Alvor-Silves

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Detalhes do Livro de Marinharia (1) - Computo Metónico

No livro de marinharia de João de Lisboa, antes e depois dos mapas, aparecem tabelas de declinações lunares. Em particular, correspondem a 4 anos, correspondendo ao ciclo de anos bissextos. 
Deixamos aqui a primeira coluna da tabela, assinalando os curiosos números, de 1 a 19, que seguem sempre a sequência seguinte:
19, 8, 16, 5, 13, 2, 10, 18, 7, 15, 4, 12, 1, 9, 17, 6, 14, 3, 11

Tabela de declinações - Ano bissexto (in Livro de Marinharia)
- assinalando a sequência de 1 a 19 aí constante (ciclo metónico).

A questão que interessava saber, por aquelas tabelas, era o ano a que se referiam, e daí tirar alguma informação sobre a datação dos mapas, assumindo corresponderem a anos semelhantes.
Ora, não!
Ao fim de algum tempo, a procurar por lados errados, percebi que esses números estão ligados ao Cálculo da Páscoa, ou seja, ao chamado Computoe são chamados números áureos
Com efeito a página da wikipédia portuguesa "Números áureo nos calendários" acaba por ser mais informativa a este respeito, e apresenta o Almanaque Perpétuo de Abraão Zacuto (1496), que basicamente reproduz a mesma sequência, destinando-se ao cálculo das efemérides religiosas. 

Computo Pascal
A questão do computo pascal é hoje em dia menosprezada, mas representou uma obstinação em sincronizar calendário solar com o calendário lunar.
Porquê?
Por que razão não fixar a Páscoa como o primeiro domingo em Abril?
Por que razão manter a Páscoa no primeiro domingo de Lua Cheia após o equinócio da Primavera?

Pelo lado religioso, o tempo lunar era uma tradição judaica ligada ao velho testamento, e o tempo solar passaria a ser a tradição romana após Júlio César, e podemos ligar assim ao novo testamento. 
Conjugar as duas, seria talvez uma forma de ligar o antigo ao novo testamento. 

Pelo lado científico é muito importante notar que os ciclos lunares e solares estão praticamente imutáveis há milhares de anos. Quando se procura exarcebar diferenças naturais, invocar influências externas, galácticas, etc... convém notar que, muito antes do estabelecimento do calendário de Júlio César, a Terra roda à mesma velocidade, em torno de si própria, e em torno do Sol. 

Escala Juliana e Gregoriana
O calendário juliano, que introduziu os anos bissextos, correspondia a um erro de 0.002%, ou seja, correspondia a ter um relógio adiantado menos de 2 segundos por dia. Só que isso acumulou, e tal como esse relógio ao fim de um mês estaria adiantado um minuto, também o calendário juliano ao fim de 1600 anos precisou de ser corrigido pelo papa Gregório XIII, retirando 10 dias ao calendário, que estavam adiantados! 
Assim, ao dia 4 de Outubro de 1582 seguiu-se o dia 15 de Outubro de 1582.
Falar numa ocorrência, por exemplo, a 10 de Outubro de 1582, não parecerá estranho, excepto que esse dia nunca existiu - pelo menos nos países católicos.

O calendário gregoriano foi muito mais correcto ao definir que os anos 1700, 1800, 1900 não seriam bissextos, e apenas o ano 2000 seria bissexto. Isto correspondeu praticamente a reduzir o erro diário do relógio de diário para mensal, ou seja um erro praticamente 30 vezes menor. 
A próxima correcção poderá ter ser decidida em... 3200, que não deverá ser ano bissexto. 
Mas mesmo agora, não há grandes certezas do movimento planetário para garantir essa precisão.

Para aqueles que propagandeiam a obstinação da astronomia católica em manter o modelo geocêntrico, com base em alarvidades científicas "heliocêntricas", esta precisão católica é exemplar. 

