Alvor-Silves

domingo, 22 de maio de 2016

Discurso do mééé - todo! (5)

Uma prova de que o "subconsciente" nada tem a ver connosco é razoavelmente evidente. Afinal, se nos lembramos do nosso papel enquanto observadores de uma ilusão fabricada num sonho, nunca nos lembramos do nosso papel enquanto criadores dessa ilusão. 
Ora, se um sonho fosse fabricação do próprio, qual a razão pela qual a memória só registaria o nosso papel enquanto observadores, e nunca o papel enquanto criadores dessa ilusão?
A questão é que quando fabricamos um enredo ficcionado, entendemos a razão da sua criação, não nos colocamos de fora, assumimos o controlo. Acontece por vezes, ao acordar, querer prolongar o sonho, e aí não hesitamos em estar conscientes de ambos os lados; mas se inventarmos a sequência, deixamos de estar num sonho, estamos apenas a fabricar um prolongamento da história enquanto Autores. Ao assumir esse controlo, não se trata de um sonho, mas apenas de um pensamento, de uma idealização de uma história.

Desde os primeiros tempos em que se inventaram contos, em que um Autor idealizou uma situação com diversos personagens que não correspondiam a nenhuma ocorrência real; desde essa altura, que o Autor se deve ter visto num papel semelhante ao de um Deus, com carácter discricionário sobre o destino das personagens. 
Porém, mesmo nessa situação, em que aparentemente o Autor detém todo o controlo sobre o destino dos personagens, há um elemento de imprevisibilidade que nem o Autor controla... porque simplesmente o próprio não prevê o seu próprio pensamento
Numa peça elucidativa deste aspecto - "Seis personagens à procura de um autor", de Luigi Pirandello, os personagens podem ganhar uma vida própria no espírito do Autor, de forma que confrontando o próprio com os seus valores, podem questionar o seu destino na peça, quanto ao nexo, à clareza, à justiça ou equilíbrio dos seus papéis.
Pirandello (ao centro) - "seis personagens à procura de um autor" (imagem)
Para além disso, os personagens quando não reduzidos a uma única obra, ganham uma vida própria na mente dos leitores, que pode ser bastante diferente da idealização do Autor, influenciando-o quanto ao desenho ou desfecho de novos capítulos da série.

Quanto aos personagens da "vida real" vemos facilmente dois tipos de atitudes. No contexto religioso, o crente, temeroso obediente à potência do Autor, procurará evitar um destino nefasto na história. Ou ainda, sendo um personagem escolhido para sofrer num livro, terá a esperança de ser escolhido para usufruir, na última obra... intitulada "Paraíso". Fora do contexto religioso, normalmente os "porquês" são banidos, é assim "porque sim"... e a ciência não se preocupa com "porquês", diz apenas como é, mas reserva a cada um a ilusão de que tem potência própria para modificar o seu destino, ou uma parte dele. A versão científica oscila actualmente em admitir que o passado determina o futuro, ou que há um factor caótico que escreve a história, em substituição à escrita divina. Isso é praticamente uma mudança do nome e qualidade do Autor, e não propriamente uma mudança substantiva. Consiste basicamente em definir o Caos como Deus, e entendê-lo como cego e surdo a preces.

Primeiro, convém entender que ninguém escolhe o contexto em que aparece, e as escolhas que vai fazendo são tão ou mais determinadas por esse contexto, do que propriamente por opção pessoal. Acresce que um "criativo", a menos que copie outra obra, pode ter uma ligeira ideia do que pretende, mas só no final da obra feita verá o resultado. Portanto, a ideia de que um autor controla por completo o processo de criação é completamente ilusória. Na melhor das hipóteses, foi fazendo escolhas de vida que favoreceram o aparecimento natural de certas ideias, que depois levaram à obra final... e só isso conseguirá explicar. Havendo várias pessoas em circunstâncias semelhantes, é praticamente uma questão de "sorte" surgir uma ideia num e não no outro. Mas não é uma questão de sorte fazer uma obra literária japonesa, sem saber japonês, nem é uma questão de sorte ser um mestre em xadrez, sem saber as regras... esses casos são simplesmente fraudes, ou impossíveis.

De igual forma, é mera fraude pretender que a Austrália, estando na rota de múltiplas viagens, de portugueses, espanhóis, holandeses, franceses, etc... não foi descoberta na parte oriental até que Cook ali desembarcou. É fraude semelhante pretender que na sua primeira viagem Colombo tenha sido o único a lembrar-se de navegar para Ocidente, quando desde Diogo de Silves, os portugueses fizeram inúmeras viagens para os Açores, e mais além. 
Ou seja, mesmo que a história seja uma obra de ficção posterior, compromete os autores e actores a encenação que nos ensinam, de uma palhaçada sem sentido nenhum.
O problema não é ser difícil apurar a verdade, o problema é ser ensinada uma mentira descarada... ao ponto de fazer mais credível uma mitologia, como fonte de informação verdadeira.
Por isso, por muito estranhas que possam parecer algumas hipóteses que fui aqui colocando, todas elas merecem mais a denominação de História, do que a historiazinha bacoca e infantil que é divulgada e ensinada. Não por serem considerações verdadeiras, mas apenas por não se resumirem a invenções evidentemente falsas.

É claro que quando temos uma boa parte da população a preferir ter a benção divina, seja jogando rios de dinheiro em jogos de sorte, seja favorecendo fraudes do poder, que lhe dão um quinhão da renda, seja aceitando qualquer forma de ganhar mérito sem o ter, invocando deuses ou poderosos para as suas ambições pessoais, então essa população nunca será livre. Estará sempre presa a um mundo de ilusão, que lhe promete tudo, em troca da fidelização da sua alma à falsidade... e se for um paraíso, será apenas um paraíso canino.
E a revolução não é feita na forma de nenhum movimento a que se pertença, porque pertencer é o primeiro passo para deixar de ser. A fidelidade a uma causa é o primeiro passo para comprometer a liberdade, e a importância das coisas nunca será medida pelo número de adeptos, mas apenas pela sua intemporalidade. A Gioconda, ou mona lisa, será o quadro mais importante do Louvre, mas o que é mais notável nesse quadro é que passaria completamente despercebido, e ninguém lhe faria a menor menção, se não tivesse sido assinalado na nossa educação como obra fundamental a ser vista. O que é mais notável nesse quadro é que ilustra como funcionamos como carneirada, que se dirige aos pontos escolhidos pelos pastores, bastando para orientação uns quantos latidos caninos. E em coro fazem mééé... partilhando entre nós o foco de atenção escolhido, aguardando novas instruções para novos focos de atenção; sempre negligenciando a própria opinião, e esquecendo que para descobrir a nossa importância, para sermos livres de todos os medos, de pouco ou nada adiantará seguir qualquer manada.

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