Alvor-Silves

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O Tonante (2)

Das diversas observações no texto anterior, a que mais interessa aqui é a questão da domesticação animal. É claro que poderíamos pensar em guiar, ou enguiar, o texto por múltiplas curvas linguísticas ao Ton do Tonante, em folhas ao tom de Outono, sinal da repetição do ciclo solar. Outono, não apenas pelo regresso do que chove de Jove, mas também pelo sonante Tonante associado aos raios do filho de Raia. Curiosamente, estação ainda aconselhada para a pesca de atum.

Indo pelo lado da Cavala, parente menor do Atum, seguiríamos na direcção da Anedota, notando que o termo originalmente se referia a anedocta enquanto conhecimento não dotado, não ensinado, secreto. De certa forma, ao douto escaparia o anedouto, ou seja, as anedotas dos Anedotos, nomeadamente a difusão e velocidade de propagação da anedota, fora dos circuitos oficiais. 
Ora, já elaborámos bastante sobre os Anunnaki, novo nome para os Anedotos, no texto "Cobertura de Anedotos", e não há propriamente grande diferença em disfarçar-se com um bacalhau ou com um atum... a dimensão da vestimenta poderia ser maior, mas o mau cheiro seria o mesmo.
 
Um recorde na pesca do atum (quase 1 Ton, de peso) e os Anedotos disfarçados de peixe.

Se há algo a acrescentar, que julgo que ainda não referi, por não ver grande importância, é que sendo a cavala nome quase idêntico a cavalo, também bacalhau na pronúncia nortenha é próximo de baca, e de certa forma Athenaeus entendia o atum como um -do-mar. [Acrescentou Bartolomeu, num comentário incluso, que os atuns da variedade Albacora, são chamados bácoros-do-mar]

Bom, seguimos esta caldeirada pela observação acerca do deus egípcio Apis:
                           "Apis served as an intermediary between humans and an all-powerful god (originally Ptah, later Osiris, then Atum)."

Acontece que a representação de Apis, que serviria como intermediário divino com Atum, era a representação bovina, touro com o disco solar O sobre o U em "cronos", noutros tempos.
Por isso, se parece algo estranho Athenaeus referir a alimentação de Atum com bolotas dos "carvalhos-marítimos" (o atum, como a maioria dos grandes peixes, é suposto alimentar-se só de peixes mais pequenos), é sabido que o gado bovino, tal como o suíno, pode ser alimentado com bolotas. Ou seja, noutros tempos Atum teria o touro Apis como intermediário, e aí sim faria sentido falar em bolotas. Uma tradução fora de tempo, tiraria os cronos que levavam a Atum.
Por outro lado, o aspecto da bolota do carvalho, do quercus, não será de dissociar do nome da árvore, e mais uma vez remeter a divindades pagãs ainda mais antigas, e cujo nome permaneceu em Anedotas.

Ainda nesta divagação pouco importante, notamos que Apis era a palavra latina para abelha... e de que maneira podemos ligar o gado bovino à apicultura? - Não ligamos, porque querer ligar tudo normalmente é encarado com a mesma arbitrariedade de não querer ligar nada.

No entanto, serve a pergunta, essa sim importante - qual o candidato mais plausível para ser o primeiro animal domesticado?
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A velha abelha, ou velha ovelha?
O vi no ovino, ouvi no ovino, ou vi no ovino?
A conjugação de "ouvir" mudou, a criança diz "eu ouvo", o adulto diz "eu ouço", não se resolveu a ambiguidade fonética, apenas o irregular "osso" sucede ao regular "ovo" infantil.
Ouve o que houve, ou houve o que ouve, seria o haver, um a ver dirigido pelo ouvir, um presente feito de fé no ovo passado, ora contradição, ora com tradição, ora contra dicção, oral.

Entre ouve, ou vê o que houve, o aproveitamento dos animais envolveu um grande entendimento dos animais, tal como o aproveitamento da agricultura envolveu um grande entendimento da Terra e dos Tempos, um tempo solar, cronometrado por Cronos, e outro tempo do céu, donde chove de Jove.
Importa pois alguma ponderação sobre os termos, para além da invocada, ou imbocada, co-incidência. Como já dissemos, co-incidência também é fazer frio no inverno e calor no verão, até que outras incidências levaram a uma cedência na coincidência.

