Alvor-Silves

domingo, 15 de setembro de 2019

Armas, Armadas e Armeiros

Estando a falar de brasões, e como ainda não tinha havido ocasião disso, convém referir o

Livro do Armeiro Mor (1509-21) de António Godinho, ou
Livro da nobreza e da perfeição das armas dos reis cristãos 
e nobres linhagens dos reinos e senhorios de Portugal 
(Torre do Tombo, PT/TT/CR/D-A/001/20)

Este livro terá sido encomendado por D. Manuel, mas apenas teria sido terminado após a sua morte, em 1521. Começa por ser interessante logo o prólogo, onde António Godinho relembra uma frase que atribui a Platão, sobre a virtude, dizendo que - tendo olhos, se amaria a si mesma.
MVITO ALTO E MVITO PODEROSO REY E SENHOR, dito é de Platão
que se a virtude com os olhos corporais se visse, geraria amor de si mesma.
E por isso os poetas e sábios trabalharam de a ensinar declarando-a por metáforas, fingimentos de figuras, para o entendimento e coração a melhor sentir e conceber.
Os antigos faziam estátuas com que muito acendiam os ânimos nela, segundo SALVSTIO, e outros autores. E por que nos prémios que os príncipes dão aos bons, a proporção é necessária segundo as qualidades dos méritos. Coisa conveniente foi os que assinaladas virtudes fazem serem assinaladas com imagens de insignes armas. Com as quais guardando a imortalidade de suas famas, seus sucessores tivessem obrigação de os imitar, que muita parte dos homens se move mais pela fama que por outra virtude
O prólogo é mais extenso, e na "História Genealógica da Casa Real Portuguesa" (Tomo 1, em 1735), António Caetano de Sousa transcreveu-o, dizendo que aquele prólogo "teria sido visto por poucos"... e nesse aspecto, não mudou quase nada, porque continua a estar escrito apenas aí. Curiosamente Caetano de Sousa diz que o livro teria a inscrição inicial - Livro da Nobreza por Fernão das Minas, dos Reis Cristãos e das nobres linhagens dos reinos e senhorios de Portugal. Surge habitualmente um alemão (Harriet ou Arriet) como possível contribuidor ou autor inicial (Caetano de Sousa fala num volume ainda mais perfeito que teria a sua autoria).

Índia Maior e Menor
Merecendo certamente diversos destaques, por razão de menção a reinos desconhecidos, etc, irei apenas aqui salientar um par de brasões: da Índia Maior e a Índia Menor:
 
Índia Menor seria a Índia propriamente dita, e Índia Maior designava inclusivamente as regiões ao sul da Ásia, podendo incluir toda a parte da Indonésia, ou ainda mais além...
O brasão da Índia Maior tem uma balança, a libra, constante da divisa do Infante D. Pedro, e o brasão da Índia Menor tem a figura de Cristo crucificado, o que me parece algo bizarro nesta fase inicial, onde o envio de missionários ainda não teria começado (ainda nem existiam jesuítas). 
Poderia estar aqui a invocar-se a "táctica da cunha", do Infante D. Henrique, ou seja que a chegada à Índia era apenas um passo para atacar os muçulmanos na Arábia, e permitir a progressão pelo Suez para a conquista de Jerusalém - algo parcialmente concretizado por Afonso de Albuquerque, quando anexou o Suez.
A balança para a Índia Maior poderia indicar uma necessidade de equilíbrio das potências, uma balança de poder, não apenas considerando as rivais potências europeias, mas também a gigantesca dimensão dessa Índia Maior, que poderia incluir até a China.

Armas e Escudos
Sendo claro que, desde a Antiguidade, apareciam símbolos nos escudos, identificando o exército combatente, ou a legião (caso romano), na época medieval com a feudalização e a existência de exércitos privados de senhores - duques, condes, marqueses, essa marca foi passando a constituir uma marca da família senhorial, e dos seus descendentes. Isto ocorreu especialmente a partir de Carlos Magno, e ficou mais formalizado nas Cruzadas, quando determinadas regras começaram a ser definidas "internacionalmente".

