Alvor-Silves

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Mar Eritreu, vulgo Vermelho

Quando publico um deste tópicos normalmente reúno diversas informações que me convencem da verosimilidade do conteúdo, mas nem sempre coloco todos, muitas vezes por puro esquecimento.
Foi o caso do texto sobre o Mar Vermelho (ou Ebreus do Ebro), onde já teria tido oportunidade de colocar este assunto relativo ao Mar Eritreu.

Literalmente, Mar Eritreu vem do grego ερυθρό - vermelho, ou seja seria o Mar Vermelho.
Em latim a variação seria Mare Rubrum.
Não há grandes dúvidas, por isso apresentamos os mapas de Estrabão, Pompónio Mela, e Dionísio Periegetes, segundo a reconstrução de Edward Bunbury (1879)... 

- o Mar Vermelho seria o Oceano Índico:

Reconstrução de Bunbury do Mapa de Estrabão 
Reconstrução de Bunbury do Mapa de Pompónio Mela 
Reconstrução de Bunbury do Mapa de Dionísio Periegetes 
(click no mapa para zoom)

Reconstruções são o que são... por exemplo, para Pompónio Mela, deixamos aqui indicação de mais duas... uma do séc.XVII  e outra de 1898. Não têm significado especial no aspecto gráfico, mas no conteúdo são reveladoras.
Não há propriamente espaço para dúvidas... pelo simples facto de que o actual Mar Vermelho era designado por Mar Arábico (ou Golfo/Sinus Arabicus).

Quando se deu a mudança? Definitivamente foi consolidada no final do Séc. XIX, com a colonização italiana da província da Eritreia... assim convenientemente nomeada, pela sua localização na costa do Mar Vermelho. No entanto, a confusão que levava o nome Mar Vermelho em vez de Sinus Arábico encontra-se já em quase todos os mapas do Séc. XVI e posteriores.

A questão não fica por aqui... porque os próprios romanos tratavam das suas próprias confusões.
- Colocar uma Eritreia no Oriente, por contraposição aos gregos e à sua Ilha Eriteia (Ἐρύθεια)... uma ilha Ocidental!

Ilha Eritheia
Essa ilha Eritheia era associada às ilhas míticas Hespérides, onde estaria Gades, agora associada a Cadiz.
Porém, reparamos que aumentando o mapa de Pompónio Mela, vemos representadas Gades e Erytheia (para além das Fortunatas, e Hespérides) enquanto ilhas diferentes...
Eritheia - zoom do "mapa de Pompónio Mela"

Com um suposto aumento do nível do mar, a península ibérica ganha um aspecto ligeiramente diferente
... ou seja, as zonas montanhosas da serra algarvia poderiam ser ilhas. Assim, a mítica Eritheia, com a sua cidade Gades, não teria que ficar confinada à minúscula ilhota de Cádis.

O mapa aqui apresentado tem um cenário que mostra ainda que bastaria um aumento do nível do mar na ordem das duas centenas de metros para tornar a península ibérica numa grande ilha ocidental.

Assim, quando no texto "Ebreus do Ebro", falámos de uma possível ligação à Ibéria, e na existência de um Monte Moisés no Estreito de Gibraltar, acrescenta-se agora esta designação Eritheia, Ilha Vermelha, ligada a Gades-Cádiz, e que assim se confunde com o Mar Vermelho... noutras paragens.

Termino, com algumas passagens dos Lusíadas:

Tu, que a todo Israel refúgio deste
Por metade das águas Eritreias;

(...)
Passam também as ondas Eritreias,
Que o povo de Israel sem nau passou;

(...)
Lá no seio Eritreu, onde fundada
Arsínoe foi do Egípcio Ptolomeu,

(...)
E assim a água, com ímpeto alterada,
Parecia que doutra parte vinha,
Bem como Alfeu de Arcádia em Siracusa
Vai buscar os abraços de Aretusa.

(...)
Passadas tendo já as Canárias ilhas,
Que tiveram por nome Fortunadas,
Entramos, navegando, pelas filhas
Do velho Hespério, Hespérides chamadas;

(...)
Que quem da Hespéria última alongada,
Rei ou senhor de insânia desmedida,
Há de vir cometer com naus e frotas
Tão incertas viagens e remotas?


O jardim das três deusas Hespérides: Eritheia, Aretusa e Héspera.

12 comentários:

  1. Agora sinto-me um bocado perdido... Mas já existiam mapas com esse nível de precisão que contornavam África até à Índia ao tempo de Estrabão?! Pensava que até aos descobrimentos portugueses só existissem mapas onde o máximo de alcance seria o norte de África... Realmente só sei que nada sei!

