Alvor-Silves

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O Tonante (1)

Tonante
Augusto manda construir um templo a Júpiter Tonante em 22 a.C., após o regresso das campanhas nas Astúrias e Cantábria, destinadas ao domínio completo da Hispania. 
O motivo invocado - ter escapado a um relâmpago de um trovão, associado assim a Júpiter:
Iuppiter Tonans, aedes (templa, Martial; ναός): a temple on the Capitol, vowed by Augustus in 26 B.C. because of his narrow escape from being struck by lightning during his Cantabrian campaign, and dedicated 1st September, 22 B.C. The name Iuppiter Tonans was a translation of Ζεὺς βροντῶν, which form appears in a Latin transliteration in two inscriptions.

Escapando do evento fatal, Augusto terá dado importância ao assunto, e o templo a Jovis Tonans passou a ser à época uma maior referência do que era o anterior, de Jovis Capitolinus
 

Restam do templo a Jovis Tonans três colunas e uma estátua (agora no Prado, e que se supõe não ser a original).

Encontraram-se também moedas de Augusto constando no verso o templo ao TON

 

Talvez a melhor tradução, face à linguagem actual, fosse Júpiter Sonante, que dá mais ideia do som do trovão do que "Tonante" (que remete mais a tunante). Porém, "tom" ou "som" são semelhantes no significado sonoro. A ligação de "sono" a "som" estará muito provavelmente à observação do ressonar ligado ao dormir (tal como o "bronco", de brônquios, se associa ao ronco).

O adjectivo Tonante referindo Júpiter, é usado por Camões. Numa curiosa e "severa" crítica aos Lusíadas, o Padre José Agostinho Macedo aproveita para fazer observações interessantes. Entre as quais está  (Censura das Lusíadas, vol. 1, p. 115)
Os Deuses das Lusíadas são muito tolos. Jupiter Tonante dá o Estreito de Magalhães anterior a Vasco da Gama no 2º Canto, e Thetis no 10º Canto dá o Estreio de Magalhães coevo ao mesmo Gama: "O Estreito que se arrea : Com o nome delle agora"!
Erram os tempos dos verbos e são Deuses que não conhecem nem o presente, nem o passado, nem o futuro.
Mais bonita ficaria a Edição rica das Lusíadas se lhe tirassem esta Oitava.
De facto, Macedo tem razão.
Se a narrativa dos Lusíadas é colocada em torno de Vasco da Gama, é errar o tempo do verbo ao dizer que já então, à época da viagem de Gama, o estreito teria o nome de Magalhães.
A crítica aos Lusíadas de Macedo, parece ser um bom pretexto para deixar estas observações pertinentes, que mais do que colocarem o texto em causa, questionam a história difundida.
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Aton e Atum
A designação abreviada TON, inscrita nas moedas romanas, motiva falar de Aton, a versão religiosa monoteísta do faraó Akenaton, que levou a um conturbado período religioso no Egipto. Esta nova divindade será a primeira manifestação registada de um Deus único, resultado provável da crescente importância de Amon (também "Amun", "Amen") e  (também "Ré", "Rei"). Convém notar que Zeus-Amon foi uma variante helénica que pode assim ser lida como Deus-Amen.
Amon aparece-nos pelo lado tebano, enquanto pelo lado de Menfis é venerado Pta (é entendido que a vogal em falta poderia ser lida em tempos gregos como Pita... mas certamente que as nossas 5 vogais permitem variantes). Havia ainda outra variante, de Heliopolis, venerando Atum.

Atum, Aton, Pta, Amon e a variante Zeus-Amon, podem ligar-se assim ao jovem tunante, ou melhor, a Jovis Tonante. Agora não apenas pelo "tom", mas também pelo papel de divindades centrais.

Usando aqui apenas a coincidência do nome, iremos falar de outro Atum - do peixe.
Nas Histórias de Polybius, apesar de faltar o Livro 34, o tradutor fez o obséquio de apontar outros autores que falavam desse livro. Em particular, é citado Athenaeus (VII. 302e) sobre a Lusitania, que diz o seguinte:
Polybius of Megalopolis in the Thirty-Fourth Book of his Histories, in speaking of that portion of Iberia called Lusitania, says that there are oak-trees planted deep in the sea, on the fruit of which the tunnies feed and get fat. So that we should not be wrong in calling the tunnies sea-hogs.
Ou seja, é sugerido que na Lusitania plantava-se no mar algo de algas para alimento e "engorda de atuns". Nesse sentido Athenaeus chama a estes "atuns" porcos-do-mar, e parece quase mencionar-se uma espécie de aquacultura, se este relato fosse entendido literalmente.

