Alvor-Silves

sábado, 21 de abril de 2012

Obelisco de 7

No centro da Praça de São Pedro, no Vaticano... bem à vista de todos os olhares do mundo, ergue-se um obelisco. A história do obelisco é relacionada com os cristãos, no sentido em que Tácito associou a sua presença no meio do Circo de Nero, onde cristãos teriam sido executados (incluindo S. Pedro). Não havendo erro Tácito (suspeitas de autenticidade começadas por Voltaire), esta seria a razão da colocação de um antigo monumento pagão no meio do centro cristão... foi aliás algo complicado, já que a deslocação do obelisco em Roma envolveu grandes meios, conforme ilustra a imagem (em baixo, à direita):
 
Obelisco do Vaticano, após a sua deslocação em 1586 (imagem à direita)

O obelisco encontra-se limpo de inscrições hieroglíficas (restam inscrições de imperadores romanos), mas não estava assim à altura do seu transporte... Quem organizou o transporte, Domenico Fontana, a mando do Papa Sisto V, deixou ainda uma descrição do que estava inscrito no obelisco:
Desenho do obelisco do Vaticano no livro de Fontana, aquando da deslocação
Pilar de Seth
Há obeliscos egípcios em diversas capitais mundiais - Washington, Londres, Paris, Roma (ver Agulhas de Cleopatra)... mas no caso do Vaticano, a lembrança de ser egípcio foi completamente apagada. 
É compreensível isso, dado o contexto cristão, mas ao mesmo tempo encontramos um texto de Diego Haedo (Topografia e Historia Geral de Argel, 1608), que se baseia numa descrição de Flávio Josefo nas Antiguidades Judaicas (Séc. I):
And that their inventions might not be lost before they were sufficiently known, upon Adam's prediction that the world was to be destroyed at one time by the force of fire, and at another time by the violence and quantity of water, they made two pillars, 19 the one of brick, the other of stone: they inscribed their discoveries on them both, that in case the pillar of brick should be destroyed by the flood, the pillar of stone might remain, and exhibit those discoveries to mankind; and also inform them that there was another pillar of brick erected by them. Now this remains in the land of Siriad to this day.
Esta descrição de Josefo é sobre Seth, e a partir desse momento falou-se dos Pilares de Seth, onde estaria inscrito um legado escrito do filho de Adão e seus descendentes. Quando Josefo diz que o pilar de pedra se mantinha até aos seus dias na "terra de Siriad", geram-se várias confusões. Primeiro, a céptica, dos que gostem de observar uma contradição "entre o pilar ter resistido e ser visível após o dilúvio", depois a geográfica, já que "Siriad" confunde Egipto e Síria. As dúvidas de resistência do pilar ao dilúvio, parecem algo ridículas (após o recúo das águas, seria possível tentar reencontrar o pilar e reergue-lo), já que normalmente provêm de quem também considera que o dilúvio não foi mais que uma cheia de um rio porque na Bíblia se fala num aumento de água de apenas 15 cúbitos (menos de 7 metros)... que cobria todos os montes.

Já a confusão geográfica sobre a Síria, ou Siriad, é interessante pois adiciona-se à existência dos templos de Heliopolis - havia a Heliopolis de Baalbek (Síria/Líbano) e a Heliopolis egípcia, curiosamente associada a um pilar do faraó Sesostris I, ou Senusret, que tem sido associado a Seti I e o liga directamente ao deus Set

 
Pilar de Set I ou Sesostris (Heliopolis, Egipto... actual e no Séc. XIX)

É provável que Josefo se referisse a este obelisco, enquanto o Pilar de Seth, filho de Adão. No entanto, convém dizer que o Obelisco do Vaticano terá também como origem a mesma Heliopolis (egípcia)...
Pode conjecturar-se que Josefo mencionava o Obelisco do Vaticano, ainda que o seu deslocamento para Roma seja contemporâneo a Josefo, e nada de concreto aponte nesse sentido... excepto que seria o mais importante obelisco a deslocar para o centro do Vaticano, a acreditar na sua mítica origem em Seth ou Adão.