O formato dos escudos dos brasões passou a ser praticamente o mesmo, e sendo assumido que seria a forma do escudo segurado pelo braço esquerdo, enquanto o direito segurava a espada. Há assim uma orientação privilegiada dos objectos - por exemplo, era natural o leão ou a águia aparecerem virados para a esquerda, já que isso corresponderia a olhar de frente o opositor, estando no braço esquerdo.
Mas também vemos águias bicéfalas, olhando em ambas as direcções, no caso imperial.

Ora, a forma dos escudos sugere-me a Lorica Squamata, a armadura em escamas romana. Trata-se de uma armadura formada por pequenas escamas, que era suficientemente flexível para ser usada como revestimento metálico protector, lembrando a forma das escamas de répteis ou peixes. Muitos telhados europeus tinham também esta disposição nos seus telhados, em que cada telha correspondia a uma escama.
Um nome usado para os brasões era justamente
"cota-de-armas" (em inglês, coat-of-arms)
o que distingue da "cota-de-malha", onde a cota, a veste, da armadura era feita com ligações em forma de malha metálica.
O que isto sugere é que o conjunto dos diversos escudos de cada senhor formavam uma armadura do reino, ou do império.
Cada escudo, tal como cada senhor, tinha a sua autonomia relativa, mas estavam ligados entre si.
Acresce que o formato dos escudos era díspar, podendo ser circular, rectangular, não havendo necessariamente uma forma pré-definida, como ficou depois estandardizado no "escudo", ainda que com algumas variantes artísticas. O círculo ou o losango, na heráldica, passou depois a ser usado para pessoas não combatentes - como o clero, ou as esposas dos senhores, não se assumindo que poderiam ser usados escudos circulares, como foi hábito de tantos povos.

Regra de Tintura
Um aspecto frisado por António Godinho foi a necessidade de adaptar os brasões senhoriais às regras heráldicas formais de outras nações, diz-se ter sido preferida a forma inglesa e alemã, por comparação com a francesa e castelhana.
Algo que passou a servir de regra foi a distinção no uso das cores (ver International Heraldry):
Metais: Amarelo (ouro) e Branco (prata) 
Cores: Vermelho, Azul, Verde e Preto (o uso de roxo-magenta será mais recente)
[do lado direito está a forma de representação quando a imagem é preto-e-branco]

Uma regra básica, que o pessoal detesta ver quebrada, é:
- metais não tocam em metais, nem cores tocam em cores.

Aliás, diz Godinho a este propósito:
(...) per outra regra que manda não trazer metal sobre metal nem cor sobre cor: se verificaram muitas que falsas andavam, podendo-se presumir não serem verdadeiras.
Um dos problemas com a actual bandeira portuguesa é que o verde toca directamente o vermelho, sem a separação por uma cor metálica, sendo praticamente caso único nas bandeiras europeias (as novas bandeiras de Alemanha e Rússia e de outros novos estados, têm problemas similares - veja-se a bandeira do império alemão, cortada pelo branco, enquanto na Rússia foi tradição).
Por exemplo, a Itália resolveu o problema de juntar vermelho e verde, cortando-os com o branco metálico, tal como a maioria dos restantes estados europeus.
Curiosamente, também a bandeira monárquica dos Braganças tinha o mesmo problema (o azul tocava o vermelho do escudo).
As excepções admitidas desde há muito eram o Estado papal e o Reino de Jerusalém, que podiam tocar o amarelo com o branco.

Ironicamente, os heraldistas diriam que quem não estivesse bem armado, estaria armado em parvo ("parvo" significa pequeno em latim). No entanto, com a ascensão da burguesia e maçonaria, estas regras típicas da elite medieval foram perdendo relevo, e os que antes eram parvos ou pequenos passaram a grandes ou sábios, definindo uma nova matilha, e uma nova práxis.
Ainda assim, para quem preza o status quo, a violação de regras instituídas durante séculos será uma parvoíce, enquanto pequenez temporal.

