Alvor-Silves

sábado, 12 de agosto de 2017

Pirâmide de crânios

No mundo quinhentista, um dos vários antecedentes que levaram a uma escalada de tensão entre turcos, árabes e cristãos, ocorreu em 1560, na ilha tunisina de Djerba, num episódio particularmente cruel e macabro. 
Expor corpos mortos, como forma de impor respeito ou terror, terá sido uma prática antiga, em particular medieval, onde desde esqueletos pendurados e cabeças espetadas em lanças, faziam parte de uma paisagem ameaçadora, com o intuito de manter a ordem... a ordem existente, claro está, pouco interessando outra. Mas, estas exibições macabras raramente durariam mais que alguns dias, meses ou anos.

Ora, pela sua duração - durante 320 anos (de 1561 até 1881) - a exibição de uma pirâmide empilhada com crânios de cristãos decapitados, conhecida como Borj er Rous ("Torre de Crânios"), foi talvez uma das mais longas exibições de impiedade, construída ao largo do castelo Borj el Kebir, à vista de todos os que passassem pela ilha de Djerba.

A pirâmide de crânios tinha 9 metros de altura, e teria sido erguida com um número que poderia atingir as 5000 vítimas - soldados invasores.
Estampa com a Pirâmide de Crânios, de soldados cristãos, mortos numa invasão falhada.

O macabro monumento só foi destruído pelos franceses, quando em 1881 a França invadiu a ilha, e a Tunísia ficou então como protectorado francês. As ossadas foram levadas para um cemitério cristão, e em substituição, os franceses ergueram um obelisco com dimensões semelhantes.

Foto com o Obelisco francês, que veio a substituir a Pirâmide de Crânios.

Antes disso, podemos ler um artigo relevante, na revista portuguesa Archivo Popular, que contava a história desta batalha em Djerba, e do destino funesto que ocorrera ao exército enviado por Filipe II, que pretendia recuperar o controlo da ilha, e de Tunis - antes conquistada pelo seu pai, Carlos V. 
Aquando do artigo (1840) o macabro monumento ainda se encontrava em exibição em Zerbi... (Zerbi ou Gerbi, foram outras formas de escrever Djerba):


Extractos da notícia do Archivo Popular em 1840 (nº3 pág. 22 , continuada no nº4 pág. 30)

Brevemente, a esquadra cristã tinha como almirante principal o genovês Giovanni Andrea Doria, incluía as forças do grão mestre maltês Jean de la Vallete (ver Santelmo), e o vice-rei espanhol da Sicília, Juan de La Cerda (ou Lacerda... em ambos os casos, "La Cerda" significa "A Porca", antigo nome dos duques de Medina-Sidónia). 
La Cerda, o vice-rei espanhol, ficara responsável pelo desembarque, onde contava com José de Savedra para o comando das tropas. De início, a população árabe foi apanhada desprevenida, as tropas cristãs lideradas por Savedra cometeram excessos, particularmente atrozes, e segundo o Archivo Popular, isso motivaria uma vingança desesperada (usando uma comparação notável com os índios norte-americanos). Acresceria ter sido uma vítima de Savedra a princesa Zobah, filha única do chefe árabe Yokdah, provavelmente um corsário, para aguçar a forma da vingança. 
Tendo sido eficazes os pedidos de ajuda árabes à armada turca, levaram à fuga do almirante Doria, e à fuga de La Cerda (que nem havia desembarcado), ficando os soldados cristãos liderados por Savedra à sorte do cerco da população, tendo sido todos decapitados, por ordens de Yokdah, que teria sido particularmente cruel com Savedra, colocando depois o seu crânio no topo da pirâmide.  

O crânio no topo da pirâmide, do comando da armada, não foi a cabeça que ficou no topo da pirâmide de caveiras. Filipe II não estava, Doria escapou, e La Cerda também, ficando apenas Savedra como crânio visível, já que a inteligência se guardou convenientemente nos bastidores.

