejo de servir as forças trabalhadoras, e sob a capa de teorias económicas, a que se esforçam por dar propaganda.

Protocolo nº 7 - ("Guerras Mundiais")
Convém relembrar que o tempo presente deste discurso é 1903-05, quando foi publicado.

  • Diz que a intensificação dos armamentos e o aumento das forças policiais, tudo isso é essencial para completar os planos explanados. O seu objectivo final é que em todos os Estados do mundo exista apenas a massa proletária, e uns poucos milionários devotos, servindo os seus interesses, com polícia e soldados.
  • Enuncia que devem criar o fermento da discórdia e hostilidades nas nações Europeias e colónias. Assim põem todos os países em cheque, porque as nações sabem que têm o poder de criar desordem ou retomar a ordem, coisa que já se acostumaram a ver. Depois usam as linhas políticas que os ligam aos Gabinetes dos Estados, através de tratados económicos e dívidas. Devem ser ardilosos nas negociações e tratados, mas no que diz respeito à "linguagem oficial" devem usar o oposto, e aparecer com a máscara da honestidade e complacência. Assim, os povos e governos dos "goyim", que os judeus ensinaram sempre a olhar para a casca e não para o interior, vão continuar a aceitá-los como benfeitores e salvadores da raça humana.
  • Devem estar numa posição de responder a qualquer oposição por guerra com os vizinhos desse país, que se atrever a uma oposição. Se esses vizinhos também se opuserem, então deve-se responder com uma guerra universal.
  • Argumenta que o principal factor de sucesso na diplomacia é o segredo do empreendimento - as palavras e as acções do diplomata nunca devem coincidir.
  • Devem forçar os governos "goyim" a tomar acções nas direcções do seu plano, quase completo, no qual vão aparecer como representantes da "opinião pública" através da Imprensa - o Grande Poder - que aqui anunciava estar completamente sob controlo, salvo excepções insignificantes.
  • Em suma, para manter em cheque os governos "goyim" da Europa, respondemos a um com acções terroristas, e a todos com as armas da América, da China ou do Japão.


sábado, 7 de novembro de 2020

Trump show

Uma das mais famosas imagens acerca das eleições presidenciais americanas ocorreu em 1948, quando jornais se apressaram a declarar como vencedor o candidato Thomas Dewey, contra o presidente Harry Truman. No dia seguinte, vemos Truman sorrindo com o erro do Chicago Daily Tribune:


O erro do Chicago Tribune foi natural, avançando uma previsão baseada em sondagens e nos primeiros resultados, para a edição da manhã sair já com um vencedor declarado. Comprometeu definitivamente a credibilidade do jornal, que comemorava um século de história.

Para a posterioridade, Truman quis deixar registado esse erro, de falar antes do tempo!

A fotografia é extremamente curiosa pois o nome Truman aparece cortado neste plano, e vê-se apenas TRUM, o que poderia dar agora igualmente para Trump, mudando as 5 letras de Dewey para Biden.

Não é a imprensa que declara o vencedor, podendo fazer tudo para condicioná-lo. 
Haverá certamente pupilos do sistema prontos a apressar-se na mesma congratulação, sentindo-se no dever de respeitar a ordem internacional. Assim, não será pequena a lista dos interessados em dar o seu apoio a um Biden eleito pela imprensa:
e é claro que a União Europeia seria a primeira da fila.
Mas também há Bolsonaro, Kim Jong Un e Vladimir Putin, e não será por esses darem os parabéns, a quem quer que seja, que isso faz o dito cujo eleito.

O que se segue é uma prevista batalha judicial, onde os juízes do Supremo Tribunal contam já com uma pressão acima do normal, para deliberarem acerca do recorde de 100 milhões de votos por correspondência, na sua maioria atribuídos a Biden.
O dobro da votação por correspondência (em 2016 foram "apenas" cerca de 50 milhões), teve uma justificação conveniente - a Covid. Nada mais natural, portanto.