Eventuais significados das cores podem ser especulados... ligados às estações, é natural a ligação do verde à Primavera, do vermelho ao Verão, do azul ao Outono, ou do preto ao Inverno. Ou ainda, o verde estaria ligado à felicidade e jovialidade, o vermelho à coragem, força e excelência, o azul à piedade, liberdade e sinceridade, e o preto ao conhecimento e trabalho.
Também os metais podem ser associados:
- o ouro (Sol) à fé e obediência; a prata (Lua) à pureza, verdade e igualdade.
É claro que os peritos em técnica heráldica recusam as associações, até porque será matéria de segredo, a ser decifrado pelo conjunto da empresa explicitada no brasão.

Acrescenta-se que o uso do escudo no braço esquerdo, dá outro sentido ao brasão enquanto bração, ou seja, uma extensão defensiva do braço, complementando outra pequena observação anterior.

Armas antigas
Voltamos assim ao assunto das armas do Rei de Portugal (conforme foi discutido no postal anterior com J. Ribeiro e D. Jorge).

(1) Acresce agora um outro símbolo estranho que também foi atribuído ao rei português:

Zurich Roll - atribuição ao Rei de Portugal (brasão do meio, sendo os outros de Inglaterra e Marrocos)

Este caso pode ser apenas uma interpretação ligeira do manuscrito, que se percebe mal, mas onde parece ler-se "portogAl", além disso faltando outra representação do símbolo real português.
Como o Rolo de Zurique é de 1330-45, este período coincide com D. Afonso IV (e não deixa de ser curioso que praticamente todos os brasões estão alterados ou apagados no manuscrito genealógico de Antóno de Holanda). Podemos pensar que o rei usou armas pessoais, além das armas clássicas, e neste caso certamente enigmáticas, caso se confirme a atribuição.

(2) Também no Rolo de Segar (c. 1282) aparecem desenhadas as armas de Portugal, mas ao contrário da reconstrução apresentada, que nos dá 5 escudos azuis sobre fundo branco, o original aparece raspado, com um fundo azul... ou seja, houve alguém que procurou apagar as armas que ali estavam, já que as restantes aparecem reconhecíveis.

Segar's Roll original (à esquerda) e reconstrução errada (à direita).

Como curiosidade, diria que o símbolo do Rei Palialogre, assumido como Rei Paleólogo, parece ser mais um canguru do que um dragão no original... é apenas uma observação lateral, porque a dinastia dos Paleólogos poderia ser bem associada ao dragão.

(3) Também no Herald's Roll (1270-80) aparece no número 25 o rei de Portugal (a partir de 1279 seria D. Dinis) com 3 quinas, mas é o número 18. King of Bornholm (roy de ...)? que é mais próximo do desenho apresentado no postal anterior, sendo que este "Bornholm" será mera dedução pois não é feita qualquer transcrição. Neste caso, como não temos acesso ao original, serve a boa comparação com o escudo apresentado por Djorge no postal anterior:
Acresce que este símbolo é bastante parecido com o atribuído ao rei da Noruega Haakon IV, só mudando as cores (que seriam vermelho e ouro, ao invés de azul e prata).

(4) Finalmente surge a menção de Djorge a um símbolo muito semelhante ao anterior, consistindo em 3 caravelas, na freguesia de Caravelas-Mirandela.

O original poderia representar barcos conforme o apresentado no escudo acima, que depois foram interpretados como caravelas, o que mudou ainda a forma de alinhamento vertical. No entanto mantém-se componentes comuns - o fundo azul, os barcos e o seu número.

Podemos estar aqui em presença de uma tradição mais antiga, ou então de um período da História de Portugal, que ocorreu na mudança da sucessão por D. Afonso III, onde ele ou os seus sucessores, D. Dinis e D. Afonso IV, podem ter escolhido armas pessoais diferentes.

Um assunto, um mistério, ou mais uma mistela, que fica por investigar melhor...

