Alvor-Silves

domingo, 8 de abril de 2012

Era dos Cobres

Os retratos de Fayum ilustram claramente o conceito de regressão civilizacional.
É sempre revelador olhar para o naturalismo numa pintura do período Romano-Egípcio, como no caso desta criança de Fayum (Egipto, Séc. I a.C):
que tem uma precisão quase fotográfica. Depois basta lembrar todos os retratos toscos (por exemplo na tapeçaria de Bayeux), ao nível de pinturas de crianças na escola primária, que caracterizaram a época medieval (ocidental e oriental) até ao Renascimento.
Ou seja, a pintores que dominavam as cores e a luz, de forma perfeita, na época romana (ver ainda os frescos de Pompeia ou Herculano), sucederam gerações dos mais inábeis pintores que há registo, fazendo parecer qualquer homem das cavernas como um sobredotado desenhador.

O aspecto educacional associado esquece este pequeno detalhe de regressão na técnica de pintura, e ensina uma lenta evolução que, ao fim de quase dois milénios atingiria uma técnica retratista, ou seja - levaria de volta ao ponto de partida dos retratos de Fayum. Assim, como dos gregos ou romanos restaram poucos registos contraditórios, sempre que se olhar para uma pintura ou escultura demasiado realista tender-se-à a vê-la como coisa recente, com poucos séculos e nunca como uma pintura milenar.

A ideia criada e ensinada, é a de que houve uma lenta evolução, semelhante à evolução que uma criança tem no seu conhecimento. Como essa ideia é transmitida na juventude, quando as crianças estão num processo evolutivo, a ideia de que a humanidade passou pelo mesmo caminho evolutivo é apelativa e facilmente apreendida pelos jovens petizes. Os legados greco-romanos são vistos como "excepções que confirmam a regra", servindo para apenas elogiar o prodígio pontual desses antepassados.

Poderá pensar-se que foi um problema com a pintura... mas é claro que não foi! Foi um problema transversal que afectou todo o conhecimento, desde as artes às ciências e tecnologia (relembramos a máquina de Anticitera e a pilha de Bagdade). 
A humanidade foi infantilizada regredindo para um pensamento primário, recorrendo a ensino dogmático, primeiro pela argumentação "magister dixit" - Idade Média, depois pela fama/prestígio - Idade Moderna e actual. Sofreu uma amnésia ou uma lobotomia... conduzida pela Invasão dos Godos e dos Árabes, que de povos "bárbaros" (alguns vindos literalmente da Barbária) passaram a potências dominantes que instalaram o seu referencial de subdesenvolvimento como referencial do futuro não-desenvolvimento. Do ponto de vista cultural e científico, estes povos permaneceram com os valores e superstições que tinham antes, como se tivessem feito um compromisso assumido de regressão universal. Conforme diz Galvão, toda a memória e legado anterior foi destruído, como se tivessem inveja do desenvolvimento dos povos que conquistavam.
Porém é demasiado redutor pensar que se perdia deliberadamente conhecimento, apenas por inveja... e afinal os povos que conquistavam, sob domínio Romano, já estavam também eles condicionados no seu progresso. O condicionamento tem origem anterior...

A história foi bem coberta, desde a Idade do Cobre. A complexidade de manufactura dos metais não está directamente ligada ao necessário desenvolvimento tecnológico para que tal acontecesse. É pretendido que sociedades rudimentares conseguissem produzir metal para armamento em massa, ao mesmo tempo que não seriam capazes de menores prodígios para conveniência do seu uso civil... por exemplo a simples orientação por mapas. Na Era do Cobre cobre-se um desenvolvimento tecnológico, do qual restam apenas alguns prodígios megalíticos. 

Parte do Cobrimento só seria levantado pelos Descobrimentos... autorizados!
Os cobres... as moedas, ajudaram e ajudam a consolidar o encobrimento, de forma mais inteligente, aceitando um descobrimento controlado. Iniciou-se a Era dos Cobres. Na dúvida, ainda alguém falou em Achamento... como no Achamento do Brasil! Podiam achar que achavam algo de novo, e por isso o achamento era um conceito bem mais fraco que o descobrimento. Alguns achamentos têm direito a ser descobertos, outros mantêm-se cobertos a troco de cobres.

Na Histoire des Terres Australes (Liv, XVII, Ch. XI) em 1764 diz-se:
On peut aussi attribuer, en quelque façon, à une Politique intéressée tant de Relations absurdes & ridicules qu'on a données de différentes parties de notre Globe, & surtout du Continent Austral, en ce qu'une connaissance plus parfaite de ces Pays ne s'accorderoit vraisemblablement point avec l'interêt de certains Corps ou de certains Particuliers, qui ont un grand crédit.
Este é o primeiro texto que encontro em que se denuncia a estupidez da não exploração do "Continente Austral"... ou seja da Austrália, por interesse de "certos Corpos ou certos Particulares"!
É aliás mais ridículo, porque nesse texto há até uma necessidade de especificar em que consiste esse continente, limitando a possível localização da Austrália. Essa estupidez será associada directamente à política das Companhias das Índias... e já aqui falámos de como essa companhia funcionaria como uma "boa companhia" para evitar "más companhias". O texto fala mais especificamente da Companhia das Índias Holandesas, mas sabemos que havia uma "companhia da índias" com monopólio em cada "potência descobridora":
(à excepção dos originais, Portugal+Espanha, as restantes companhias foram instaladas os reinos que saíram vencedores da Guerra dos Trinta Anos e que a partir do Tratado de Vestfália definiram o mundo moderno)