Porém, ainda que sejamos todos instruídos que as "teorias da conspiração" são todas fantasia, porque como é natural, nunca existiram conspirações no mundo, há algumas coisas que esses juízes vão ter que avaliar... e, mesmo atendendo à pressão descomunal, que vai ser exercida, neste momento, eu olho para o jornal que Truman exibe.

E se muitos de nós lembram o Truman Show, será de considerar a sofisticação do sistema em optar por revelar ou esconder o seu Trump Show. Caso contrário, estaremos no ground zero do desplante despótico. De Biden todos esperam o óbvio - que nem sequer esboce a ideia de que governa, ainda que a sua governação aparente possa ser muito efectivamente assustadora.

domingo, 1 de novembro de 2020

Descobrimentos em diversos anos e tempos (7)

Continuamos, a transcrição do livro de António Galvão.
Nesta parte entre os anos de 1509-11, é especialmente intrigante esta citação que destaco: 

Avante destas ilhas dizem que há outras de gentes mais alvas que andam vestidas de camisas, gibões, e ceroulas como portugueses, e têm moeda de prata; os que governam a República, trazem nas mãos varas vermelhas, por onde parece que devem de ser da China, e não tão somente estes, mas há por aqui outras de gentes pintadas, que dizem ser dos Chins povoadas.

Quem andaria vestido como portugueses, em paragens da Nova Guiné, ou mais além?

Galvão avança com chineses, pelo hábito de trazerem na mão varas vermelhas, mas o hábito de trazer nas mãos varapaus era também coisa muito europeia. Já as gentes pintadas, seriam facilmente ligadas ao hábito das tatuagens maoris e similares.
O texto aqui citado foca o ano de 1511, quando Afonso de Albuquerque depois de conquistar Malaca envia Duarte Fernandes à Tailândia (Sião, Muantai com "Tai" de Tailândia), Rui Nunes da Cunha à Birmânia (Pegú), e António de Abreu parte para as ilhas de Sumatra, Java, e restantes até avistar as ilhas Molucas. Sobre este assunto, Galvão não levanta dúvidas e diz, relativamente a 1511-12:
  • António de Abreu fez seu caminho [de regresso] para Malaca, deixando descoberto todo aquele mar, e terra nomeadas.
Galvão menciona ainda Francisco Serrão, um elemento importante na iniciativa para a viagem de Magalhães (talvez seu primo), mas hesita até em nomeá-lo como português, dizendo que foi o primeiro entre os "espanhóis" a ver a ilha do cravo. A designação Hispânia incluía Portugal, por isso era usada, até ser apropriada por Castela.
O problema é que Francisco Serrão após ter naufragado, ficou ao serviço do sultão da ilha de Ternate, nas Malucas, e morreu pouco antes de Magalhães se querer juntar a ele. Na realidade morreram perto um do outro: Serrão em Janeiro/Fevereiro nas Molucas, Magalhães em Abril de 1521, nas Filipinas.
O plano de Magalhães seria aproveitar a boa influência de Serrão na corte do rei de Ternate, para ter esse rei a negociar com Carlos V, ao invés de estar sujeito ao domínio português na área.

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DESCOBRIMENTOS 
em diversos anos & tempos, 
& quem foram os primeiros que navegaram.
por António Galvão (1563)

continuação de (6) e (5) (4) (3) (2) (1)
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No ano de 1511, e mês de Abril partiu Afonso dalboquerque [de Albuquerque] da cidade de Cochim para Malaca, e neste mesmo ano e mês de Julho foram os Chins de Malaca para a sua terra, e mandou Afonso de Albuquerque com eles a Syão [Sião] um português que se chamava Duarte Fernandes com cartas, e recado a el rey dos Muãtais [Thai Mueang], que agora chamamos Sião ao Sul, ao longo da terra passaram pelo Estreito de Sincapura [Singapura], e tomaram a Norte correndo aquela costa de Panpatane [Pan Patane], até à cidade de Cuy, e dela ao Dia [Bangcoc], que é cabeça deste reino, que estará até quatorze graus de altura [Bangcoc está a 13º30']. El rey fez a Duarte Fernandes, por ser o primeiro português que vira, muita mercê e honra, e mandou com ele embaixadores, a Afonso de Albuquerque, atravessaram pela terra a Loeste a cidade de Tanasarim, que está no mar da outra banda em doze graus, embarcados em dois navios se vieram ao longo da costa até à cidade de Malaca, deixando-a toda vista, segundo alcançam os que vão por mar ao longo da terra.