14 comentários:

  1. Caro Alvor,

    Segui o link para o "Rolo de Geraldo" e encontrei este link, com outra interpretação para o King of Bornholm, neste site:

    http://www.aspilogia.com/HE-Heralds_Roll/index.html

    chamam-lhe King of Bohemia, e cujo símbolo, é praticamente igual ao de Caravelas.
    Estas "vectorizações" de símbolos valem o que valem, e mais são as vezes que confundem que as que realmente trazem alguma luz ao mistério.

    Não vi ainda o original, mas é impossível haver 2 interpretações gráficas tão diferentes para o mesmo escudo.

    Abraço,
    Djorge

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    1. Pois, essa Aspilogia lembra-me áspides, e a cobra cobre ou encobre.

      Ao que parece aos escudos redondos os gregos chamavam "áspis" (e também os decoravam, os espartanos punham um Λ, os atenienses uma coruja, etc), e por isso "aspilogia" pode ser usado como sinónimo de "heráldica".

      Isto apenas para dizer que estou de acordo, e os gráficos computadorizados são uma interpretação do original, e quando chega ao ponto de meter o que lá não está, pois nesse caso faz jus ao nome da cobra, encobrindo.
      Mesmo que a intenção seja boa e louvável, estes sites deveriam ter a imagem do original.

      Temos assim vários nomes, o Bornholm que os da Wappenwiki colocaram, e esse Bohemia, que segundo a Aspilogia viria de "Bealm"...
      Provavelmente é um gatafunho incompreensivel, e até pode ser Portugal...
      Quando li o de Zurich o que me pareceu "frt", depois vendo melhor pode ler-se "Al", considerando que a forma "fr" era um "A", mas é tudo um bocado subjectivo e condicionado pela vontade de querer ler.

      Claramente, os da Aspilogia fizeram como fez quem tratou do brasão de Caravelas-Mirandela. Pegaram na imagem original, interpretaram como barcos, e depois a forma de passar um barco era pela forma da caravela.
      Além disso, estragaram o arranjo vertical, podendo assumir-se que há outros casos em que vemos dispostos 3 objectos e eles poderiam estar noutra sequência.

      Acontece ainda que muitas vezes nem sequer há o boneco... ou seja, é alguém que vê a descrição por escrito do brasão e tenta daí fazer o boneco correspondente.
      No arquivo relativo à freguesia poderia estar apenas que o fundo era azul e os barcos eram brancos. Acho mais estranho que os da Aspilogia tenham colocado barcos amarelos (ouro), enquanto a Wappenwiki os tinha como brancos.
      Como já disse, parece-me que a Wappenwiki é mais fiável que a Aspilogia.

      Agora, ainda mais estranho é mesmo aquela árvore genealógica do António de Holanda ter quase todos os brasões estragados... Pode haver uma desculpa parva - do tipo as inscrições eram mesmo a ouro e prata, e foram raspadas por larápios.

      Além disso, é mais uma das muitas situações em que uma preciosidade da nossa iluminura está escondida a sete-chaves, porque mesmo vandalizadas, só se conhecem uma meia dúzia de folhas.

      Abraço.

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    2. Isto da heráldica é muito bonito mas, principalmente quando tão recuados no tempo, estamos sempre susceptíveis a enganos.
      Porque? Porque não havia uma creditação oficial que pudesse ser seguida facilmente.
      Assim, as armas mais conhecidas estão bem representadas, as outras nem por isso.

      No caso do amigo, parece-me evidente que quem quer que tenha desenhado as armas do Rei de Portugal, desenhou-as seguindo a instrução de que "as armas de Portugal eram as Quinas". O resultado foi o que se viu...

      Quanto a Bornholm.
      Bornholm mais não é que uma ilha no Báltico, que tem pertencido à Dinamarca a maior parte do tempo desde quase sempre (lol) mas que sempre foi uma província ridículamente insignificante e periférica.
      Um pouco como Porto Santo, mais do que a própria Madeira...