Ao contrário de Carlos V, seu pai, Filipe II nunca ousou participar nas incursões à Tunísia. Em 1574, Tunis acabou por cair em domínio turco (até à conquista francesa), e o Mediterrâneo continuou a ser alvo dos diversos ataques da armada turca, por Turgut Reis, com ênfase em Malta, e os raides de corsários bérberes estendiam-se até ao Atlântico, do Algarve às costas da Irlanda e Islândia. Algo que praticamente só terminou com o domínio marítimo de ingleses e franceses no Séc. XIX.

Nesta expedição, conhecida como Batalha de Djerba a derrota cristã foi enorme, tendo perdido mais de 60 navios e uma estimativa de 14 000 homens.
O monumento vitorioso foi bastante macabro, e foi repetido pelos turcos, na concepção da Torre das Caveiras, aquando da primeira tentativa de revolta da Sérvia, em 1809... já que os rebeldes de Stefan Sindelic preferiram fazer-se explodir, do que serem empalados pelos turcos.
A ideia de que as civilizações muçulmanas, ou cristãs, têm na base uma filosofia religiosa que promove o respeito pela "pessoa humana", confirma-se... sempre que não há excepções, e as excepções ao respeito humano, foram quase sempre a regra. Para conveniência da reescrita histórica, esta pirâmide macabra é colocada como "obra de corsários, piratas", parecendo que durante 320 anos, nenhum poder islâmico teria capacidade de fazer o que os franceses fizeram - demolir!

Também aqui vemos como certas derrotas são convenientemente ocultadas, nos bastidores da história de Filipe II, e outras empresas mais francas e destemidas, como a de D. Sebastião, tiveram o badalo acusatório sempre a funcionar. Como se o Infante D. Henrique não tivesse sido levado também a empreender uma desastrosa aventura terrestre a Tanger, onde salvou a sua vida em troca da vida do seu irmão, o Infante D. Fernando. 
A cobardia, desonra e falta de carácter, parecem manter um lugar cimeiro na história mundial da falta de vergonha, mais preocupada com alguns fins alcançados, do que com a falta de princípios pelo meio. Enquanto os historiadores continuarem a ser piores que bobos da corte do despotismo vencedor, é certo que a moralidade reinante continuará pelas ruas da amargura.


5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Inscrições feitas na Babilônia há 3,7 mil anos mudam história da matemática. (…) novo estudo revela que os babilônios já haviam desenvolvido uma sofisticada trigonometria cerca de 1500 anos antes dos gregos, Conhecida como Plimpton 322, a pequena placa foi descoberta em Senkereh, no sul do atual Iraque - onde ficava a antiga cidade suméria de Larsa - pelo arqueólogo, acadêmico, diplomata e negociante de antiguidades americano Edgar Banks - figura polêmica que inspirou o famoso personagem do cinema Indiana Jones, a placa não apenas corresponde à mais antiga tábua trigonométrica do mundo, mas também é a única tábua trigonométrica totalmente precisa, por conta da abordagem babilônica extremamente original da aritmética e da geometria, "Isso significa que a descoberta tem grande relevância para nosso mundo moderno. Os matemáticos babilônios podem ter ficado esquecidos por mais de 3 mil anos, mas sua trigonometria possivelmente tem aplicações práticas em levantamentos, computação gráfica e educação. Trata-se de um raro exemplo da antiguidade nos ensinando algo novo", eles também demonstraram como os antigos escribas - que usavam um sistema numérico de base 60, semelhante ao dos relógios, em vez do sistema numérico de base 10 atualmente utilizado - devem ter gerado os números na placa utilizando suas técnicas matemáticas.
    O estudo, liderado por Daniel Mansfield e Norman Wildberger, da Universidade de New South Wales (UNSW), da Austrália, foi publicado ontem na revista científica Historia Mathematica.
    http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,inscricoes-feitas-na-babilonia-ha-3-7-mil-anos-mudam-historia-da-matematica,70001949533

    Cumprimentos

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    1. Obrigado pelo link José Manuel.

