Alvor-Silves

sábado, 5 de dezembro de 2020

Questão das Malucas

A Questão das Malucas será uma espécie de actualização e resumo do problema da expansão portuguesa em torno do Tratado de Tordesilhas. O nome Malucas, não é nenhuma deturpação jocosa, é antes o uso da expressão original, do termo Maluco, e ainda hoje se usa Maluku

Sabem os portugueses, e mais ninguém, por que razão decidiram passar a palavra maluco como sinónimo de doido, ou cismado em coisa mirabolante. Não o faziam antes de D. Sebastião, nem a palavra é usada por outra língua. Para evitar problemas inventaram depois o termo Moluco.

Serve como introdução um texto de Armando Cortesão, de 1939, sobre a "Australásia e a Questão das Molucas".

Pedro Barreto de Resende, no livro "Estado da Índia Oriental" (1646) apresenta um esboço das Malucas.

A ilha principal era Ternate, com uma rivalidade permanente com Tidore.
Tratam-se de 5 ilhas minúsculas, com 10 Km de diâmetro, situadas a oeste da grande ilha hoje chamada North Maluku.
Pulo Cavale é hoje Mare, Moutel é hoje Moti, e Maquiem é hoje Makian.

 

Vista aérea de Ternate, com o vulcão Gamalama.
Forte de Santa Luzia (Forte Kalamata), com vista para Tidore.



Armando Cortesão, in Esparsos  (1939) "Australásia e a Questão das Molucas"

Armando Cortesão levanta a questão:

"(...) quando em 1494 foi assinado o tratado de Tordesilhas, D. João II sabia da existência e situação aproximada das Molucas e entrou com esse importantíssimo elemento na fixação da linha divisória 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde."

Mas Cortesão prefere remeter essa informação por registo de Pêro da Covilhã, que a partir da Índia teria assinalado em mapa que levava, a localização das ilhas. Mapa que segundo Cortesão, Pêro da Covilhã teria entregue a um judeu enviado pelo rei ao Cairo, onde se fez a passagem de testemunho, já Pêro da Covilhã acabou depois por ficar na Etiópia, onde foi encontrado pelos portugueses quase 35 anos depois.

Não percebo esta relação rebuscada.
O que impediria os portugueses de navegar todo o Índico, no tempo de D. João II?
- Nada!
A mudança do uso de caravelas (mais rápidas) para naus (maior carga), dá-se na transição de D. João II para D. Manuel, e a razão parece-me simples de explicar. As caravelas eram usadas para exploração e reconhecimento das costas, as naus para carga de mantimentos e comércio.

Assim, dando seguimento a esse convencimento de Cortesão de que D. João II sabia da existência e posição das Molucas, a explicação que será mais simples, e só mais difícil de estabelecer devido às palas que limitam o olhar, essa simples explicação é que a exploração de D. João II não parou com a viagem de Bartolomeu Dias em 1488, ao contornar o Cabo da Boa Esperança... ou seja, D. João II não ficou parado 7 anos, e não foram precisos 10 anos de espera para Gama entrar no Índico.

Se essa entrada no Índico seria perigosa devido às embarcações árabes, não se revelava como tal, se os portugueses usassem as suas rápidas caravelas, para evitarem qualquer contacto... seriam na prática uma espécie de OFNI's (objectos flutuantes não identificados) para os nativos. Isso permitir-lhes-ia fazer um quase total reconhecimento da costa, como depois efectuaram no reinado de D. Manuel, também num curto espaço de tempo, mas com uma grande diferença - aí partiam já para a conquista de posições, e com uma facilidade de construções de fortalezas assombrosa, que definiu num espaço de 20 anos o Índico como mar português.

Qual era a Questão das Molucas?
Uma coisa era Castela, outra coisa era Espanha.
Se Castela com Leão e a Galiza, era já uma irmã com 3 metros de altura, digamos que a união com Aragão, e a conquista de Granada, tornou a Espanha numa irmã com mais de 5 metros, em termos proporcionais. Ou seja, era pelo menos 3 vezes superior em recursos humanos.

A Espanha aparentemente não satisfeita com a metade que lhe dava a quase totalidade da América, sabendo das riquezas orientais, que D. Manuel exibiria, começava a cobiçar as Molucas, e toda a expedição de Fernão de Magalhães seria o início de uma querela sem fim no Extremo Oriente, que batia com o Extremo Ocidente espanhol.

