Alvor-Silves

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Os Sismos dos Cismas (2)

Afinal, o que aconteceu aos sacerdotes faraónicos, quando o Egipto foi engolido pela cultura greco-romana, depois pela cristã e finalmente pela muçulmana?
Ou, o que aconteceu aos sacerdotes do panteão greco-romano quando apareceu a religião cristã?
Ou ainda, o que aconteceu aos druidas celtas com o crescimento da religião cristã?

As religiões sobreviveram enquanto desempenharam o papel social promovido pelos seus sacerdotes. Quando os sacerdotes deixaram de ter relevo social, apadrinhado pelo poder executivo e militar, o número de fiéis foi diminuindo significativamente, até ao ponto da extinção religiosa.

Uma importante excepção foi a religião hebraica, que se formou como carácter identitário do povo judaico. Outra importante excepção foi a religião budista, que se propagou sem a ajuda de uma conquista bélica, como aconteceu com a religião muçulmana. Os budistas foram pioneiros numa difusão missionária da religião, com um paralelo que teria lugar com os missionários cristãos, ainda que essa cristianização fosse acompanhada também de um domínio militar.

Ascetas egípcios e beneditinos
O carácter ascético, que iria definir as ordens monásticas cristãs, teria um paralelo numa tradição antiga hindu, depois transportada para o budismo, e também para os primeiros monges egípcios (S. Paulo de Tebas, S. Antão do Deserto) que influenciaram São Bento a definir as regras de vida reclusa dos monges nos mosteiros, no Séc. VI. Este tipo de ordem monástica não foi exclusiva dos beneditinos, tendo sido praticamente seguida por todas as ordens posteriores, tendo as ordens militares outras variantes.
S. Paulo de Tebas, S. Antão do Deserto - primeiros eremitas cristãos (Séc. III, Egipto)
(Excerto de quadro de Velasquez.)

Os sacerdotes egípcios terão feito uma rápida conversão ao cristianismo, talvez porque na dinastia ptolomaica, a religião egípcia se começara já a focar em Hermes Trimegisto, visto como uma derivação de Tot, o que muito terá influenciado os primeiros movimentos cristãos gnósticos. O mistério da Trindade seria importante nessa filosofia religiosa, como depois se tornou crucial na religião cristã.

As correntes de pensamento neoplatónicas, ou gnósticas, deram esse aspecto teológico eremita, de reflexão pessoal, que pode encontrar raízes mais antigas em Zaratustra - cujas reflexões sobre a entidade suprema - Ahura Mazda, também se teriam processado numa caverna afastada. Esta influência eremita de Zaratustra estará também depois presente num hinduísmo politeísta e num posterior budismo ou taoísmo, mais introspectivos.

Monoteísmo e politeísmo
O aspecto monoteísta versus politeísta, começou a causar problemas no Séc. XIV a.C. com o faraó Akhenaton, e um conflito latente entre o aspecto mais popular - de múltiplas divindades - e o aspecto mais intelectual - de uma única divindade, foi coexistindo, sempre com vantagem para o politeísmo até à chegada do cristianismo, onde a velha filosofia monoteísta se impôs em todo o mundo romano.

Houve assim um conflito prolongado no tempo, onde o aspecto religioso mais popular tendia para a adoração de múltiplas divindades ocasionais, e o aspecto teológico, mais filosófico, proclamava a criação por uma única divindade suprema. No sentido dessa tradição monoteísta, a religião hebraica, talvez resultado de uma facção resistente dos tempos de Akhenaton, lembrando Moisés, foi aceite como "velho testamento", mesmo na sua versão pouco filosófica, e muito politeísta, na concepção de divindades inferiores (os anjos).

Assim, apesar da Igreja medieval se centrar num neoplatonismo, que entendia Platão e Aristóteles como grandes doutores da igreja, e preconizar um idealismo monoteísta, as diversas tendências populares a que a Igreja foi cedendo, fizeram aparecer um politeísmo de múltiplas pequenas divindades, de anjos a arcanjos, de beatos a santos, etc. Enquanto instrumento de poder, a Igreja não deixou de seguir na tendência comum da população, e aceitou ou tolerou os cultos populares.

