Alvor-Silves

terça-feira, 21 de junho de 2011

Próxima estação, verão!

De acordo com Hesíodo, Perséfone filha de Démeter, teria sido raptada por Hades para o seu inferno e salva pela mãe. Porém, ao ter comido uma romã(*) oferecida por ele, houve um acordo de passar metade do tempo no submundo e outra metade fora das trevas.
Falamos hoje sobre as estações do ano... em dia de solstício e início de Verão!
Perséfone e a peneira (liknon) dos mistérios agícolas.

A alegoria de Perséfone, tal como a mãe Démeter ligada à agricultura, explicaria duas estações, uma mais fria (onde estaria com Hades), e outra mais quente. Esta diferença é marcada pelo rapto de Hades... ou seja, pode ter acontecido que antes não fosse assim. Quando? Como muitas outras coisas, a diferença é marcada pela transição entre a Idade do Bronze e do Ferro.

Porém, ainda assim, o clima na antiguidade tem que ser considerado moderado, e dificilmente podemos falar no clima que presenciamos hoje em dia. A razão mais simples para esta afirmação resulta das numerosas representações que nos chegaram. Usar uma simples toga parecia ser o mais comum, e os militares exibiam uniformes com as pernas descobertas... tudo indica um clima ameno, próprio de dias primaveris ou de verão! Exceptuando este registo de Perséfone, não conhecemos obras literárias, anteriores ao Séc. II, que falem do clima frio durante o inverno.


  
Augusto, Sétimo Severo, Justiniano
a mudança de trajo faz-se notar
repare-se especialmente nas pernas dos soldados de Justiniano.

Num dos poucos registos que encontrámos sobre o clima (o principal será Meteora de Aristóteles), citamos Plínio (Livro 2, Cap. 39):
For who can doubt that summer and winter, and the annual revolution of the seasons are caused by the motion of the stars? As therefore the nature of the sun is understood to influence the temperature of the year, so each of the other stars has its specific power, which produces its appropriate effects.
Plinio fala apenas de duas estações, e se associa a diferença de temperatura ao Sol, vai depois mais longe dizendo que os outros planetas também têm a sua quota parte! Explicita mesmo:
(...) this is particularly observable with respect to Saturn, which 
produces a great quantity of rain in its transits.

Para Plínio, um trânsito de Saturno provocaria chuva... esta afirmação só é compreensível se não fosse abundante no inverno.
O significado de "trânsito de Saturno" é desconhecido, já que astrologicamente é relativo aos signos (signos deve ler-se sinais) e astronomicamente só é aplicável a planetas interiores, na passagem pelo Sol... fenómeno difícil de observar.

O que pretendemos afirmar é que na transição para o final do Império Romano, e especialmente na Idade Média, o clima sofreu profundas alterações.
Mais concretamente, na antiguidade o Trópico de Cancer deveria estar situado não a 23º44', mas bem mais abaixo, provavelmente na zona dos 10º.
  
Inclinação de 23º44' da Terra face à sua órbita solar, e seu efeito nas estações do ano.

A diferença de inclinação poderia justificar não apenas a questão do clima, mas também a da orientação... ou seja, se não houvesse inclinação, o sol nasceria exactamente a Leste, e iria por-se a Oeste. Porém, o efeito da inclinação provoca uma mudança significativa, e dependendo da época do ano e da latitude, os erros podem justificar diferenças de 45º como aquelas que temos vindo a assinalar... isso seria tanto mais notório, quanto maior fosse a latitude. Não justifica erros para identificar o sul (seria sempre o meio-dia), mas poderia ser uma confusão para erros leste-oeste, dependendo até da nomenclatura.

Uma mudança deste género tornaria a vida complicada para os gauleses e outros povos do norte da Europa! Ou seja, a pressão climática pressionaria de forma desesperada a uma invasão de territórios situados mais a sul. Portanto, as invasões bárbaras do Império Romano podem ter resultado dessa mudança climática... progressivamente a situação afectaria as colheitas e tornar-se-ia insustentável para os Godos, que procuraram estabelecer-se a Sul. Quem permaneceu nessas latitudes ficou confrontado com uma vida de servidão medieval difícil... especialmente bem ilustrada no Livro de Horas do Duque de Berry:
Les Très Riches Heures du Duc de Berry (Fevereiro) 

De escravos em clima temperado sob égide do Império Romano, passavam a "homens livres" no novo estatuto de servidão medieval, sob condições climáticas agravadas. Assim, se antes os Romanos distinguiam essencialmente duas estações "Ver" e "Hiems", com Isidoro de Sevilha, no Séc. VII já vamos encontrar uma bizarra divisão dos meses, numa clara preocupação com as Estações... preocupação praticamente ausente na maioria dos geógrafos e escritores anteriores.
Uma curiosa rosa de meses, de Isidoro de Sevilla (Séc. VII)

