Alvor-Silves

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

dos Comentários (57) Lisboa em Nova Iorque

Num comentário ao texto Livro de Fortalezas nas Índias, José Manuel Oliveira (remetendo para livro de Manuel Mira) trouxe um interessante e bizarro erro num mapa de Nova Iorque, à época holandesa nomeada Nova Amesterdão.
O mapa nada tinha a ver com Nova Iorque, era sim um mapa de Lisboa, com os nomes mudados.

Vejamos o mapa de Nowel Amsterdam en L'Amerique, de Gérard Jollain (1672).

Com efeito, à excepção dos barcos, e das legendas, todo o desenho é igual ao mapa de Georg Brun, incluído na compilação Civitates orbis terrarum (5º volume) terminada em 1617.


Como os ingleses conquistaram a cidade em 1664, o mapa feito em 1672 já deveria ter o nome Nova Iorque, pois o nome da cidade foi mudado imediatamente. Além disso designações como "Chateau Nassau" podem referir-se a fortificações nomeadas pelos holandeses, ex: Fort Nassau (norte e sul).
Mais estranha é a referência a um "Quebec"... ou Bikerque.

O erro de colocar o mapa de Lisboa no lugar de Nova Iorque, é demasiado grotesco.
Não parece ser um mero descuido, ou uma propositada preguiça de cópia - se assim fosse, qual o interesse em mudar o desenho dos barcos, colocando até um a disparar?

Porquê confundir com Lisboa, especificamente?
Não havendo outra informação, voltamos ao assunto do Livro de Fortalezas nas Índias, ou seja, que não é de excluir que Nova Iorque, ou antes Nova Amesterdão, tivesse sido uma primitiva colónia portuguesa, com um forte semelhante ao de Diu, instalado em Manhattan.

sábado, 23 de novembro de 2019

Ser humano. Ser anjo.

Agios é uma palavra grega que significa "santo", e que é foneticamente próxima de "anjos", ainda que essa seja suposta derivar de "angelos" (mensageiro). Quando se viaja pela Grécia, há cidades e vilas que invocam um nome santo, tal como Agios NikolaosAgia Pelagia, ou Agia Marina em Creta.

Creta (2004) - Agia Pelagia - igreja perto do Museu El Greco em Fodele.

A palavra grega αγία deve ler-se como "a guia", e não como "águia", nem como "agia".
No entanto, quer o significado de "a guia", enquanto ser que guia, ou de "águia", enquanto ser alado, ajustam-se bem à palavra grega.

Este tema surge por uma razão histórica simples e principal.
A razão da existência humana, além do aspecto animalesco. A razão da alma além do corpo.

Podemos pegar numa matilha de lobos e traçar a sua história por gerações.
Haverá uma linhagem real, de chefia da alcateia, podemos enumerar quem foram os seus lobos alfa e os beta, durante dezenas ou centenas de anos... mas qual seria o propósito disso?
Qual seria o propósito de fazer a árvore genealógica de uma alcateia de lobos?
- Nenhum, a menos de estudo genético.

Se listarmos a sucessão de reis ou chefes de uma nação, também o interesse é reduzido ou nulo, se não entendermos um propósito, alguma linha condutora. Se essa linha condutora se resumir a enaltecer algum maior domínio territorial, ou anos de melhor abundância para a população, então veremos que os objectivos dessa nação se resumem praticamente a uma feliz sobrevivência, tal como a alcateia de lobos.

Como os lobos não se preocupam em demasia com os aspectos políticos, de igual distribuição da riqueza alimentar, e conseguem sem problemas ter uma alcateia funcional, sem lobos mendicantes, não vemos propriamente qual seria o propósito não animalesco numa sociedade humana.

Com efeito, até ao advento dos primeiros aspectos culturais, a sociedade humana teria pouco de útil a transmitir. A sua brutalidade só seria maior, por uma falha natural de colocar um limite à ambição territorial, um limite à vontade de mandar e especialmente um limite à vontade de obedecer.