O Tratado de Tordesilhas não era completamente claro que se estendesse para o anti-meridiano, e isso só foi certificado com as negociações do Tratado de Saragoça, que começaram em 1524, na fronteira Elvas-Badajoz, sem entendimento... e daí as explorações de Gomes de Sequeira, a este propósito.
Com o casamento de Carlos V com Isabel de Portugal, filha de D. Manuel, em 1526, Portugal pagou um dote suficientemente chorudo, que definiu a desistência espanhola sobre as ilhas Molucas, no Tratado de Saragoça, em 1529. Mas antes disso, os espanhóis ainda tentaram estabelecer-se em Tidore, rival de Ternate, o que serviu apenas para um ano de escaramuças.

O meridiano e o anti-meridiano ficavam finalmente concordados, e pela parte portuguesa, tudo o que dizia respeito a pretensões sobre territórios cortados pelo meridiano, foram arrumados na prateleira do tempo, para evitar guerras com a potência vizinha. É ainda natural que as Filipinas, a norte das Molucas, tivessem feito parte do dote de Isabel de Portugal, ou de presente de D. João III à irmã, pelo nascimento do sobrinho, Filipe II, que viria a ser rei de Portugal.

Que territórios eram cortados pelo Meridiano de Saragoça?

  • Japão 
  • Papua
  • Austrália
A decisão de oclusão do Japão, manteve-se até 1543, altura em que já é governador da Índia, Martim Afonso de Sousa, com quem seguiu S. Francisco Xavier. Havia uma vontade de missão jesuíta no Japão, e mesmo assim, o estabelecimento português no Japão deu-se pelo lado de Nagasáqui, e ficou especialmente circunscrito à parte ocidental, a província de Kyushu, que estaria no lado do meridiano português. 

Quanto à Papua-Nova Guiné, foi olimpicamente ignorada, aparecendo mal desenhada nos mapas, e as ilhas mais orientais... as chamadas ilhas de Sequeira, de Gomes de Sequeira, que depois passaram a ser as Carolinas (ficando com o nome de Carlos V), também foram razoavelmente deixadas a si mesmas.
A Espanha, que tanto queria uma presença no Oriente, acabou por contentar-se com a presença nas Filipinas, efectivada pela chegada de Magalhães (onde morreu), mas especialmente com o estabelecimento em Manila, já com Filipe II, em 1571. 
Apesar das Filipinas estarem completamente na parte portuguesa, mesmo pelo lado de D. Sebastião não é claro um suficiente empenho em reclamar o território, apesar de se registarem escaramuças.

No entanto, o território que terá o destino mais estranho será mesmo a Austrália.
Não estando suficientemente perto das rotas comerciais com a China, e não se lhe reconhecendo valor de exploração colonial imediato, creio que nas linhas escondidas do Tratado de Saragoça poderá ter estado um compromisso entre Portugal e Espanha, de não se degladiarem sobre o território, mantendo-o fora dos olhares europeus.

Aquando da união ibérica, Filipe II poderia ter reclamado toda a ilha Australiana para si, e talvez por isso os holandeses se apressassem a entrar pela parte portuguesa, sem nunca se atrever a disputar a parte espanhola. Essa presença holandesa também foi essencialmente simbólica, já que nem sequer tiveram empenho em apontar a presença de cangurus... um animal completamente novo e exótico. Fica mesmo em dúvida se chegaram ao ponto de estabelecer uma única colónia, ou se simplesmente registaram a linha de costa da ilha.

Com a derrota na Guerra dos Trinta Anos, parece mais ou menos claro que os territórios que não tinham sido declarados por portugueses e espanhóis, iriam aguardar em banho-maria, até que um novo marco decisivo fosse alcançado. Poderá dizer-se que esse marco decisivo foi a vitória na Guerra dos Sete Anos que deu à Inglaterra o estatuto de potência global, mas creio que não se podem desligar os prémios milionários dados a quem conseguisse fazer um cronómetro marítimo...
O cronómetro marítimo de Harrisson acabou por ser aquele que foi usado por James Cook, nas viagens de pompa para declarar as descobertas do Pacífico, desde a Austrália ao Havai e até à costa leste da América. A sua precisão, levou a mapas de grande precisão, com erros inferiores a 1º de longitude, e isso definiu um efectivo marco geográfico e científico.

Nessa altura, já pouco havia a fazer pelas potências ibéricas, completamente relegadas a um papel secundário, num mapa europeu, traçado em Londres, com um pólo em Paris e outro que iria ser criado em Berlim. Haveria apenas cuidar para que não tivessem mais hipótese de crescer, e para isso cuidou uma maçonaria florescente, que continua a minar pelo interior e bastidores, como também durante tantos séculos o fez a Igreja Católica.

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