Ovos e Ovas
O aspecto ovular do cacho de uvas, surge como ovas, onde cada ovinho fez "o vinho".
Não nos querendo afastar demais do assunto, este ovo continua pelo latim, que vai de ovis a bovis, ou do ovino ao bovino. Aqui os termos parecem ter perdido todo o sentido ligado ao ovo, e seria altura de meter a viola no saco, nesta deriva linguística... afinal, os ovinos não dão ovinhos!
Será tempo de dizer "é uma ova, e não ovo mais". Não sendo ovas de esturjão, parecem ovas de intrujão, e em vez de caviar, parecerá ser sempre a aviar.
Independentemente disso, se há registo que aponta para a carne da carneirada, no início da domesticação animal, acho que não devemos excluir como ovinos primordiais, os ovinos que davam mesmo ovinhos... os galináceos. Porquê?

Gallus Gallus
Somos remetidos às paragens remotas do costume - Melanésia e Oceania, se atendermos ao galo bankiva, de Java, galo selvagem que é apontado como ascendente dos galináceos domésticos.
 
Gallus gallus - galo selvagem, e sua distribuição - Melanésia. 

Porquê este candidato? Porque praticamente não alterou o seu aspecto inicial, e tanto sobrevive em cativeiro, como no estado selvagem - ou seja, a domesticação não implicou nenhuma necessidade de mudar as suas características originais. A ancestralidade do galo enquanto animal doméstico tem registos apontados para, pelo menos, 5000 anos, o que é metade do admitido para a domesticação do gado caprino.
Na hipótese de migração, sugerida nos haplogrupos humanos, da Oceania em direcção à Europa, em tempos glaciais, o seu eventual transporte, especialmente para regiões europeias, seria complicado, sob efeito de frio rigoroso, dado o seu habitat natural.

Portanto, tentando forçar o nexo da raiz linguística, parece ainda assim possível que, como substituto alimentar aos "ovinos galináceos" que punham ovos, essa tribo migrante tivesse visto noutros "ovinos" um igual aproveitamento doméstico. A razão fraca que parece favorecer esta hipótese é a semelhança entre ovis e bovis, ovino e bovino, algo que aparentemente só teria nexo pela semelhança da domesticação, sendo certo que, por exemplo, o termo caprino quebra essa raiz comum... mas devemos ter em conta as influências e variações, por outras razões.
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Basiliscos e Fenix
Normalmente os galos parecem passar um pouco ao lado da bestialidade mitológica, mas esse não é o caso dos basiliscos, monstruosos galináceos (ou serpentes) capazes de matar com o olhar - e de serem assim aniquilados com o olhar sobre si mesmos (poderosa figura metafórica, como a da medusa).
A fénix também pode ser vista com um certo aspecto galináceo, e a mitologia de renascer das suas cinzas, contém um aspecto do "ovo e da galinha", na questão da auto-criação, ou ciclo criador, subjacente ao deus egípico Atum.
Por outro lado, nem sempre é claro que o entendido como cabeças de águias não possam denotar outro tipo de aves... como no caso de Anedotos:

Portanto, seja a fénix fenícia, ou o galo galaico, filho dos céus (var-celos), para além do carnaval caldeu dos Anedotos, havia uma certa raridade no galo como alimento grego, sendo iguaria exótica e cara. A tempo romano, talvez após o fim de Cartago, os galináceos tornaram-se comuns na Europa - e acerca da palavra romana "gallus" é dito:
But it also has an ancient association with Gaul (see Gallic), and some speculate that this is the source of the word, "on the assumption that the Romans became acquainted with the cock from Gaul, where it was brought by the Phoenicians.

Dieta Paleolítica
Os primatas não são normalmente carnívoros, a macacada gosta mais de fruta, mas essa dependência seria insuficiente em regiões não tropicais, pelo que associada à inteligência também favoreceu muito o estabelecimento humano a faculdade de ter um estômago flexível, tornando-se praticamente omnívoro. Juntou-se a esse assunto o fogo, para outro processamento alimentar. Assim, certamente que os ovos de répteis ou aves, seriam um alimento de mais fácil obtenção do que a caça, especialmente havendo aves, estes galináceos, que sobreviviam bem ao cativeiro.
A questão de sobreviver bem no cativeiro, não se aplicava apenas a outros animais, e esta poderá ter sido uma infeliz conclusão. O que sabemos doutros primatas, por exemplo chimpanzés, aponta também num sentido mais macabro:
Anthropologists such as Tim White suggest that cannibalism was common in human societies prior to the beginning of the Upper Paleolithic, based on the large amount of “butchered human" bones found in Neanderthal and other Lower/Middle Paleolithic sites. [Wikipedia: Tim D. White (2006-09-15). "Once were Cannibals". Evolution: A Scientific American Reader.]
Afinal, desde os primórdios até hoje, sempre se estabeleceu uma estrutura social em que uns comiam à conta de outros criados para tal - escravos, servos e assalariados, foram apenas aspectos de evolução moral, mas o regresso à selva, sem restrições morais sob as acções, esteve sempre latente. O muro moral, começou por ser trabalho religioso, uma autêntica revolução de consciências, que formou algumas restrições que a selva não impunha... o porco e outros animais foram substituindo outro tipo de sacrifícios.

