Alvor-Silves

domingo, 26 de junho de 2011

Pólvora, Lanternas e Penhascos Vermelhos

  
Os balões do São João no Porto e Zhuge Liang...  [imgimg]

A cultura ocidental tem muito poucas referências orientais, sendo normalmente mais conhecidas as ligadas à mitologia e religiosidade. Aqueles que são seduzidos pelo misticismo oriental fazem um processo curioso, que teria um recíproco engraçado... analogamente poderíamos ter gurus da religião greco-romana juntando grupos esotéricos de empresários ou artistas chineses ou indianos. As religiões, ou mesmo as filosofias, têm um enquadramento histórico, e a história chinesa ou indiana está longe de ser familiar à maioria dos ocidentais que são adoptados e depois adeptos dessas tendências ocidentais supostamente baseadas no misticismo oriental.

Lanternas de Kongming
A tradição do São João junta o salto à fogueira, o fogo de artifício e uns curiosos balões de ar quente, chamados balões de São João... estando atrasado uns dias, noto que o S. Pedro ainda não acabou!
Retirando a parte do salto à fogueira, o fogo de artifício e os balões de ar quente podemos encontrá-los como manifestação quase directa de tradições chinesas em território nacional. 
Afinal é admitido que a pólvora tem a sua origem na China, tal como o papel... 

Durante muito tempo (até há poucas décadas) foi contada a estória que os chineses não teriam desenvolvido os seus conhecimentos pirotécnicos para fins militares, e que estes se resumiriam a distracções cortesãs.
Não vamos aqui redescobrir a pólvora, mas convém notar que esta é reportada à Dinastia Han, uma dinastia florescente do Séc II a. C. ao Séc. II d. C., quatrocentos anos de desenvolvimento.
O fim da Dinastia Han tem um herói Han, denominado "Dragão Adormecido" ou Kongming, de nome Zhuge Liang.

A Zhuge Liang é creditado a invenção dos balões de papel e ar quente, também ditos Lanternas de  Kongming... e que são os balões de São João (alguns chamam balões venezianos)!

Segundo a "lenda", estando cercado, as Lanternas teriam sido usados por si para sinalização ao seu exército.  Há outras invenções surpreendentes que lhe são creditadas.

Batalha dos Penhascos Vermelhos
O seu nome vai ficar mais ligado à Batalha mítica da História chinesa: 
que antecede o fim da Dinastia Han. 

 
Sinal da Batalha dos Penhascos Vermelhos, o seu local é incerto, 
mas é marcado há muitos séculos em Chibi, no Rio Yangtzé. 
Embarcação usada em batalha.

Trata-se de uma batalha com larga componente naval, mas que é colocada no Rio Azul, o Yangtzé, com o Sinal dos "Penhascos Vermelhos"... e que reporta já a divisão dos Três Reinos, período de convulsão na China que marca o final da Dinastia Han (em 220 d.C) até à Dinastia Jin (em 280 d.C).

As invenções chinesas
Os ocidentais reconhecem quatro invenções importantes aos chineses:
- papel, bússola, pólvora... e imprensa (apesar de Guttenberg)
... havendo outras invenções em lista de espera, com a reconhecida oficial paciência chinesa.
Os argumentos para a Lanterna de Kongming são simples... oficialmente os chineses inventaram o papel, e saberiam produzir fogo. Porém, como já percebemos, as evidências contam pouco para a academia ocidental e os mais reputados sinologistas remetem para o magister dixit considerando relatos inconvenientes como apócrifos. Nada de surpreendente, ligado ao ambiente religioso que afinal definiu as universidades no contexto medieval...

Um excelente artigo de Annette Yoshiko (2009), da Univ. Pensilvânia, esclarece como foi difícil aos europeus admitir uma história chinesa registada antes das civilizações clássicas:
Hegel famously proclaimed that the Indians were a people without history, living apart from the evolving spirit of rationality that shaped "the West". To this Leopold Von Ranke soon protested. Nevertheless, von Ranke expressed a similar view of India, which he extended to China as well. These two "oriental" peoples had long chronologies, but their antiquity was, in his view, merely a "fable"; neither had any active role in shaping world history.
Estamos a falar do início do Séc. XX, e a afirmação de Hegel poderá também ser vista como uma irónica crítica à própria estória ocidental que passava por História...
Yoshiko relaciona ainda os antigos relatos gregos não apenas dos indianos (Indoí), mas também dos Sêres, a que se ligava já o registo da Seda. 
Os Sêres desconhecidos seriam por isso os chineses... vai ainda mais longe, considerando o registo cristão dos Actos de Tomás (S. Tomás que foi ver para crer), que falam no Reino de Mazdai (afinal um veículo que de Mazda nos levaria ainda a Zaratrusta...), todo o artigo é aconselhado e tem um registo que não nos deixa sozinhos no meio de uma academia de herança medieval.