Seja como for, está registado que a Lusitania exportava uma grande quantidade de ânforas com Atum e Cavala, peixes aparentados, e conhecidos pelos seus grandes registos migratórios em alto mar.

Cultura
O culto ligou-se à cultura, e grande parte das primeiras divindades associavam-se não só à agricultura, mas também à cultura de animais domésticos. 
Suficientemente notável, a pesquisa que foi feita para a domesticação, nos primórdios ancestrais, não mudou muito. Desde as primeiras civilizações que vemos praticamente o mesmo registo de animais domesticados, e as mudanças fisiológicas foram enormes - veja-se o caso do cão enquanto variante do lobo. Uma casa na Antiguidade poderia ter os mesmos cães, gatos, porcos, vacas, cabras, etc.. os mesmos animais domésticos de hoje. Isso incluía ainda aves, desde galinhas a pombos, mas certamente que não incluiria peixes.
Agora, a questão é saber se não foi feita uma tentativa de criar peixes... sendo conhecidos os registos de enguias em piscinas romanas. As vantagens de aquacultura seriam claras - em vez de aventuras em mares complicados, haveria conveniência em criar perto em vez de ir pescar longe.

O caso das enguias é curioso, devido ao seu registo migratório de rios para o Mar dos Sargaços...
(imagem daqui)

Portanto, se algum pescador se lembrasse de querer saber onde iriam as enguias na sua migração, arriscaria ir parar ao Mar dos Sargaços, praticamente em paragens americanas.
Se as enguias funcionassem como guias desse caminho, do Minho ou doutro sítio, digamos que a sua função seria "em guias".

Raias Eléctricas
Quando falamos nos diversos tipos de enguias, lembramos as famosas enguias eléctricas, capazes de descargas quase tão potentes quanto as usadas na reanimação cardíaca. Porém, essas enguias eléctricas têm paradeiro no Amazonas, e segundo a historieta habitual, fora do alcance dos antigos europeus. No entanto, há um outro peixe com capacidade eléctrica - a raia:
Raia Eléctrica, com curiosas inscrições naturais no dorso.

Acontece que estas raias eléctricas eram conhecidas na Antiguidade, e há referências mesmo em textos de Platão:
The electrogenic properties of electric rays have been known since antiquity. The ancient Greeks used electric rays to numb the pain of childbirth and operations. In his dialogue Meno, Plato has the character Meno accuse Socrates of "stunning" people with his puzzling questions, in a manner similar to the way the torpedo fish stuns with electricity.
wikipedia (R. A. Martin, Electric Rays, 2008)

Portanto, vemos aqui que o fenómeno de electricidade não estava apenas presente nos "raios" de Zeus, filho de Raia, estava também num tipo de "raias", as raias eléctricas. E digamos, se quiséssemos pensar em termos de enguias eléctricas, talvez o termo lampreia, na decomposição Lamp-Reia não precise de lamparina ou de lâmpada esclarecedora (o termo "peixe-torpedo" também é bom pela ligação de "tor" a Thor, o equivalente a Zeus).

Tuna
Por outro lado, indo para o lado da Polinésia, o termo Tuna não serve para designar Atum, mas serve para uma divindade que é uma Enguia. Um dos mitos invoca Tuna como enguia doméstica da deusa Ina, ligada à Lua.
Mata o le Alelo - piscina na Samoa
associada à lenda da enguia de Ina (ou Sina)
 
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23/09/2014

Até aqui apresentámos um certo caldo de informação, e pelas múltiplas variantes haveria muito mais a juntar. Porém, não vamos deixar os ingredientes no caldo, sem fazer uma caldeirada, e por isso o tópico prossegue.

1 comentário:

  1. Obrigado pela referência, José Manuel.
    O artigo do Público parece-me interessante, e sem dúvida que aquela zona da Arrábida e cabo Espichel serviu para cultos e edificações que foram arrasadas. A ligação da Pedra de Mua ao continente Mu parece-me demasiado simplificada - e sei que dizer isso é estranho porque faço aqui várias associações desse estilo... porém convém notar que Mu estaria do outro lado, no Indico ou Oceania.
    Assim, para isso fazer sentido, conviria suster que "mu" seria um fonema popular indo-europeu, que atravessou de um lado ao outro.

    Já agora, parece-me mais revelador que o indicador indicasse o Índico, ainda antes de lá chegarmos e assim ser nomeado.

    Abraço.

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