É claro que a divisão em quatro estações era sempre conhecida - havendo periélio e afélio tem que haver dois equinócios. Os nomes Primavera e Verão são ambíguos face ao latino "Ver", procurando talvez invocar uma primeira "Ver" (Prima Ver), e uma "Ver" propriamente dita (Verão)... sendo que em latim Ver corresponde à Primavera e AEstas ao Verão (de onde vem o prefixo de estival).
Já mais interessante é a designação dada ao "Inverno"... se atendermos a que a usual confusão entre F e V leva directamente a "Inferno". Ao contrário de Outono que no latim é Autumnus, aqui não parece haver qualquer raiz latina, pois o termo Inverno é bastante diferente de Hiems.

O novo inverno medieval foi visto como um autêntico inferno...
Se isto parece estranho face à concepção que se foi enraizando de um inferno enquanto "profundezas escaldantes", devemos relembrar que essa concepção não é a do último círculo de Dante - no seu Nono Anel, onde está o próprio Lucifer, o mundo infernal é gelado. Essa seria a concepção medieval...

Há ainda uma outra questão complicada, esta inclinação de 23º da eclíptica (que define o plano orbital, e está na nossa esfera armilar) está injustificadamente bastante inclinada... e apesar de se pretender que há um outro efeito de rotação,  com período de 40 mil anos, estes valores dos astrofísicos actuais têm quase tanto significado como as previsões da evolução dos mercados... modelos de extrapolação básica e pretensiosa, que aliás vieram da mesma escola de física. É bastante mais natural supor que, dadas as forças de gravidade envolvidas, a inclinação do eixo não tem que ser fixa.

Haveria mais a dizer, notamos apenas que se a nomenclatura dos meses foi propagada quase literalmente na maioria das línguas europeias (tal como no caso dos dias da semana... a excepção católica é portuguesa), o mesmo não se passou no caso das estações onde há diferenças assinaláveis, exceptuando na designação do Outono.
No nosso caso, ficou-nos a oposição entre uma Primavera, primeira verdade, e um Inverno infernal... como lembrança etimológica.

Nota:
(*) Romã, em português é demasiado próximo de Roma para não ser notado. Especialmente se notarmos que em Espanha se denomina "granado", e esta raiz está presente em vários países. Lineu decidiu denominá-la punica granatum, juntando Cartago e Granada... dois reinos desaparecidos!
Pode ainda juntar-se a isto, o relato dos espiões de Moisés que lhe trouxeram este fruto como amostra da fertilidade da Terra Prometida... pois bem um fruto que junta Punica e Granada, e atendendo a Cartagena, é difícil ser mais concordante com a Estória que aqui coloquei sobre os Ebreus do Ebro...
O jardim e as suas frutas - laranjas portuguesas e romãs granadinas/andaluzes.

3 comentários:

  1. É evidente que o clima na Antiguidade Grega e Romana não podia ser igual ao nosso, e que houve mudanças na idade média. (A pintura e escultura são prova disso). Aconselho-o a ler um blog (já extinto por falecimento do autor), cujo objectivo era desmitificar o Aquecimento do Clima: http://mitos-climaticos.blogspot.com/

    Mas penso que é mt difícil saber como o seria na passagem da idade do bronze para a do ferro. Mas alguma coisa de muito importante aconteceu nessa altura, do modo como ficou registada na cultura dos povos.

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  2. Há cerca de 4 mil anos, sabemos que era frio.
    As Múmias da Bacia do Rio Tarim, datadas dessa época, vestem peles, roupas espessas, e usam gorros de pele...e curiosamente ÓCULOS ESCUROS EM BRONZE.

    Maria da Fonte

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  3. Cara Olinda,

    há uns tempos eu interpretaria o aquecimento global da mesma forma que toda a gente... porém agora não o vejo dessa forma!
    Ou seja, é claro que pela poluição e efeitos associados, haverá um aquecimento, tal como a evolução de que fala Darwin também ocorre, a questão é se isso é suficiente para explicar a ocorrência.

    Portanto, agora para mim quando as notícias falam de aquecimento global vejo também uma metáfora social aplicada ao clima.
    Ou seja, o grande perigo da sociedade moderna, dados os muitos segredos escondidos com o rabo de fora, seria a forma facilitada com que se difundiriam com a internet.

    Começou-se a falar de aquecimento global com o aumento rápido da internet... a ordem fica ameaçada com a difusão da informação.

    Agradeço bastante o link que não conhecia, pois consegue-se sempre retirar informação desses sites reveladores.
    Obrigado!

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