Pedro Nunes e o Heliocentrismo
Os países protestantes acabaram por ter que adoptar o modelo, alguns séculos mais tarde. 
No entanto, nunca deixaram de trazer a historieta de Galileu e Copérnico.
A esse propósito trazemos aqui uma citação de Pedro Nunes, acerca da pretensa "novidade" da teoria heliocêntrica de Copérnico:
«Esta relação dos lados e dos ângulos de um triângulo não foi suficientemente considerada por Nicolau Copérnico de Torun, o qual estava sobretudo interessado em, com o método, tabelas, e demonstrações de Ptolomeu, trazer de novo à luz a antiga e quase esquecida astronomia de Aristarco de Samos acerca do movimento da Terra e da imobilidade do Sol e da oitava esfera, tal como é referido por Arquimedes no seu livro "De arena numero".»  (in Gazeta de Matemática nº143, 2002).
Aconselha-se a leitura do artigo de Henrique Leitão, aqui politicamente incorrecto ao revelar que Pedro Nunes não desconhecia Copérnico. Simplesmente Pedro Nunes não lhe dava importância, nem crédito por trazer algo de novo (que sabia ser de Aristarco de Samos). Nesta altura, convém lembrar que estavam em cena os fantasmas da Inquisição, mas ainda não tinham chegado os fantasmas da Maçonaria, que começaram mais tarde, depois de Galileu e seguintes. 

Com efeito, considerar a imobilidade do Sol passou a ser moda. Depois, mais tarde diz-se baixinho que o Sol roda, a grande velocidade, em torno do centro da Via Láctea. Por sua vez a nossa galáxia também não se admite estar parada... ou seja, tudo mexe! E quando tudo mexe, voltamos ao início, e deveria entender-se que se o movimento é relativo, o nosso referencial é sempre a Terra.

Ciclo Metónico
É ainda importante notar que a astronomia antiga suplantava alguma astronomia que foi reaparecendo nos séculos XVII e XVIII. Os caldeus conheciam bem o Ciclo de Saros (18 anos), que repete os eclipses lunares e solares, e provavelmente conheciam ainda o Ciclo Metónico (19 anos), cujo nome é do astrónomo grego Meton de Atenas.

Quem comemora o seu "luniversário", todos os meses?
Devido à pouca importância dada à Lua no nosso calendário, quase ninguém faz ideia de qual era a fase da Lua quando nasceu... mas se quiser saber é só questão de clicar em moonpage.com.
Deverá ter sido Lua Cheia na partida de Vasco da Gama, no sábado, 8 de Julho de 1497.
Segundo moonpage.com, seria giba crescente, mas o dia da semana também está errado.

Ao que consta, os antigos gregos incluiam uma comemoração desse luniversário. Talvez tenhamos perdido outros onze dias especiais no ano, mas, enfim, isso tornou o aniversário mais especial.

Qual a relação entre o ciclo lunar e o ciclo solar?
ciclo metónico é a constatação de que 235 meses lunares dão 19 anos (com um erro inferior a poucas horas). Ou seja, se retornar a moonpage.com e colocar a data em que faz 19, 38, 57 ou 76 anos, irá obter aproximadamente a mesma fase lunar do seu nascimento.
Poderia ser esta relação entre o ciclo solar e o lunar, ou outra qualquer. Este número 19 nada tem de especial, mas justifica a Tabela da Lua no Livro de Marinharia. 
Aí está reflectido a variação do número áureo do calendário, que vai oscilando de 1 a 19, e permitiria saber os feriados religiosos móveis, que variam de acordo com a Lua. 
Enquanto o calendário foi juliano, e este era ainda certamente o caso, isto repetia-se sem alteração, e por isso Zacuto lhe chamava almanaque "perpétuo". 

Apesar do interesse relativo daquilo que aqui escrevi, o que se pode concluir é que não será por estas tabelas que chegamos a uma outra pista sobre a data de execução dos mapas, e a informação mais fiável continua a ser dada pela colocação das bandeiras nos mapas.

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