O que diz Haedo?
Nuestro sapientissimo padre Adan (como Iosepho autor gravissimo dexó escrito) viendo que sus nietos y descendientes (que ya eran multiplicados en gran numero) començavam apartar-se del conocimiento verdadero, y fiel servicio de Dios, que el les enseñara ansi, como de Dios fuera enseñado: y temideo como hombre tan prudente, que siendo los pensamientos, y sentidos de los hõbres tan inclinados al mal, por discurso de algun tiempo, entre ellos se acabasse de perder todo el conocimiento de Dios: acordo de hazer como hizo, para remediar este mal, dos muy grandes, y muy altas colunas: una de ladrillo, y otra de piedra marmol rezio. De manera que el tiempo consumidor de todas cosas, o nunca o tarde las consumirsse: y en ellas de su mano entallo, y escrivio la doctrina de la Fé, y conocimiento de Dios, y la manera de su culto, y veneracion, conque de los hombres avia de ser honrado e venerado: y el mysterio de la venida del Messias: y juntamente muchas otras cosas de philosofia, astrologia, movimiento de los ciclos, curso de los planetas, y durasiõ de los tiempos y meses del año.
Y estas dos colunas ansi escritas, y entalladas (dize) que las puso en alto, para que todos las mirassen, y como eh unos libros pudiessen todos ler en ellas: de manera que fuesse (como el otro dezia de los libros) unos mudos, maestros q sin estruendo de bozes, advirtissen a los hõbres lo que devian de crer, y hazer en todo tiempo, y hedad: de manera que podemos dezir y afirmar con razon, que fueron estos los primeros libros de mundo; porq importa poco fuessen de piedra, y bronze, o de cortezas de Arboles y hojas, o de pergamino y papel, como despues por discurso de tiempo acostumbraron hazer los hombres.
(...)
... ou seja, citando Josefo, vai um pouco mais longe e diz que o "livro" escrito sob forma de pilar remontaria directamente a Adão, e preveria directamente a vinda do Messias, para além de conter considerações filosóficas e astronómicas. Juntar-se-ia a prática e conversação dos Santos Patriarcas, que por linha e sucessão directa herdaram de Adão e do terceiro filho Seth, listando depois Noé, Sem, Arphaxat, Chaynã, Sala, Heber, Ragau, Saruch, Nachor, Thare, Abraão, Isaac, Jacob e seus filhos.
(...) porque muchos tiempos, y por muchas edades se conservo el conocimiento de Dios en el mundo y q entre muchas naciones de Oriente, como Assírios, Chaldeos, Arabios, Egypcios, y otrostales quedasen despues perdido, muchas reliquias de buena y santa dotrina: y de todas las artes y ciencias liberales: de las quales naciones, deprendiendo los Griegos todo esto, por el discurso de tiempo (porque muchos deles, como Solon, Licurgo, Archita y Platon passaron en aquellas partes), y ornandolo, y poliendolo con artificiosas palabras, y añadienno algun poco de su casa, lo vienderon al mundo por suyo.
Explicitamente, Haedo denuncia aqui que o conhecimento grego (nomeadamente de Solon e Platão) teria bebido directamente de fontes primevas, e não reportava devidamente essa origem antiga.
Não é muito diferente do que sugerimos num texto anterior (Teogonias-3), porém aí era colocado o centro dos dois pólos na babilónia/caldeia... e de facto, a deslocação do centro de influência para a egípcia Heliópolis faz mais sentido, já que são conhecidas as boas relações greco-egípcias, e nem será surpresa que os gregos tenham sido herdeiros do conhecimento egípcio, já que a mistura que ocorre com a dinastia Ptolomaica trata como gregos uma multiplicidade de legados egípcios, e por exemplo Eratóstenes, Euclides, Ptolomeu, são tidos como gregos, bem como a generalidade do conhecimento vindo da egípcia Alexandria. A razão disto está muito ligada aos textos serem escritos em grego e que, com a mesma ligeireza, assumir-se-ia que todo o conhecimento actual, escrito em inglês, seria de origem americana ou inglesa.

Sete, Seti, Seth
Na Enéade divina de Heliópolis é natural que Seth fosse considerado o sétimo deus, depois dos cinco primeiros deuses cósmicos, a que se seguia a primeira geração: Isis, Seth e Osiris, e depois Horus.
Reparamos na ligação da apresentação de Isis alada e no estandarte aqueménida de Ciro:
 

As asas de Isis voam para o pavilhão aqueménida, com o detalhe suplementar de termos ao invés de Isis, um falcão, o símbolo de Hórus, seu filho. A relação entre Isis e Hórus surge ainda como mais uma manifestação de maternidade apropriada para o postal sobre o Puto de Vénus
Isis e Hórus, aqui a ligação maternal

Na mitologia ibérica de Tubal faz-se referência a reis Osiris-Júpiter e Hórus-Hércules Líbico.
Estes personagens seriam reis do Egipto que empreendem uma questa imperial contra a tirania, chegando à Ibéria para expulsar o tirano Gerião e os filhos Lomínios. Na versão ibérica Osíris mata Gerião, mas acaba morto pelos Lomínios e é vingado pelo filho Hórus. Na versão egípcia, Osíris é morto pelo irmão Seth, mas há também vingança do filho Hórus que, com ajuda da mãe Isis, acaba por destronar o tio Seth.