O advento da sociedade moderna, baseada numa lógica de "feliz sobrevivência", em que o maior objectivo dos seus líderes parece ser não ter qualquer outro objectivo, que não seja esse - o bem estar económico, foi de certa forma iludido com uma sociedade baseada no avanço científico.
O avanço científico foi sempre entendido como útil pelas nações como uma forma de supremacia tecnológica, até ao ponto em que começou a ser globalmente partilhado. Na forma de supremacia técnica, não serviria outro propósito que não fosse a "sobrevivência dos mais aptos", e de novo voltaríamos ao aspecto animalesco.
A grande diferença na partilha do conhecimento foi estabelecer um outro inimigo - a ignorância.
Nesse aspecto, a ignorância da outra tribo deixaria de ser um bem (na competição animalesca), para passar a ser um mal (numa competição global contra a ignorância). Isto será um visão cândida, e é melhor encarar que a partilha de conhecimento será sempre estimulada por aqueles que não revelam a sua parte. Este ponto mesmo sendo preocupante é indiferente, porque as vantagens de partilha acabaram por ficar de sobremaneira evidenciadas, independentemente da intenção.

Anjos
Que o moto principal da existência humana será a compreensão do universo, é um ponto que já abordei (ver Princípio Antrópico, por exemplo). Outra questão seria saber se isso implicaria uma necessidade de sofrimento, conforme discutido em texto anterior. Como uma parte do sofrimento passa pela ligação ao corpo, pode-se colocar a questão:
- Necessita a inteligência de suporte físico?

Não há nada de físico que se possa ligar directamente à inteligência, ainda que seja por demais evidente que a inteligência é suposto estar ligada a ligações neuronais no cérebro. Isso é manifestamente insuficiente porque as noções que desenvolvemos ultrapassam a finitude do corpo, começando pela própria noção de finitude que só existe por oposição à infinitude. Se a nossa inteligência se reduzisse à finitude do corpo, não poderia aí estar a noção de infinitude.

As noções abstractas que desenvolvemos são partilhadas praticamente por todos os humanos, e só podem ter origem inversa. Desenvolvemos números tão grandes que ultrapassam todos os grãos de areia do universo físico, ou mesmo todos os átomos, electrões ou protões, a origem desses números não tem qualquer correspondente físico... ultrapassam toda a física. Isso só pode ser justificado porque o universo (mas não o físico) terminou uma parte da sua formação dando origem a uma quantidade de invariantes que nós assimilámos enquanto palavras.

A junção dessas palavras seria possível de forma gratuita, e não há parece haver nada que impeça o desenvolvimento de ideias além da sua existência física... aliás a isso chamamos imaginação. E há uma grande diferença entre o mundo antes e depois da imaginação, porque há uma grande diferença entre as criações artísticas e a realidade.

O grande problema seria apenas um... não haveria diferença entre realidade e ficção.

Suponhamos assim que os primeiros seres existentes teriam sido anjos, capazes de pensamentos, de juntar e formar novas ideias, mas sem qualquer realidade para definirem quais ideias seriam válidas e quais ideias seriam inválidas.
Não teriam qualquer condicionante, porque nada daria mais valor a uma ideia do que a outra.
Um anjo poderia dizer formar a mais brilhante ideia e o outro poderia juntar palavras numa frase sem sentido. Um anjo poderia dizer que 3 e 1 são o mesmo, o outro poderia dizer que entre 3 e 1 há o 2.
Como nada haveria para confrontar as ideias, todas as frases teriam o mesmo valor.
No tédio angelical, os anjos mais populares poderiam ser os diabretes que mais seguidores arranjavam para verem os seus disparates.

Sem qualquer critério, como poderia ser desenvolvido nesse universo uma verdade?
Como poderia ser percebido que ideias seriam correctas ou incorrectas? Tudo não passaria de um jogo de popularidade, de canções de escárnio e maldizer, sem qualquer possibilidade de se atingirem verdades fundamentais.
Porém sendo esses anjos inteligentes, haveria um pequeno problema que os afligiria... da mesma forma que tinham aparecido do nada, poderiam desvanecer-se no nada? Mesmo sem corpo, ou qualquer substrato que os condicionasse, não poderiam garantir que não iriam desaparecer...

Assim, tornar-se-ia quase indispensável para o universo, ou mesmo para os próprios anjos, definirem uma situação bem diferente... um pequeno jogo em que o entendimento do mundo envolvente fosse decisivo. Nesse jogo os anjos poderiam continuar a dizer o que quisessem, poderiam mentir, se assim desejassem, poderiam até ignorar a realidade, mas isso pagar-se-ia caro... com a vida.
Bom, mas os anjos não poderiam morrer. Certo, mas a questão é que nasciam para este mundo sem saberem desse pequeno detalhe. E haveria uma condicionante presente - o desaparecimento do mundo físico. Sob essa ameaça bem real, constatada diariamente pelo desaparecimento de muitos outros, poderiam ainda assim concluir da sua imortalidade?