      Não me custa imaginar, no entanto, que, tendo em conta a recente instalação da Priemira Dinastia Portuguesa como casa reinante, refiro-me à Afonsina...
      Consideremos que a Dinastia Afonsina fora de Portugal - principalmente na altura - não seria conhecida ou considerada como "Afonsina". Especialmente quando os primos de Afonso Henriques eram Imperadores de Leão e tinham uma maior tradição quanto a apelidarem-se de "Alfonso".

      Portanto, e tendo em conta que tudo aponta para que D. Henrique e D. Raimundo fossem realmente provenientes da Mui Nobre e Mui Poderosa Casa de Borgonha, contrariamente ao que já li neste blogue relativamente à tese de "Bolonha, de Bologne sur Mer", é natural que os arautos de outros Reinos mais distantes e menos atentos à afirmação Portuguesa tivessem considerado a recém criada Casa Real de Portugal como mais um ramo da Casa de Borgonha.

      Bornholm é tida como a origem mítica do povo germânico dos Burgúndios que vieram assentar-se e dar o nome ás terras de Borgonha.

      Assim, creio que não são necessárias grandes especulações para descortinar o significado e/ou a origem destes brasões de Portugal alternativos.
      Alternativos e falsos.

      Um bom haja e uma boa continuação para este blog que tanto me faz pensar e que tanto aprecio. Embora ache que por aqui perco demasiado tempo... mas é sempre um prazer e um desafio.
      E fez-me ver coisas que de outra forma nunca veria, nem saberia, nem conhecería...

      Ivo Reis Fernandes

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    3. Caro Ivo Fernandes,
      obrigado pelos comentários, pela crítica e/ou apreço.
      Certamente que uma boa parte das pessoas, que por aqui passam, têm razões para achar que podem perder mais ou menos tempo, e estando nisto há 10 anos, e tendo escrito 3303 páginas (conta pelos PDFs até 2008), mais umas tantas, a carga de tempo cai bastante para este lado.

      Ora, não conhecendo certificados divinos de boa aplicação do tempo, não vejo porque esta forma haverá de ser pior que as restantes, mais frugais ou mais profissionais. Aliás, foi-me feito saber que eu me estar borrifar para o assunto, não significava que o assunto se estivesse a borrifar para mim... e soube-o de forma nem sempre simpática ou agradável. Ou seja, não dá para nos desinteressarmos daquilo que nos interessou, só porque queremos... o bichinho fica na cabeça e faz saber da sua presença.
      De qualquer forma tem razão, no sentido em que desde 2013 o blog ficou sem um propósito bem definido, que convirá esclarecer.

      Continuo a gostar da tese de Boulogne sur Mer, simplesmente porque encaixa com diversas pontas soltas, ao contrário da tese de Borgonha que me parece caída de um gabinete burocrático. Mas não rasgo nenhuma veste sobre esse assunto. Parece-me importante ser recordada e estudada, se possível.

      Bornholm parece-me ser uma dedução do sujeito que escreveu na Wappenwiki, e nada mais que isso... no Aspilogia aparece Bealm. Aliás pode ler-se:
      Le rey de Bealme, l'escu de azur od treis barges d'argent.
      que presumo ser interpretação similar neste livro,
      https://books.google.pt/books?id=OzGF29hFLmMC&pg=PA115

      O repetido uso do "engano" ou "coincidência" para justificação de tudo e mais alguma coisa, foi justamente o propósito contra o qual quis ver se haviam possibilidades alternativas de justificação... e de facto, foram aparecendo. Nalguns casos não invalidam que se continue a argumentar com engano ou coincidência, mas noutros casos invalidam porque as contradições começam a aparecer, umas em cima das outras.

      Finalmente, é claro que não tenho grandes conhecimentos de heráldica, e a parte mais técnica só é aplicável em tempos mais recentes, conforme diz, mas não é preciso ser nenhum perito para perceber que aqui se passa algo de estranho. Aliás, em muitos casos os peritos existem apenas para serem chamados, chancelando justificações absurdas para o injustificável.
      O cheiro da pólvora fica ainda na ausência de referência a este assunto na nossa literatura mais acessível, o que me parece estranho, por ter relevo suficiente.
      Posso ter procurado mal, mas nem sequer vi nenhuma justificação para a ausência das armas na Árvore Genealógica de António de Holanda.