    Cumpts,

    JR

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    1. Essa é uma confusão perfeitamente natural.
      Normalmente ninguém pergunta, porque a maioria das pessoas tem medo de perguntar...

      Digamos, ninguém se atreve a dizer que o rei vai nú, e dizer que não há um único professor de liceu que saiba minimamente ler os Lusíadas, e isso não impede que achem que todos os adolescentes devem ler. Conhecendo, mais ou menos, os professores universitários das faculdades de letras, eu diria que tal coisa é extensiva a todos eles, mas não quero generalizar com essa facilidade.

      Admitindo que este texto no Público poderia estar pior:

      https://www.publico.pt/2018/06/25/ciencia/ensaio/a-geografia-de-ptolomeu-ou-o-texto-obsoleto-mais-importante-de-sempre-1835095

      ... não é muito mau para começar.

      Mas, dizendo as coisas politicamente incorrectas, o que se passa é isto:

      1) Houve uma mapa-fobia medieval, que fez desaparecer TODOS, mas quando digo TODOS é mesmo TODOS, os mapas até ao Séc. XV. Há mapas do Séc. XIV que apenas por sorte escaparam à chacina.
      2) Oficialmente, não há vivalma que reconheça isto. Simplesmente se admite que antes do Séc. XIV os mapas desapareceram no pó dos tempos, ou não existiam.
      3) Para quem sabe, por exemplo que os Romanos tinham mapas de Roma que tinham uma precisão semelhante à actual, é dito que desapareceram. Se o interlocutor não souber disso, é dito que nem existiam... Encontra os dois sabores, tal como tem uma historieta católica para o povo, e tem a teologia católica para os mais instruídos.
      4) Concretamente, no caso de Ptolomeu, Estrabão, Pompónio Mela, etc... o que se passa é que para além dos mapas, eles deixaram as coordenadas (longitude, latitude) de vários locais - nomeadamente de cidades, cabos, lagos, etc.
      Os cartógrafos depois da Idade Média entretiveram-se em fazer mapas com base nessas coordenadas, e descrições, constantes nos textos. Como os mapas tinham-se "perdido", faziam novos mapas com base na descrição e nas coordenadas dos pontos. Isso dependia do conhecimento à época. No tempo em que não tinha sido feita a circumnavegação africana, era natural aparecer a África não circundável. Depois, já era.
      5) Portanto esses mapas com base na informação de Ptolomeu, Estrabão, etc... são interpretações de quem reconstruía essa informação, e pode variar de um autor para outro, especialmente se variar no tempo.

      Aqui, eu tive o cuidado de escrever que as reconstruções eram do Séc. XIX, feitas por Edward Bunbury. Na maior parte das vezes, nem isso se encontra, e dá-se mesmo a ideia de que eram mapas originais de Ptolomeu, de Eratóstenes, de Estrabão, etc...

      Por isso, a sua pergunta é pertinente. Mas se reler o que escrevi, verá que eu fiz um esforço, salientando diversas vezes que se tratavam de reconstruções apenas.

      Abç

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  2. Bom dia,

    Sim eu li e reli, até porque o texto contém designações que eu não conhecia e fui procurar. Por exemplo Hespérides, filhas de Hespério, como quem diz Ocidente e deste modo consegui entender esse excerto dos Lusíadas. O seu esforço não foi em vão, eu percebi que eram reconstruções mas mesmo assim se Bunbury manteve alguma fidedignidade deixa-me perplexo porque sempre associei o périplo pela costa de África aos Descobrimentos Portugueses. Entretanto dei com isto:

    https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A9riplo

    e nomeadamente este:

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Circunavega%C3%A7%C3%A3o_fen%C3%ADcia_da_%C3%81frica


    Obrigado,

    JR

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    1. Sim, há todo um registo da Antiguidade que falava justamente de antigas viagens, em particular das que faziam o périplo da circum-navegação do continente africano.
      Com o secretismo católico da Idade Média, as viagens foram basicamente proibidas, ou reduzidas a um mínimo. Até a invenção da roda foi de certa maneira suspensa... e só voltamos a ver "reis em carruagens" a partir do Séc. XVI.

      Abç

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    2. Bom dia,

      JHS sobre as viagens marítimas.

      https://www.youtube.com/watch?v=lBl0VfqKPEo

      Cumpts,

      JR

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  3. "Até a invenção da roda foi de certa maneira suspensa... e só voltamos a ver "reis em carruagens" a partir do Séc. XVI."