Um exemplo interessante é o da tradição chinesa, onde existe uma espécie de capitalismo religioso, onde os templos crescem consoante a lei da oferta e da procura... ou seja, se as preces a certa divindade resultarem, então as oferendas aumentam e o templo cresce. Se, pelo contrário, as preces não forem atendidas, o templo entra em decadência, e as pessoas deixam de aí procurar a sua sorte, acabando por desaparecer. Isto acontece de forma similar também com muitos santos católicos e locais de peregrinação, que foram crescendo ou decrescendo, consoante a popularidade.

O politeísmo foi ainda necessário para acomodar os cultos europeus pagãos, de origem celta, que permaneciam enraízados nas populações. A figura de uma deusa mãe passou a ter um substituto no papel materno de Maria, e cultos mais específicos dedicados à fertilidade tiveram a sua dedicação a entidades cujo nome deixa poucas dúvidas - como é o caso de Nª Srª do Ó, onde o Ó se refere simplesmente à forma do ventre em "O" (por muito que se pretenda argumentar outra coisa).

Grande Cisma - Filioque
A separação entre a Igreja Romana Ocidental e Oriental era quase inevitável, e será até estranho que só tenha ocorrido em 1054. O pretexto da ausência da palavra "filioque" foi aparentemente a menor causa arranjada para uma divisão tão marcada.
Há alguns detalhes que não devem ser desconsiderados.

Carlos Magno é coroado imperador.
Em 800 d.C. Carlos Magno é coroado pelo papa Leão III como imperador do Sacro-Império Romano, e abre-se um conflito com o Império Oriental de Constantinopla - o legítimo herdeiro, porque não teria perdido a sucessão de imperadores. Este novo Império Ocidental surgia do nada, aparentemente por iniciativa papal, mas já estaria em preparação.

Exactamente na mesma altura, e muito provavelmente em resposta à anexação da Saxónia por Carlos Magno em 772-804, os Vikings começam os seus raides invadindo os territórios costeiros ocidentais.

Portanto, não foram apenas os bizantinos a incomodar-se com esta ascenção de Carlos Magno ao título imperial. Também os povos escandinavos - até aí remetidos basicamente a um certo isolamento - passam a aparecer de forma incómoda na história europeia, e não é claro que os dois acontecimentos não tivessem uma outra ligação mais directa.

A pressão viking foi de tal maneira complicada que o rei francês Charles III só conseguiu terminar com os raides, cedendo o território da Normandia ao líder viking Rollo, ou Rolf, que seria assim o seu primeiro duque.
Seria da Normandia que se estabeleceria a sucessão dinástica de Inglaterra, após a invasão de Guilherme I (William) em 1066. Nesse mesmo ano, e pouco antes de ser destituído e morto por Guilherme, o rei inglês Harold tinha evitado a invasão do rei norueguês Harald, na batalha de Stamford Bridge. Neste altura, em 1066, já o rei noruguês ou o duque da Normandia, eram ambos cristãos.

A entrada dos normandos na história da Europa já tinha começado na incursão e conquista de territórios no sul de Itália, que antes estavam sob domínio bizantino. As guerras entre bizantinos e normandos foram por assim contemporâneas do Cisma e antecederam a 1ª Cruzada.

Um pedido de ajuda do Imperador bizantino levou à convocatória da 1ª Cruzada 1096-99, pelo papa francês Urbano II. Para esse efeito foi determinante o papel dos normandos, que engrossaram esse grande exército - que ao contrário do que esperava o imperador bizantino Alexis I, não foi apenas uma simbólica força de ajuda.

Roma e Constantinopla viviam bem com uma Jerusalém sob domínio árabe, até que apareceu esta nova vaga de soldados normandos, que levariam mais a sério a questão de ter o local sagrado de Jerusalém acessível à peregrinação cristã. É assim neste contexto que surgem logo de seguida as ordens monásticas militares, destinadas a combater a presença muçulmana em território cristão.

Subitamente a Europa reunia forças militares trans-nacionais, de grande dimensão, fundadas sob ordens monásticas, como os Templários, Hospitalários ou Teutónicos, capazes de desequilibrar o equilíbrio medieval.


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