Alvor-Silves

domingo, 9 de janeiro de 2011

Magos (3)

Santa Helena de Constantinopla, mãe do imperador Constantino, o Grande, conduziu a empresa de recuperação dos vestígios da vida de Cristo. Em particular, a Igreja do Santo Sepulcro viria a definir o Gólgota, e Santa Helena encontraria a madeira da cruz da crucificação. 
A Vera Cruz, ou o Santo Lenho, teve a sua madeira dividida pelas mais variadas catedrais europeias, constituindo uma das relíquias mais preciosas da Idade Média.

Santa Helena e a Vera Cruz - parte da relíquia na Igreja do Santo Sepulcro.

A oficialização do cristianismo coincidiu com a ligação imediata ao culto do relicário, havendo mesmo uma divisão bizarra de importância das relíquias. Esse culto foi claramente acentuado no cristianismo medieval, e nas crónicas da dinastia de Avis é notória a veneração ao Santo Lenho. A Vera Cruz pode ser associada ao pau brasil, pela cor vermelha que ligaria a madeira ao sangue... mas Vera Cruz será também o nome dado à primeira cidade de Cortés na sua conquista do México.

Na mesma altura acabam por ser definidos, de forma mais invulgar, e ainda por Helena de Constantinopla, os restos dos Três Reis Magos... que são depois levados para Milão, sendo finalmente levados por Frederico Barbarrosa para a Catedral de Colónia, ficando num magnífico Relicário em ouro:

A abertura recente do relicário parece ter mostrado conter crânios de homens em diferentes idades, conforme a tradição que se manteve posteriormente. Nem sempre terá sido essa a tradição, conforme mostram sarcófagos do Séc. III e IV, onde todos os elementos aparentam ter a mesma idade e a mesma figura:
Sarcófagos em Roma: Séc.IV (em cima), Séc. III (a meio), 
e mosaico em Ravena Séc. VI (em baixo)

É na posterior imagem bizantina, do Séc. VI, que vemos haver uma diferença de figuras e idades, procurando evidenciar uma proveniência de diferentes partes, e representando diversas gerações.
Porém, mais importante - o ponto comum a todas estas imagens - são os barretes, mais precisamente barretes frígios, com já tinhamos aqui salientado. O mesmo barrete ostentado pela Liberdade, como no celebrado quadro de Delacroix, que levou à imagem da República
A liberdade (com o barrete frígio) guiando o povo, quadro de Delacroix (1830).

Se para os gregos o barrete frígio seria um símbolo "bárbaro", quando os romanos associam o mesmo símbolo à liberdade, e o identificam com heróis troianos, como Páris, o contorno implícito é diferente. A isso se associa a ligação de Cibele (equivalente frígia da deusa Gaia) ao semi-deus frígio Átis:
Páris troiano, e Átis frígio, consorte de Cíbele, ambos com um barrete frígio

Já aqui mencionámos que a Ásia Menor acabou por albergar diferentes reinos. A Frígia, vizinha da Lidía, e o reino de Tróia, são apenas alguns exemplos... Ao mesmo tempo que estas culturas avançadas se acotovelavam no espaço da península turca, as extensas planícies da França e da Hispânia permaneciam um largo espaço vazio, sob presença rarefeita de culturas megalíticas. É suposto ter sido assim...

Se também já aqui referimos, várias vezes, a ligação do nome de Ulisses a Lisboa, não podemos ignorar as semelhanças evidentes dos nomes Paris e Páris. Não conhecemos nenhuma pretensão de qualquer ligação dos parisienses ao herói troiano, nem tão pouco dos vizinhos troyens ao nome de Tróia. No entanto, no registo da diáspora troiana, em que Virgílo faz Eneias migrar para fundar Roma, não é de excluir outras migrações para paragens gaulesas. 

Mais interessante é a associação troiana/frígia ao ideal da Liberdade... uma tradição preservada por romanos, identificada a Reis Magos que homenageiam Cristo, é depois retomada na revolução francesa. 
No que diz respeito aos romanos é especialmente notável, já que ao tomarem o partido troiano, que associam à liberdade, fazem-no contra a tradição grega que honra Aquiles, um Aquiles venerado por Alexandre Magno, que o procurou imitar. Também é notável a posição ambivalente adoptada por Homero. 

A Ilíada é um elogio grego, mas que não deixa de enaltecer o adversário troiano. Na Guerra de Tróia pode ter havido uma batalha para além dos interesses comerciais. O rapto de Helena por um presumido camponês do Monte Ida, Páris, feito príncipe de Tróia, seria talvez ilustrativo de uma ameaça de contaminação de segredos de castas, que colocaria em causa o domínio aristocrata.
Lembramos a reportada viagem de contorno de África, por parte de Menelau, marido de Helena. O problema irá repetir-se com outros contornos, alguns milénios depois, entre D. Pedro e Inês de Castro.
O rapto de Helena, assumiria assim contornos de contaminação de informação secreta. A Ilíada não fornece pistas para o problema do sigilo da navegação, mas toda a Odisseia é dedicada justamente a esse propósito.

Nesse sentido, a própria tradição intelectual grega não desfavoreceria o ideal de liberdade derrotado, que se colocaria acima do seu patriotismo.

2 comentários:

  1. Caro Alvor

    E a suposta Revolução Francesa, entra onde?
    É que na Liberdade, seguramente não se enquadra!


    Maria da Fonte

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  2. O ideal seria de liberdade...
    Mas afinal o que aconteceria, se sem crivo algum - falso ou verdadeiro, diversas estórias sobre a História começassem a ser concorrentes.
    Uma imensa confusão, certo?
    Supostamente terá acontecido na Revolução Francesa... a certa altura, sem avaliação superior, onde todas as teorias eram possíveis, o caos instalou-se.
    A verdade faz curto-circuito com a mentira, passando todas por mentira.
    É esse o grande problema...
    A menos que tenha uma fonte indiscutível, todas as fontes passam a ser discutíveis.
    Num mundo de discussão, à época, o resultado dificilmente seria outro.

    A revolução francesa serviu para a aristocracia demonstrar que a liberdade não poderia ser entregue ao povo. De qualquer forma acabou por levar a um liberalismo sem precedentes. A sujeição popular nunca mais teve os contornos de servidão que tinha antes.

    Abraços.

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