    Não esquecer que D. Afonso Henriques andou sempre em coche depois do desastre de Badajoz :)

    Cumpts,

    JR

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    1. Ora bem, com isso acaba de motivar um postal extra.
      Foi agora uma certa surpresa saber que havia coches de gala atribuídos a D. Afonso Henriques e a D. Dinis, que estão "desaparecidos", ou melhor nem sequer foi dada pela sua falta.
      Quando eu disse que só voltavamos a ver reis em carruagens, era um pouco no sentido de que desapareceram da pintura, ou até da descrição.

      No Museu dos Coches é assumido ter apenas composições depois do Séc. XVI:
      https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Nacional_dos_Coches

      Foi uma surpresa quando soube que coches de D. Afonso Henriques, e de D. Dinis, estavam até meados do Séc. XIX integrados na colecção real.
      Depois, o que se passou com eles (atendendo a que não constam roubos ou incêndios), é mais uma "mistela", digo, mais um "mistério".

      Abç

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  4. Bom dia caro Da Maia,

    Estava a ler a Monarquia Lusitana de Fr. António Brandão quando me deparei-me com esta informação. O autor confirma-a ainda com outros autores. Entretanto lembrei-me deste seu comentário e achei por bem mencionar o que tinha acabado de achar. Verdade seja dita, não fazia a mínima ideia de que existira coches de gala do nosso fundador! Adorava vê-los!

    Cumpts,

    JR

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    1. Pois, grande descoberta - é mais um "rabo de fora".

      O "gato escondido" está bem documentado na obra "Portugal: recordações do ano 1842" do príncipe polaco Felix Lichnowsky:

      https://www.dn.pt/arquivo/2005/interior/visita-de-um-principe-polaco-ao-portugal-de-1842-619927.html

      Esse link é apenas para a reedição do livro do século passado por uma editora nacional em 2005.
      Imagino que deve ter havido alguma gente que o leu, e não o colocou apenas na prateleira.
      De entre os que o leram, não sei se alguém reparou nesse detalhe dos coches, mas é difícil não ver (excluindo em leituras diagonais, do tipo MRS).

      Ora, experimente o João ler a página 84 da obra original (felizmente que a negociata das editoras não tem conseguido evitar a publicação online dos originais):

      https://archive.org/details/portugalrecorda00lichgoog

      Pois é... lá está a descrição, com algum detalhe, do coche de Afonso Henriques - inclusive dos 7 belos vidros venezianos (presumo 3+1+3)!

      Depois, já se sabe, como o lugar dos coches é a cocheira, as bestas devem-se ter reunido e decidido que o que é bom para o olhar do povo tuga são as moscas.

      Agora, se passados mais de 150 anos, aquela limousine faz parte de alguma colecção privada, ou está a envelhecer em cascos de carvalho numa cave de vinho do Porto, pois isso não sei.

      O que eu sei é que graças a este seu comentário, podemos ver como as coisas são subtraídas à grei, sem nenhuma lei.

      Faltou uma invasão francesa, um terramoto, um tsunami, um incêndio ou um mero roubo, qualquer coisita que possa justificar o rapinanço.

      Assim, só não vê quem não quer ver.

      Abç

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  5. Desculpe a ignorância Caro Da Maia mas o que significa MRS?

    Cumpts,

    JR

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    1. Ah!... Agora é sinónimo de PR (presidente da república).
      Estava a reportar-me mais à época (2005) em que ele pode ter dado o livro como lido, conforme dava mais 10 ou 20, por semana.

      É um caso típico de semi-leitura, feita por alto, ou na diagonal, mais dada a conformar uma série de parágrafos com o que já se sabe, do que procurar saber algo cuidando com atenção do que está escrito.
      Muitas vezes resulta, porque as pessoas raramente estão a escrever algo de muito novo, mas nem sempre dá bons resultados.
      De certa forma, estava a desculpá-lo, caso tivesse dito que tinha lido (não sei se disse), porque quem lê tanta coisa com algum sentido crítico, ou é totalmente compactuante com a situação (não sei se é o caso), ou tende a exibir apenas uma certa tonteria pseudo-intelectual.
      Note-se que eu até tenho o MRS em boa conta, e aprecio a sua presidência, dado o contexto e apatia circundante.

      Abç

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  6. Ahh, estava a leste do paraíso, já percebi obrigado. Pois era, numa semana lia um porradão de livros, sempre me questionei como seria possível mas até nisso ele acabava por ter a sua piada. O homem além de omnipresente é um scanner humano. Sim também eu tenho alguma simpatia pelo Sr. Parece-me é que se faz sempre pouco, muito pouco. Talvez confunda um pouco as funções do Primeiro-ministro com a do Presidente. Para mim isto só melhoraria com alguém que conjugasse as funções de ambos mas temo que daí surgisse um "ditador". Uma espécie de D. João II do tempos modernos que visse como o bem maior, Portugal.

    Cumpts,

    JR

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