Alvor-Silves

domingo, 29 de maio de 2011

Das Maçãs às Laranjas

Este texto pode bem seguir-se às Caves de Maastricht, no que diz respeito à Holanda, via Casa de Nassau-Oranje, pelo laranja, cor que no fim do Séc. XVI ficaria ligada à independência e crescimento holandês do Séc. XVII. Pode ler-se na wikipedia:
A laranja doce foi trazida da China para a Europa no século XVI pelos portugueses. É por isso que as laranjas doces são denominadas "portuguesas" em vários países, especialmente nos Bálcãs (por exemplo, laranja em grego é portokali e portakal em turco), em romeno é portocala e portogallo com diferentes grafias nos vários dialectos italianos .
Quem já tiver falado com magrebinos, saberá ainda que a palavra árabe para Laranja também deriva de Portugal... Desconheço pois a origem da ideia de que não havia laranjas a ocidente, mas é relatado o problema da viagem de Vasco da Gama com o escorbuto, associado à falta de consumo de citrinos - apesar de ser assumido que existiam limões trazidos da Pérsia, e disseminados pelos árabes. 
O mesmo não teria acontecido com as laranjas, e a vila francesa de Orange por acidente ficou ligada a laranjas, alguns dizem que vindas das Cruzadas!

Pretende-se pois constar que no mundo greco-romano não existiriam citrinos, o que seria complicado distinguir no pretenso legado artístico e arquitectónico greco-romano que é essencialmente de um mundo sem cores, não fora alguns frescos de naturezas-mortas de Pompéia:
Natureza-morta de Pompéia, onde não se devem ver laranjas. (imagem)

Louro da laranja
O assunto chega a ser colocado ao ponto de não haver palavra para designar o cor-de-laranja, e por isso a uma dificuldade de rimas... a palavra é de facto difícil de encontrar em textos portugueses do Séc. XVI, e a primeira ocorrência que encontrámos, é curiosamente Camões:
Mil árvores estão ao céu subindo,
Com pomos odoríferos e belos:
A laranjeira tem no fruto lindo
A cor que tinha Dafne nos cabelos;
Encosta-se no chão, que está caindo,
A cidreira com os pesos amarelos;
Os formosos limões ali, cheirando,
Estão virgíneas tetas imitando.
Lusíadas, Canto IX, §56
Camões dá uma preciosa informação... Dafne seria ruiva, ou loura, de cabelos laranja.
Atendendo a que Dafne está associada ao Loureiro, e os Louros não são Louros (de cor), ficaram-nos os louros como folhas descoloridas, e a informação camoniana ganha esse especial interesse!
L'ouro de ouro, e não do loureiro... mas sim de laranjeira, tal como é dito que Orange vem do "ór" francês de ouro (há ainda a pretensa origem pelo sanscrito indiano de "naranga", deu o espanhol "naranja", mas em português manteve-se o L para laranja, detalhes...).
Dafne que fugindo ao deus Sol se transforma em loureiro, ou laranjeira?

Esquecendo os detalhes... a cor-de-laranja esteve sempre bem presente e num pôr-do-sol marítimo e não poderia ser ocultada como uma das cores do arco-íris, ou de outras manifestações que tem na natureza. Parece ridícula a justificação de falha de palavra para a cor-de-laranja.
A imposição contra o laranja parece ter assim motivação humana propositada.

Maçãs e Laranjas
Às laranjas ligam-se maçãs... de ouro!
Começamos pelo pecado original - a maçã de Eva, que ficou no garganta dos homens como maçã de Adão... mas listamos mais alguns exemplos para que se perceba melhor:
  • Maçã de Eva, o conhecimento proibido do Jardim do Paraíso;
  • Maçã de Hércules e a sua Maça, os pomos de ouro e as Hespérides;
  • Maçã de Guilherme Tell, de que já falámos;
  • Maçã de Isaac Newton, na teoria da gravidade
... e mais recentemente poderíamos invocar a marca Apple no campo informático, só para lembrar alguns dos exemplos mais conhecidos que usaram a maçã como símbolo (podem ainda incluir-se as lendas nórdicas e celtas). Uma maçã malfadada que em latim se entende como Malum

No entanto, no caso de Hércules, os "pomos de ouro" foram considerados como designação alternativa para a laranja (que em latim teve a designação Malum Medicum... maçã medicinal (?), cf. Dicionário de Jerónimo Cardoso, 1643). Isso é confirmado por Bernardino Silva (na Defensam da Monarchia Lusitana, p. 137):
donde disse Salamão: Mala aurea in lectis argenteis homo qui loquitur verbum in tempore suo. O falar tempestivamente com palavras arresoadas & brandas, são maçãs de ouro em leitos de prata. Não falta quem por maçãs d'ouro entenda laranjas, & nesse sentido diz o Poeta Latino: Aurea mala decem misicras, altera mictam. Medicina tão própria para os doentes de cólera, que não haverá Acessias que as não receite (...)
Ou seja, as supostas "maçãs de ouro" de Hércules, ou outros heróis, não eram mais do que simples "laranjas" do jardim das Hespérides.
Onde era esse jardim ocidental, da estrela da tarde, de Hesper? Será difícil não associar laranjas a Portugal... especialmente para árabes, que usam a palavra como tal. Aliás podemos citar Duarte Nunes do Leão (1610):
Finalmente desta fruta é tão provida toda a terra, que na primavera em qualquer lugar que se ache uma pessoa, lhe cheirará a flor de laranja.
Ao mesmo tempo Duarte Leão revela a imensa exportação que era feita para a Flandres e Inglaterra!
O jardim das laranjas estava já a ser exportado em grande quantidade...
A laranja que é hoje vista como um fruto banal, bem poderia ter sido vista como uma antiga preciosidade, ao nível que tomaram depois as especiarias.

Podemos ainda ter entendimento diferente daqueles provérbios bastante conhecidos
A laranja de manhã é de ouro, à tarde é de prata e à noite mata.
Na alvorada dos tempos terá sido de ouro, nos tempos de esperança, de Hesper, no poente da tarde, foi de prata, e durante a noite da idade das trevas terá sido proibida.
Só assim faz sentido a redescoberta da laranja, coincidente com as "redescobertas" nos "descobrimentos", e poderá perguntar-se até que ponto o nome Portugal, que se associa às laranjas em várias línguas, não terá sido mais uma consequência do que uma causa!

Clementinas, Tangerinas
Como etiquetamos este texto como "estória", vemos que as variantes reduzidas de laranja, clementinas e tangerinas, levam-nos por conjectura de etimologia a dois episódios:
  • Clemente V... que cede a Filipe, o Belo, e ordena a destruição dos templários, passando o papado para Avignon, em 1309. Os templários vêm a Portugal sob protecção de D. Dinis.
  • Tanger... e a autorização para o início da expansão africana, e dos descobrimentos, em 1415, com a participação dos templários.
Picasso: les demoiselles d'Avignon... a fruteira deveria conter uma clementina!

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