O texto francês alerta para os perigos do seu monopólio que se verificavam já também em França em 1764. Dois anos mais tarde, Cook inicia a sua viagem, e a Companhia Francesa fica fora desse jogo... e acaba extinta  por decreto real. Porém, como já se nota nesse texto, é estranha a atitude da Companhia Holandesa, que limitava de tal forma a actuação dos holandeses que prejudicava o próprio país(*). A atitude era tanto mais estranha, pois já se sabia que o continente era praticamente desabitado, havia terrenos eram férteis e suspeitava-se que as anunciadas tribos assustadoras pouco mais serviam do que de fábula para amedrontar exploradores.

O poder do Cobrimento saiu de imposição medieval de cariz religioso, ligado a um catolicismo fundamentalista, e ganhou nova expressão como consequência moderna dos interesses interligados das diversas Companhias das Índias. O encobrimento religioso deu lugar e forma a um encobrimento económico, justificado por aparentes interesses financeiros dos monopólios das "companhias das índias".
O metal continuava a ser o Cobre... os cobres dados aos mercadores justificavam o encobrimento dos descobrimentos. O controlo quase total exercido pela religião em épocas medievais dava lugar ao controlo quase total exercido pelo comércio oligárquico das companhias das índias...

As Companhias das Índias eram alvos visíveis e a revolta do chá em Boston, contra esse monopólio, prelúdio da Revolução Americana, mostrava isso mesmo. Por isso estas Companhias tornaram-se mais sofisticadas, as suas lojas tomaram forma secreta, e os nomes "Grande Oriente" saíram das Companhias das Índias estabelecendo-se em lojas mais selectas e discretas.

Após a derrota de Napoleão e do Congresso de Viena, em 1815, a nova ordem mundial passaria a estrutura económica para a forma Bolsista. Assim, no início do Séc. XIX consolida-se essa nova estrutura económica que irá dominar por completo a sociedade nos próximos 200 anos e na actualidade. A evolução das Companhias das Índias para a forma de Bolsas de Valores é notória (Bolsas de Valores de Londres, Paris, Nova Iorque...) passando a controlar todos os produtos e não apenas o comércio de importação das colónias.
No fundo, todo o mundo passaria a uma gigantesca Índia e assim controlado como uma grande colónia.
Conforme já dizia o Vice-Rei Francisco de Almeida, era mais útil ter governos locais conduzidos por marajás colaborantes do que empreender numa efectiva conquista. A política subserviente de alguns líderes de nações europeias transformou-os em simples marajás colaborantes duma Índia alargada a todo o mundo.

Com o mercado bolsista dá-se a primeira efectivação de acordos de globalização, em que as nações comprometem a sua independência a entidades financeiras ao assumir uma completa dependência a um comércio controlado essencialmente por grandes entidades financeiras e bancárias. O comércio globalizado, passa a ser exercido sob controlo de organizações transnacionais, como é o caso da OMC - Organização Mundial do Comércio (ou do FMI). As desregulações e impunidades permitem uma actuação sem-rosto e sem-fronteiras, controlando todos os "cobres". A Era dos Cobres implantava-se, cobrando o encobrimento.


(*) é citado Jean de Wit: "Quand la Compagnie des Indes Orientales, dit-il, a été à un certain degré de richesses & de puissance, son intéret est devenu contraire à celui de son Pays" (...)
A França, com o fim da sua Companhia das Índias vê também a sua situação financeira aproximar-se da bancarrota. 
Luís XV terá dito "aprés-moi, le déluge" - e ao filho Luis XVI deixa um caos financeiro, uma fonte para o dilúvio da Revolução Francesa... É interessante reparar no contraste com o esplendor do seu pai, Luis XIV, o Rei Sol, que iniciara o seu mandato justamente com a constituição desta Companhia.


(reeditado em 9/04/2012)

2 comentários:

  1. Olá,

    Só para cumprimentar e desejar uma boa e contínua investigação, ao caro compatriota, sim a sua análise é correcta, houve a todos os níveis, repetidamente em várias civilizações humanas uma e a tal recessão civilizacional, e ressalva-se na parte artística que escapou a uma hipotética censura, eu diria que o homem "prefere marchar a quatro patas" em vez de duas segundo um filme de ficção culto.

    Boas leituras, cumprimentos, José Manuel CH-GE

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  2. Obrigado José Manuel,
    e tem toda a razão - enquanto a inteligência for vista como uma vantagem pelo lado animal - sobrevivência do mais forte - será sempre uma desvantagem pelo lado humano - colaboração no conhecimento.
    Se a inteligência for vista como vantagem competitiva animal, ao estilo Darwinista, a evolução caminhará lado a lado com a destruição...
    Cumprimentos.

    Nota: Tinha razão quando comentou aqui:
    http://alvor-silves.blogspot.pt/2011/01/passarolas-e-baloes.html
    De facto, tudo indica que o Bartolomeu usou a técnica dos gases leves para levantar a passarola, conforme encontrei depois noutro texto que coloquei aqui:
    http://alvor-silves.blogspot.pt/2012/03/gas-na-passarola.html

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