João de Lisboa. Referências sublinhadas:
Malaca (de onde sai a bandeira portuguesa), Pedra Branca (Singapura), Patane, Siam (Bangcoc), Camboia (Camboja).

A gente deste reino de Syão é gentia, come toda alimária, bicho, pescado que a terra e água produzem, prezam-se de trazer cascavéis em suas naturas (a el rey, e religiosos é vedado); e dizem que são dos mais virtuosos e honestos que há na redondeza, prezam-se muito de castidade e pobreza; em sua casa não criam galinha pomba, nem outra coisa fêmea. Terá este reino duzentas e cinquenta léguas em comprido, e oitenta de largo, fora os que lhe obedecem. Deste só reino põe el rey em campo trinta mil elefantes de guerra, fora os que lhe ficam nas cidades por guarda; tem um branco em grande estima, e outro ruivo de olhos que escamecham, como fogo. Há nestas terras hum bicho pequeno, que se lhe pega na tromba, e os ensanguenta até que os matam, tem a concha tão dura, que um arçabuz o não passa, e cria nos fígados uma figura de homens, ou mulheres a que chamam toqta [toqueta], que é como mendracola, e quem as traz consigo, dizem que não podem morrer a ferro, e nas cabeças de vacas bravas acham-se pedras mui ditosas para mercadores.

Depois de Duarte Fernandes ir aos Mantuis [Muantais, tailandeses], mandou Afonso de Albuquerque um cavaleiro que se chamava Ruy Nunez da Cunha [Rui Nunes da Cunha] com cartas, e embaixada ao Rei dos Sequis, que nós chamamos Pegus [Pegu, Birmânia]; foi num junco dos da terra ao longo dela, à vista do cabo rachado, e daí à cidade de Perá, e aquém da Iunsalão [Phuket], e outras muitas povoações que jazem ao longo desta ribeira, por onde já Duarte Fernandes viera, até à cidade de Tanasarim, e de Bartabão [talvez Abaw, Birmânia], que está em quinze graus da parte do Norte, e à cidade de Pegu em dezassete. Este foi o primeiro português que trilhou aquele reino, e deu informação da terra, e de como traziam cascavéis como os Muantais.

No fim deste anno de 511, mandou Afonso de Albuquerque tres navios às ilhas de Banda, e Maluco [Molucas] e por capitão-mor deles António Dabreu [de Abreu], e um Francisco Serrão: iam neles cento e vinte pessoas, porque não foram mais velas, nem homens ao descobrimento da Nova Espanha com Christouam Columbo, nem com Vasco da Gama à India, porque Maluco depois destes não é menos em riqueza, nem se deve de ter em menos estima, foram pelo Estreito de Sabam ao longo da ilha de Samatra, e à vista de outras que ficam da mão esquerda contra o Levante que chamam dos Salites, até às Ilhas de Palimbão, Lusuparam, donde atravessaram pela nobre ilha da Iaoa [Java], foram a Leste correndo sua costa, por entre ela, e a ilha da madeira. A gente desta ilha é mais belicosa, e que menos tem em conta a vida que se sabe na redondeza, e dizem que as mulheres ganham soldo pelas armas, e por qualquer coisa se desafiam, e matam uns a outros, como se fazem a Mocos, e inventa pelejarem galos com navalhas, porque o principal seu desenfadamento e languiolento.