      Se os "sábios trabalharam com metáforas e fingimentos de figuras", como diz António Godinho, parece que por vezes o fingimento não foi suficiente, e foi mesmo necessária a completa ocultação.

      Cumprimentos.

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  2. Caro Alvor,

    Fiz um pequeno ensaio, sobre o símbolo 10 do Zurich Roll.

    Trata-se de um pequeno "brainstorm", que decidi partilhar, sem qualquer pretensão da minha parte.

    Brincando com o Latim e possíveis interpretações do nome "PORTUGAL", dividi primeiro em 2 palavras:
    PORTU - GAL

    Olhando para o símbolo heráldico, os olhos são levados, pela geometria do desenho e pelas cores, a olhar para o centro, onde identifico uma porta aberta com o interior vermelho.

    Sabendo que entre as variantes mais antigas do nome PORTUGAL houve PORTUCAL, fiz o mesmo exercício, dividi em 2 palavras:
    PORTU - CAL

    O mais comum, seria passar depois de PORTU para PORTUS, mas não é isso que está no símbolo, não é um porto mas sim uma porta ou um PORTICO -> em latim PORTICUS.

    Nesta fase -> PORTICUS CAL

    Uma pesquisa num dicionário de Latim revelou várias palavras começadas por CAL, a exemplo:
    calco, calcare, calcavi, calcatus, caleo, calere, calui, caldus, calda, calidus, calida, etc.

    Sabendo que a "cal", liberta calor quando em contacto com a água, e olhando para o vermelho no símbolo e "possível" Sol no topo, dessas palavras destaquei, uma forma em verbo:
    caleo, calere, calui, -
    #2
    verb

    conjugation: 2nd conjugation
    voice: intransitive
    Definitions:

    be hot with passion/inflamed/active/driven hotly/urged
    be/feel/be kept warm
    Age: In use throughout the ages/unknown
    Area: All or none
    Geography: All or none
    Frequency: Very frequent, in all Elementry Latin books, top 1000+ words
    Source: “Oxford Latin Dictionary”, 1982 (OLD)

    Associar vermelho, cal e sol a "be hot with passion/inflamed/active/driven hotly/urged be/feel/be kept warm", não me pareceu descabido.

    Teriamos agora PORTICUS CALEO ou Porta Quente/Vermelha.

    Seria desproporcionado, pensar que este símbolo representaria, à época a visão de "Portucal" como uma Porta para a zona "Torrida" ou para "OESTE" (uma vez que o calor do dia se sente para POENTE e não para NASCENTE)?

    Não conheço suficientemente o latim para saber quão vulgar seriam abreviaturas, mas reconheço que raros são os documentos que não as têm.
    Pergunto também se seria difícil Porticus Caleo passar primeiro a Portus Cale e posteriormente a Portucale?

    Abs,
    Djorge

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    1. Caro Djorge,
      nesse sentido podemos simplificar notando que "calor" ou "caldo" começa por "cal".
      Mais concretamente, parece-me poder-se fazer uma interpretação simples do símbolo da porta no Rolo de Zurique:
      - Sob fundo azul, representando o mar, abre-se uma porta branca, e associando o branco à cal, poderíamos ler rapidamente "porta-cal", como eventual trocadilho para "portucale".
      Acresce que o bezante (ou círculo) amarelo está na posição do meio-dia, e representando o Sol, isso significaria a direcção Sul (aliás Sul é ainda uma variante fonética de Sol).
      Ou seja, poderíamos ler que "no mar abre-se uma porta para Sul", e isso não estaria longe de explorações que D. Afonso IV estava a fazer, quando declarou ao Papa a descoberta das Canárias.
      Faltaria interpretar o vermelho interior à porta... e se lermos como símbolo de coragem, pode ir no mesmo sentido, mas se lermos como símbolo de força, guerra e sangue, também podemos ver ali uma abertura de hostilidades a Sul, que foi umas décadas mais tarde representada pelo esforço de guerra em Marrocos.