A palavra inglesa "game" não significa apenas jogo, significa também a caça de animais não domesticados, não necessariamente gamos ou veados. Portanto, nalguns casos a caça é apenas um jogo, ou o jogo é apenas a caça, e o troféu é ainda a cabeça capturada. Porém, quando se dá caça a uma cabeça, é porque a cabeça do caçador foi capturada no confronto de ideias.

Apis Mellifera
Entre os aproveitamentos naturais, não terá escapado à atenção europeia o mel, conforme é atestado na Cueva de las Arañas, onde há uma representação (assumida com 8 mil anos) que é facilmente interpretada como uma recolha de mel de uma colmeia, com abelhas circundantes:
Cueva de Las Arañas (Valencia, Espanha) - primeiros apicultores...

Já há bastante tempo falámos de Berlanga del Duero cujo símbolo é um urso numa colmeia

... e também de Gorgoris, rei mítico da Lusitania, que teria o cognome "Melícola", por ter recebido dos deuses o segredo do mel. Abundando na Europa as referências ao urso, será ainda provável que tenha saído da observação do seu comportamento a conclusão para o primeiro aproveitamento das colmeias selvagens. As vantagens das colmeias não se esgotavam no mel, e a cera serviria as velas, tal como aconteceria com o azeite nas antigas lamparinas... a preservação da chama foi sempre assunto importante.

Ovis Aries
Para além da Cueva de las Arañas, que mostra uma perseguição a gado caprino, na Cueva de los Letreros (já mencionada por Annete Meakin em 1904), em Almeria, temos também uma ilustração do que se tem entendido como um feiticeiro com "cronos" caprinos (note-se ainda o símbolo da foice, a foice adamantina, associada a Cronos):
Diversas imagens da Cueva de Los Letreros 
e esculturas modernas correspondentes em Almeria.

A principal diferença entre o "cronos" caprino e bovino está no formato do V divergente caprino face ao U convergente bovino.

De entre as diversas raças ovinas, a "merino" era a mais considerada, e o seu segredo guardado pelos espanhóis ciosamente, até há poucos séculos. Até há pouco tempo era considerado que o muflão da Córsega seria o ancestral das raças caprinas domesticadas, mas o corso passou, e o habitual carnaval dos carneiros coloca-se agora no muflão iraniano, sem que se tenha estabelecido esse nexo. Já aqui mencionámos o haplogrupo das cabras e não adiantamos muito mais.

Parece-nos apenas que conseguir a domesticação de animais antigos, sejam muflões em montanhas, grandes bovinos taurinos, suínos do javali (que existe até Java), equínos ou outros - conseguir que eles se aguentassem e reproduzissem em cativeiro, parece mais complicado. Acresce a isso a série de evoluções genéticas para apurar raças até ao nível mais ou menos estável com que foram aparecendo na Antiguidade. Os animais domésticos já pouco tinham a ver com os selvagens, e as hipóteses de evolução feral (ou seja, de raças saídas de animais domésticos que se libertaram), são ou muito próximas dos selvagens, ou muito próximas dos domésticos, pois os híbridos ficavam estéreis.
O que parece pouco provável é que toda a evolução da domesticação até uma estabilização não tenha ocorrido num ambiente muito estável, durante milhares de anos.
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28/9/2014

2 comentários:

  1. Albacora, é conhecido pelas gentes da pesca como "bácoro do mar".

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    1. Touché. Não sabia, obrigado pela dica muito apropriada.
      Ainda estou para perceber se o Baco dá para o vinho, também parece emprestar nome a bácoros, a bacas, e até a bacalhaus.
      ;-)

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