Além desta ilha da Iaoa, vão ao longo doutra que se chama Balle [Bali], e outra logo (que se diz) Anjano, Simbaba, Solor, o Galao, Mauluoa, Vitara, Rosolanguim, Arus, donde vêm os pássaros mirrados, que são muito estimados para penachos, e outras que jazem nesta corda da parte do Sul, em sete ou oito graus de altura, e tão juntas umas com as outras, que parece toda uma terra.
Haverá nesta derrota mais de quinhentas léguas: os cosmógrafos lhes chamara as Iaoas ainda que agora têm nomes diferentes como aqui vedes. Avante destas ilhas dizem que há outras de gentes mais alvas que andam vestidas de camisas, gibões, e ceroulas como portugueses, e têm moeda de prata; os que governam a República trazem nas mãos varas vermelhas, por onde parece que devem de ser da China, e não tão somente estes, mas há por aqui outras de gentes pintadas, que dizem ser dos Chins povoadas.


Batu Tara ou Batutara será o corrente nome da ilheta Gumuapé avistada por António de Abreu

António de Abreu, e os que com ele iam, tomaram uma derrota contra o Norte duma ilheta que se chama o Gumuapé: porque do mais alto dela corre sempre, e de contínuo até o mar ribeiras de fogo, coisa muito para ver. Daqui foram à ilha de Burro, e Damboino, e costearam a costa daquela que se chama de Muar Damboino [de Amboíno], surgiram num porto, que se diz Guli Guli, saltaram em terra, tomaram uma povoação que ali estava, e acharam nas casas homens mortos dependurados: porque comem carne humana, onde queimaram a nau em que ia Francisco Serrão por ser já velha, e foram ter à Banda que está em oito graus da parte do Sul, donde carregaram de cravo, noz e maça, e um junco que Francisco Serrão aqui comprara. 
Dizem que não muito longe deltas ilhas de Banda há uma em que se não cria senão cobras, e as mais numa cova que tem no meio, umas grandes, e outras pequenas, andam sempre enroladas, mas não se deve de haver por muito, tanto como os da terra, fazendo disto espanto pois os nossos deixaram escrito que junto das ilhas de Mayorca, e Menorca, havia uma que se chamava Euturia, em que havia muita quantidade destas bichas, não as havendo em todas as outras ilhas junto com elas.

No ano de 1512. partiram de Banda para Malaca, e nos baixos de Lulupino, se perdeu Francisco Serrão com o seu junco, donde se tornou à ilha de Midanao com ix ou x (9 ou 10) portugueses que com ele iam, e os reis de Maluco mandaram por eles: estes foram os primeiros Espanhóis que viram as ilhas do cravo, que jazem da Linha contra o Norte em um grau, onde estiveram sete, ou oito anos. António de Abreu fez seu caminho para Malaca, deixando descoberto todo aquele mar, e terra nomeadas.

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Outro vulto da literatura portuguesa, Luís de Camões, alguns anos mais tarde, no Canto X, expressa uma descrição algo semelhante... mas note-se o detalhe de puxar o assunto de que havia memória de Malaca estar ligada a Sumatra:

(...)
Mais avante fareis que se conheça
Malaca, por Império enobrecido,
Onde toda a província do mar grande,
Suas mercadorias ricas mande.

Dizem que desta terra com as possantes
Ondas o mar entrando dividiu,
A nobre Ilha Samatra, que já dantes
Juntas ambas a gente antiga viu.
Chersoneso foi dita; & das prestantes
Veias de ouro, que a terra produziu,
Aurea, por epíteto lhe ajuntaram,
Alguns que fosse Ophir imaginaram.

Mas, na ponta da terra Cingapura
Verás, onde o caminho às naus se estreita,
Daqui tornando a Costa à Cynosura,
Se encurva, & para a Aurora se endireita.
Vês Pam, Patane, reinos, & a longura
De Syão, que estes e outros mais sujeita;
Olha o rio Menão, que se derrama
Do grande lago que Chiamay se chama.

Vês neste grão terreno os diferentes
Nomes de mil nações nunca sabidas,
Os Laos em terra & número potentes,
Avâs, Bramàs, por serras tão compridas;
Vê nos remotos montes outras gentes,
Que Gueos se chamam de selvagens vidas,
Humana carne comem, mas a sua
Pintam com ferro ardente, usança crua.

Vês passa por Camboja Mecom Rio,
Que capitão das águas se interpreta
(...)