Se atendermos a que na Enéade egípcia o papel de Deus criador é desempenhado por Atum-Rá, a luta entre Osiris e Seth, filhos de Geb (deus da Terra, associado à Serpente), toma aspectos da rivalidade entre Abel e Caim, no sentido em que também Abel, o preferido, é morto por Caim.
Curiosamente, o terceiro filho de Adão, toma o nome Seth... e será deste Seth que surge a sucessão hebraica. Assim, o nome Seth aparece ligado ao mito hebraico pelo lado "bom", e ao mito egípcio pelo lado "mau". Não será tanto assim, já que o mesmo Seth é identificado a Tot, enquanto filho ou enquanto sua manifestação. Ora, acaba por ser Tot/Seth que tornará vivo o morto Osíris, e curará as feridas de Hórus, que substitui o Olho esquerdo (lunar) perdido no combate com Seth por uma serpente no chapéu (que seria usada pelos faraós). Como detalhe adicional esse olho de Hórus, estaria ligado a aplicações médicas...

 
Seguindo uma notável observação na Wikipedia, a ligação do olho de Hórus à
Medicina era representada pelo grafismo do R (semelhante a parte do olho),
mas deveria ser cortado... lê-se RX e fala-se só em conexões ao símbolo de Júpiter?

Pergunto - por que não reparar que a conexão directa da abreviatura "RX", para o olho de Hórus, é exactamente a abreviatura de "Raios X" ??
A escolha de um falcão como símbolo de Hórus, ao invés de uma habitual águia, à semelhança do que fará depois o imperador Ciro, é algo que merece alguma reflexão. Há algumas diferenças, no que diz respeito à velocidade, mas parece claro que é a acutilância da visão do falcão que marca a escolha de Hórus.
A "prenda" de Tot (também associado a Hermes) é literalmente uma visão RX. É natural que o significado RX seja uma "graça" do misticismo moderno, mas o ocultismo caminha lado a lado com a ocultação, a ocultação do conhecimento passado...

As colunas
Aparentemente estavam duas colunas em Heliopolis, e um site interessante, com ligações sobre este assunto encontra-se neste link... em particular apresenta um modelo do que teria sido Heliopolis:
Obeliscos em Heliopolis - modelo no Brooklyn Museum (NY)

O mesmo site apresenta uma "bizarra" ligação a Saturno... fantasmas pavlovianos, com  uma "ligação a Satan". É sempre engraçado ver coisas destas, ao mesmo tempo que deveriam saber que "Saturday", o dia de Saturno, é também Sabbath, o dia de Deus judaico. Mas aqui é ainda mais engraçado, pois a ligação a Saturno é feita pelo Sol... e "Sunday", o dia do Sol, é o dia de Deus cristão. 
Quando se vê o Sol, ou a luz, como algo mau... só pode corresponder a quem vê nas trevas algo bom para si!

A existência de duas colunas em Heliópolis, na "Siriad" egípcia... provavelmente uma cópia da original síria, com importação de monumentos, leva-nos assim às afirmações de Josefo e Haedo, sobre as colunas de Seth, onde se liga a coluna do Vaticano.
Curiosamente, foi-me agora indicado um texto maçon que dá conta das duas colunas, com o conhecimento pré-diluviano, que teriam sido descobertas por Hermes (filósofo) e Pitágoras (matemático):
No antigo manuscrito maçônico Cooke, (cerca de 1.400) da Biblioteca Britânica, lê-se nos parágrafos 281-326 que toda a sabedoria antediluviana foi escrita em duas grandes colunas. Depois do dilúvio de Noé, uma delas foi descoberta por Pitágoras, a outra por Hermes, o Filósofo, que se dedicaram a ensinar os textos ali gravados. Isto se encontra em perfeita concordância com o testemunhado por uma lenda egípcia, da qual já dava conta Manethon, segundo o mesmo Cooke, vinculada também com Hermes. 
É óbvio que essas colunas, ou obeliscos, semelhantes aos pilares J. e B., são as que sustentam o templo maçônico e, ao mesmo tempo, permitem o acesso ao mesmo e configuram os dois grandes afluentes sapienciais que nutrirão a Ordem: o hermetismo, que assegurará o amparo do deus através da Filosofia, quer dizer do Conhecimento, e o pitagorismo, que dará os elementos aritméticos e geométricos necessários, que reclama o simbolismo construtivo; deve-se considerar que ambas as correntes são direta ou indiretamente de origem egípcia. Igualmente que essas duas colunas, são as pernas da Mãe loja, pelas quais é parido o Neófito, quer dizer pela sabedoria de Hermes, o grande iniciador, e por Pitágoras, o instrutor gnóstico.  
in TRADIÇÃO HERMÉTICA E MAÇONARIA (1) de FEDERICO GONZALEZ
 (link cafc)

É claro que se sabe que a tradição maçónica é hermética... algo que contradiz a figura de Hermes, afinal o deus mensageiro. Felizmente este texto de Gonzalez parece seguir na direcção mais mensageira e menos hermética! 