Severo, do lado Romano
Ao mesmo tempo que se dava a Batalha dos Penhascos Vermelhos, Sétimo Severo estendia o Império Romano para Oriente, atingindo os Pártos da Pérsia, inserindo definitivamente a província de Osroena e indo mais longe, na recuperação das antigas fronteiras do reino Seleucida de Edessa.
Para continuar um pouco da nossa Estória, vamos recuperar o mapa que colocaria ainda o Cáspio como mar...
A expansão de Severo colidiria com algum reino chinês?
Até que ponto faz sentido uma batalha naval que ocorre no contexto do Rio Yangtzé? Ainda que seja um grande rio, as proporções habituais de forças em batalhas chinesas (aqui fala-se em quase 1 milhão do lado de Cao Cao) colocariam as embarcações a cobrir o rio...
Até que ponto não estariam os Romanos envolvidos numa disputa de influência sobre território chinês, apoiando um dos lados da contenda?
Como Yoshiko salienta no seu artigo, entre a China e os Romanos havia o Reino Parto-Persa, que funcionava como charneira, sendo reconhecidas influências/contactos chineses directos com os partos.

Contemporâneo da queda da Dinastia Han é o envio de uma delegação indiana em 220 d.C. ao imperador Heliógabalo, acto oficial singular, que demonstra talvez a preocupação ou o reconhecimento global com o poder Romano no Oriente... Pelo menos era claro que quer Sétimo Severo ou Caracala tinham tomado o assunto da guerra com o Partos, que também eram vizinhos da India.

Sob um ou diferente nomes, a antiquíssima civilização Persa dos magos manteve-se com uma independência quase constante, só interrompida brevemente por Alexandre Magno, já que a invasão otomana foi dada dentro de um contexto religioso e cultural comum. Noutra ocasião falaremos sobre as Colunas de Alexandre...
Não se passou exactamente o mesmo com a China... pois se a pólvora foi invenção chinesa, é certo que os ocidentais em breve copiaram os mecanismos de destruição ao longo da Idade Média, e quando Nobel "inventa" a dinamite, poucos anos depois uma enorme aliança ocidental esmaga a Revolta dos Boxer na passagem de 1900, arriscando a presença de grandes contigentes na Batalha de Pequim (que terá ainda servido para apagar as memórias de Fusang e da Tartária):

Os balões de São João
As lanternas de Kongming aparecem como tradição festiva em Veneza e no Porto. Não sabemos quando foram introduzidas no Carnaval ou em festas populares. A tradição junina semelhante no Brasil coloca-as longe no tempo... provavelmente bem anteriores às experiências dos irmãos Montgolfier.
Se os chineses já consideravam colocar uma embarcação balão enquanto passarola, capaz de transportar pessoas... pois é uma hipótese que surge logo a partir do momento em que se vê o modelo feito com papel. Talvez por isso a actuação de Sétimo Severo e Caracala se tornasse tão urgente nas paragens orientais em "polvorosa".

Será preciso saltar por cima do fogo que consumiu e apagou todos registos... mas é complicado!

2 comentários:

  1. A questão que me surge é porque não teve continuidade o levantar voo na China? Se foram os primeiros a experimenta-lo porque esperaram milénios para que o ocidente os ultrapassa-se? Mesmo no ocidente, porque esperaríamos milénios (parece existir indícios de testes na antiguidade) para conseguir levantar voo se já "teríamos" essa tecnologia? Com certeza a tal "elite" que tudo esconde terá na outra face na moeda uma "elite" interessada nos proventos que retiraria da arte de voar.

    Não terá sido simplesmente exactamente essa falta dessa tecnologia que nos manteve até tão tardiamente colados ao chão? Bem, tardiamente é subjectivo... aos olhos de um crocodilo avançamos tecnologicamente extremamente rápido. Da antiguidade aqui, foi um pulinho e estas coisas demoram o seu tempo.

    Cumpts,

    JR

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Permitir o voo, sem controlo, levaria a sérios problemas de segurança.

      O problema acabou por ser sempre o controlo do (mau) génio humano, porque se tinha aspectos positivos, tinha logo aspectos negativos associados.

      De que valeriam muros, se havia a possibilidade de os ultrapassar voando por cima?
      Por exemplo, a muralha da China, a cidade proibida...
      Tudo ficaria vulnerável a piratas montados em balões voadores.

      Se repararmos nos balões, durante os primeiros 100 anos, pouco serviram (foram postos de visualização de batalhas), e eram mais entretenimento das classes abastadas.
      O seu uso indiscriminado foi muito circunscrito, e ainda hoje o é.
      O que seria mais perigoso seriam os zepelins, porque eram guiados, mas isso já envolve muito mais tecnologia.

      Conforme disse aqui no postal sobre o Bartolomeu de Gusmão, creio que esse passo foi dado por ele, muito antes, e talvez mais longe, que Rozier:

      https://alvor-silves.blogspot.com/2012/03/gas-na-passarola.html

      Só que isso seria muito complicado de publicar à época, porque todos os edifícios guardados por muros ficariam altamente vulneráveis. Parece por isso claro que as coisas foram feitas passo a passo. Primeiro os Montgolfier e Rozier, sem nenhum controlo nos balões, e só passados 100 anos começaram os primeiros dirigíveis - que eram quase tão eficazes como os aviões (mas bem menos rápidos).

      Eu até acho estranho que recentemente tenha sido permitido o uso indiscriminado de drones, porque basicamente isso leva a tentação de espiolhar o quintal do vizinho, ou bem pior.

      Abç
      da Maia

      Eliminar