      Continuo sem ter grande opinião sobre este assunto, porque me faltam demasiados dados. A única coisa que é importante é sinalizar a presença desta "anomalia", a juntar às centenas de outras.

      Abraço.

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    2. Apenas mais uma "curiosidade"!

      Olhei para o brasão de pernas para o ar o que me permitiu ter outra interpretação do "pórtico".
      Lembrei-me das aulas de geometria no liceu, parecendo-me, o símbolo, indicar uma possível projecção de um barco.
      Intencional ou não, o que é facto é que as portas abertas, o degrau e o contorno do "pórtico", assemelham-se muito a uma planta, alçados laterais e frontais de um barco ou estilização de um barco.

      Abraço,
      Djorge

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    3. Curiosamente, colocando o brasão ao contrário, vejo um escudo mais longo invertido, um pouco na linha do que acontece com o brasão de Caldas da Rainha:
      https://pt.wikipedia.org/wiki/Caldas_da_Rainha#/media/Ficheiro:CLD.png

      que é um (único?) brasão municipal que não respeita as regras clássicas da Heráldica, porque coloca os dois escudetes fora do escudo principal, que aparece assim distorcido.

      Sim, mas tem razão, as chamadas projecções ortogonais do desenho, permitem ter essa imagem de um barco. Mesmo sendo acidental, continua a ser interessante.
      Obrigado.

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  3. Seguindo o seu raciocínio vejo o Brasão do Reino da Galiza com uma Porta em destaque simbolizando o Reino de Portugal.

    Os Portos sempre foram Portas.
    Do Francês: Port (Porto) e Porte (Porta).
    Para quem desenhou aquelas armas, Portugal era uma espécie de Porta-Gal. Um Reino que era uma nova Porta sob a Velha Galiza.

    Ivo Reis Fernandes

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    1. Pois, mas nesse caso parece-me que faltaria uma referência à própria Galiza.
      Ou seja, parece-me que aí faria mais sentido no topo da porta estar um cálice (símbolo do brasão usado para a Galiza).

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    2. Caro Ivo,

      Portos serem portas, como metáforas, sim concordo.
      No entanto, Portos são e sempre foram Portos e Portas, são e sempre foram Portas, não sendo necessário recorrer a outras línguas para defender o seu ponto de vista, pois se formos para línguas nórdicas ou até para o Basco, a teoria que Portos são Portas "afunda-se".
      A ligação dos dois termos terá, possivelmente, nas línguas mediterrânicas, uma origem em Portal ou Pórtico, (que em maçonaria é constituído por poste+poste+lintel=pórtico).
      A utilização do pórtico estrutural em Portos, existe desde os primórdios da navegação, a sua existência como cais, por exemplo com estrutura em estacaria de madeira e laje tabuada.
      Dito isto, a interpretação que faz sobre a Galiza, é tão valida como qualquer outra.
      É, como as outras, resultado da falta de informação factual que comprove o contrario, o que não a valida como factual, mas também não permite ser descartada por falta de factos que comprovem o contrario. Isto, remete-nos para o tema inicial, da "desculpa" que por erro do executante que por desconhecimento "fez mal".

      Sobre os três (algos) brancos (prata) em fundo azul.
      Por falta de prova, que o executante sabia o que fazia, assume-se que errou, ainda que no que toca aos restantes brasões tenha mantido coerência com o que é conhecido de outros autores contemporâneos.
      O que resulta desta não conformidade é a questão. Quem errou? O autor ou o leitor?

      Visto que a mensagem que nos chega hoje, não é clara, podemos argumentar erro do emissor, neste caso o autor. Não podemos, no entanto, esquecer que a mensagem, não se destinava ao leitor do século XXI.