      Gostaria apenas de fazer a seguinte observação, que desvaloriza o significado do achado... porque independentemente do que está escrito na placa, ter ou não uma interpretação trigonométrica, o problema é que quem escreve o artigo - sejam os dois "historiadores", ou as várias pessoas nos jornais que fizeram eco dele, no serviço da "jornaleira mundial", não terão conhecimento suficiente de trigonometria para perceber que o assunto é simples, e não merece nenhum relevo especial, como o que lhe querem dar.
      Pode ter interesse para o "eduquês", no sentido de saber se é melhor ensinar de uma forma ou doutra (com ângulos ou com proporções), mas pouco mais que isso!

      Abraço.

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  3. Bom dia,

    O facto de os babilónios já terem uma sofisticada trigonometria 1500 anos antes dos gregos, para o Alvor não merece nenhum relevo especial!?

    Re: “o assunto é simples, e não merece nenhum relevo especial, como o que lhe querem dar”,

    do ponto de vista matemático não posso discutir se tem aplicações relevantes actualmente ou não, mas são tempos de mudança em que essa "jornaleira mundial" já vai aceitando relatar que a civilização actual ainda não alcançou o nível da extinta, é assim que faço a leitura, o que é relevante para mim é o dos babilónios já terem uma sofisticada trigonometria 1500 anos antes dos gregos e de utilizarem sistema numérico de base 60 semelhante ao dos relógios:

    “Trata-se de um raro exemplo da antiguidade nos ensinando algo novo", eles também demonstraram como os antigos escribas - que usavam um sistema numérico de base 60, semelhante ao dos relógios, em vez do sistema numérico de base 10 actualmente utilizado - devem ter gerado os números na placa utilizando suas técnicas matemáticas”.

    : “o assunto é simples, e não merece nenhum relevo especial, como o que lhe querem dar”, é estar a tapar o sol com uma peneira,

    Cumprimentos

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    1. Caro José Manuel, na wikipédia estava um bom resumo de notáveis progressos na matemática babilónica:
      https://en.wikipedia.org/wiki/Babylonian_mathematics

      ... o único ponto é que o reportado não acrescenta nada de relevante ao que era conhecido antes. Pode interessar aos autores e jornalistas que sim, mas isso é apenas subentendido de forma perniciosa.

      Pior, com esta notícia já houve alguém que escreveu lá:

      ... and also might be more accurate than even present-day mathematicians. [13] [14] [15] [16] [17] [18] [19] [20]

      - despejando 8 referências da "jornaleira mundial". A frase nem sequer tem sentido, porque compara uma placa de barro com matemáticos... mas pronto, já está feita a disseminação de uma ideia completamente errada.

      O sistema de base 60 ou até base 12, como é o usado nos ângulos e relógios, foi justamente importado dessa influência dos caldeus e babilónios, por isso não é nada de novo, nem devia estranhar ninguém. Só estranha quem não sabia isso.

      Usou-se essa base justamente porque permitia dividir facilmente por 2, 3, 4, 5, 6, mas não adianta muito, pois se quiser dividir por 7, 11 ou 13, por exemplo, volta a não conseguir. A discussão sobre qual seria a melhor base levou Leibniz a sugerir a base 2, com números escritos em binário.

      Um grande problema actual, e que tende a ficar cada vez pior, é que se misturam coisas simples com coisas complicadas. A principal culpa é dos autores, que estão a tentar tirar nabos da púcara, e ou são nabos, ou são desonestos... mas também dos jornalistas, que não quiseram verificar as coisas suficientemente.

      Na wikipedia tem este, por exemplo, este artigo:
      https://en.wikipedia.org/wiki/Trigonometric_constants_expressed_in_real_radicals

      ... que lhe dá uma pequena ideia de como sobre esse "assunto menor", se sabe muito mais do que poderia sequer ser imaginado de uma pequena placa de barro.

      Abraços.

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