3 comentários:

  1. Meu caro da Maia
    Excelente, tal como já estou habituado, desde que te conheço. Sei que vais tentar "fechar esta porta maçónica" mas, a tua referência ao "Dilúvio", recordou-me outra "estória" sobre um "mar (tal como os outros) já dantes navegado". Neste tempo de "águas turvas", atrevo-me a pedir-te que faças um "post" sobre:
    http://www.tvi24.iol.pt/tecnologia/mar-vermelho-moises-biblia-tvi24-exodo/1193367-4069.html
    Aquele grande abraço.
    Carlos

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    1. Caro Carlos, benvindo por arrasto a estoutras paragens, e obrigado pelas palavras.

      Ao fim de dois anos, em que muito escrevemos noutro blog, é razão de comemorar o teu primeiro comentário aqui!
      (só reparei muito depois que tinhas deixado um comentário no OdeMaia... foi numa altura em que desliguei por uns tempos)

      Eu já escrevi aqui várias coisas sobre os Mares Vermelhos... a última versava não um Sinai, mas sim vários Sinais:
      sinais-vermelhos.html
      em particular ligava a uma certa ilha Eritreia aqui perto:
      mar-eritreu-vulgo-vermelho.html
      e a separação de águas começou aqui:
      ebreus-do-ebro.html

      Meu caro amigo, obrigado pelo link, mas se leres estes links vais perceber que eu não darei muito crédito a essa passagem literal, ainda que seja engraçado ver universitários a afirmar a sua possibilidade.
      Eu já visitei o Mont Saint-Michel, que fornece uma passagem - ou não - consoante a maré.
      Temos um análogo em Portugal, no Baleal, e acho que Peniche chegou a ser assim também.
      É igualmente uma possibilidade física... uns passam quando a maré baixa, e os outros não conseguem quando a maré é alta. Imagino que isso também já tenha servido como hipótese.
      A novidade desta, do link que colocaste, é que seria menos periódica... dependeria de "ventos excepcionais". O mais engraçado é que tem uns mapas diferentes, algo parecidos com os que fiz... e que assumem um contorno diferente da linha de água.

      A razão principal pela qual o relato completo não bate certo com o "habitual" Mar Vermelho e Sinai, tem a ver essencialmente com os anos de travessia do deserto. Lê por favor o link "ebreus-do-ebro"... e diz qualquer coisa!

      As coisas aqui estão meio dispersas... como uma manta-de-retalhos, porque vão saindo ao "correr da pena".
      Hesito em juntar tudo num único texto, porque não acabei de investigar os detalhes... É mais fácil dizer o que não-ocorreu, o que está mal contado, aqui e ali, do que propriamente arriscar toda uma nova hipótese.

      Abração!

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  2. Meu caro da Maia
    Demorei a responder pelos motivos que conheces muito bem mas, penso que e ao contrário do “outro blogue”, os temas que abordas aqui nunca perdem a actualidade.
    Enviei-te aquele “link” como uma espécie de “provocação”, na linha do que fizemos durante o período que referiste e se não te importas, vou continuar nesse esquema.
    Amigão, a “historieta oficial” dos quarenta anos no deserto (e a Terra Prometida ali tão perto) só poderia ser, minimamente, sustentada se considerássemos que toda aquela multidão se deslocou em círculos. Ora, estes não têm “ponta por onde se lhes pegue” (se fosse em triângulos e estes se juntassem em pirâmides…) e a tal “historieta”, também não.
    Passemos, então, à nova “provocação”, a que dou o título sugestivo:
    “Se não falarmos, as pedras falarão” (Evangelho segundo S. Lucas)
    Nos tempos em que “outro tipo de águas” não me separava da Internet, deparei-me com “blogues esquisitos”, recordei-me de um e pedi à pirralha que encontrasse este “link”:
    http://www.dominiosfantasticos.xpg.com.br/id196.htm
    (Não te esqueças de “clicar na caveirinha”)
    Meu caríssimo amigo, chegou o tempo de eu “desligar” as minhas “comentadorices” (talvez faça a última para o blogue onde nos conhecemos). Porém, nunca desligarei de amigos verdadeiros e se o “cafc está a dar as últimas”, o Carlos tem esta “morada”, com as portas sempre abertas para os receber:
    carlos.f.correia@hotmail.com
    Aquele grande abraço.
    Carlos

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