      A sua interpretação é válida por encaixar o brasão numa estória “à medida”, o que parece perfeito, tal como parece perfeito que em 100 anos de reinados, os reis de Portugal, não tivessem brasões familiares próprios, não tivessem origens diferentes, e tenham querido manter uma "imagem de marca" de país como brasão de família.
      Na minha opinião, o que presenciamos neste documento, são as armas do REY e não as armas do REINO, ainda que esteja escrito “velhas” e “novas”.
      Seguindo o seu raciocínio poderemos então dizer que, o autor estrangeiro a Portugal, europeu que não reconhecendo a “nova” imagem do REINO, apresenta-a como "Nova" imagem do REY. Apresenta a que conhece como "Antiga" imagem do REY, o que permite também concluir, que houve algum esforço para a divulgar como brasão, independentemente de estarmos habituados a associar as armas do REINO como armas do REI em Portugal.
      O facto desse brasão, não ser conhecido ou dado a conhecer em Portugal, os dias de hoje, é que é mais estranho.

      Repare que o brasão de "Afonso III" também se encontra no rolo de Herald, (cujo original não conheço), aparece retratado pelo site www.aspilogia.com com um escudo vermelho com 3 quadrados brancos, cada um com 5 besantes negros e por isso diferente também do brasão dado a conhecer como do REINO. Este brasão tem a particularidade de ser muito semelhante ao brasão do “poeta?” von Stadegge que surge no Códice Manesse datado de 1290.
      von Stadegge
      Link: https://doi.org/10.11588/diglit.2222#0510

      Afonso III no Herald Roll (segundo www.aspilogia.com)
      Link: http://www.aspilogia.com/HE-Heralds_Roll/index.html

      Comparando os dois coloco a questão, quem errou? Ou autor do site que neste caso é o "leitor"? o autor do rolo? e caso haja ligação entre os dois como interpretar?

      Cumprimentos,
      Djorge

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  4. Bem,

    Demorou mas encontrei uma 2ª representação do Brasão com Pórtico.
    Não diz Portugal mas sim "Portuo".

    Link: https://www.e-codices.unifr.ch/en/csg/1084/40

    METADATA
    Language: German
    Manuscript Summary: St. Gall Abbot Ulrich Rösch's (1462-1491) book of heraldry, containing 1,626 coats of arms of prominent people from the laity and the clergy, mostly from the southern region of Germany. This heraldic book was probably prepared in the Heidelberg workshop of Hans Ingeram for an unknown customer from the area between the Neckar River and the Upper Rhine. In the 1480s St. Gall Abbot Ulrich Rösch purchased the volume and had numerous coats of arms from Swiss and German border areas added in the back pages; these were drawn by Winterthur artist Hans Haggenberg. One of the most important heraldic record books of the 15th century.

    Pela Metadata, podemos ver que é posterior ao Rolo de Zurich, mas penso que o Rolo seria mais legível à altura que este manuscrito foi feito.

    Ainda assim destaco, além desse brasão, tem uma outra página com outro Brasão que nos é mais familiar:

    https://www.e-codices.unifr.ch/en/csg/1084/41/

    Especialmente o texto de introdução ao brasão.

    Abraço,
    Djorge

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    Respostas
    1. Caro Djorge,
      boa pesquisa a sua, ao ter conseguido encontrar um brasão similar.
      Neste caso, as cores de fundo são austríacas, e as portas mais parecem portas de um armário... ou seja, do género "esqueletos no armário".

      Pois, e com efeito as armas seguintes são ligadas a
      "dona Leonor, Romanor Imperatrix semper augusta"...

      ... ou seja, a Leonor, filha de D. Duarte, que casou com o Imperador Frederico III, e foi depois mãe do Imperador Maximiliano, e seria bisavó de Carlos V.

      A presença da flor-de-lis verde é característica do brasão do avô, D. João I, e faria parte dos brasões usados até D. João II.

      O mais curioso é o uso da cor verde...
      Procure-se nos brasões medievais a presença da cor verde, e ver-se-à que é coisa muito difícil de encontrar.
      Porquê?
      Porque, supostamente era uma cor inicialmente reservada também para a protecção dos camponeses, já que a cor verde se associava à verdura silvestre ou selvagem. Aliás por essa razão foi entendida como cor de África, e a maioria dos países africanos acabou por adoptar essa cor..

      Abraço.

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