Portanto, a questão é que no mundo dos sonhos tudo é possível, e é indiferente que faça muito ou pouco sentido... tem um sentido próprio. Agora será esta realidade o sonho que permite concluir sobre os outros sonhos? Será este o universo que não permite a existência de multiversos, onde o ser e o não ser podem ocorrer em simultâneo.

Se assim fosse, mesmo quem estivesse fora de jogo seria tentado a jogar... só que haveria um pequeno problema, a consistência desta realidade iria levar ao desaparecimento da realidade dos anjos. A sua intervenção neste mundo seria medida apenas pela probabilidade ou improbabilidade de certas coisas ocorrerem. Para ganharem existência real, esses anjos teriam que morrer no seu mundo para renascerem neste, sem nada saberem do anterior. Para todos os efeitos é como se nunca tivessem existido, e não se distinguiriam de qualquer um acabado de nascer.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Livro de fortalezas nas Índias

Um livro que contém um registo razoavelmente extenso de fortalezas portuguesas na Índia, bem como de algumas outras regiões é:

António Bocarro (1635)

Interessou-me o caso particular da fortaleza de Diu, porque tem uma disposição muito parecida com a que teria a fortaleza de Nova Iorque em Manhattan, conforme desenhada pelos holandeses em 1660:

Mapa de 1660 de Nova Amsterdão (Nova Iorque, Manhattan) com forte e muralha de Wall Street (à direita).

Mapa de Diu (na Índia) também com forte e uma muralha à direita.

Plano actual de Diu (Google Maps) onde a amarelo está destacada a muralha (ainda existente).

As semelhanças são muito evidentes.
O tipo de fortaleza que encontramos no mapa holandês poderia ser bem uma fortaleza portuguesa, que simplesmente teria sido abandonada ou perdida para os holandeses, durante o período de ocupação espanhola. Há diversos fortes portugueses do mesmo tipo, e a delimitação por uma muralha exterior, separando a ilha em duas partes, parece ser exactamente a mesma solução que os portugueses seguiram em Diu.

O continente norte-americano ficou praticamente por colonizar até à chegada dos ingleses, holandeses, e franceses. Não se conhecem registos de fortalezas portuguesas ou espanholas naquelas paragens, exceptuando alguns fortes espanhóis na Florida. Se não fossem os portugueses, pelo menos os espanhóis teriam tido oportunidade para colonizar aquela região, e não o quiseram fazer além da Florida. Porém, é quase certo que a principal razão seria o resto de uma presença portuguesa naquelas paragens, tendo ficado semi-abandonada de ligação ao reino. O nome latino de Nova Iorque corresponder a Nova Eboraca (York seria Eboraca em latim) seria um sinal interessante para especular numa certa colónia "Nova Évora", mas tal nome nunca parece ter constado dos nossos registos coloniais.   

O aproveitamento que os holandeses fizeram das fortalezas portuguesas por si conquistadas, é extenso e claro. Ainda hoje ocorrem casos em que se fala do "forte holandês", quando se tratou de um "forte português" conquistado pelos holandeses. Ainda que os holandeses depois pudessem naturalmente fazer alguns melhoramentos, o projecto e execução inicial era quase sistematicamente português.

É naturalmente especulativo, e até talvez gratuito (dada a escassez de indícios), pensar que poderia já existir uma estrutura militar portuguesa na ilha de Manhattan, tal como tantas outras que existiam ao longo dos oceanos Atlântico (Brasil e África) ou Índico (África, Índia, Indochina). 
Dada a "facilidade" que os portugueses tiveram em erguer uma enorme quantidade destas fortalezas, graças à experiência adquirida em Marrocos (onde as tinham que erguer sob ameaça inimiga constante), também nada impede, e parece-me até razoavelmente provável que os portugueses tivessem fortificado alguma parte da costa norte-americana, até à Terra Nova.

Deixamos 5 imagens de outras fortalezas portuguesas, das 42 constantes no livro de Bocarro, que evidenciam a variedade de estruturas defensivas usadas:


Fortaleza de São Caetano de Sofala (Moçambique) - ver fortalezas.org

Fortaleza de São Sebastião (ilha de Moçambique) - ver fortalezas.org

Fortaleza de Mombaça (Quénia) - ver fortalezas.org

Fortaleza de Curiate (Omã) - ver fortalezas.org

Fortaleza de Mascate (Omã) - ver fortalezas.org