Alvor-Silves

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Mitologia e Mintologia

Ao contrário do que se poderá pensar, a História não deve ter como primeiro intuito saber a verdade do passado, deve sim recusar a mentira que seja plasmada em qualquer contradição ou absurdo.

Pode parecer a mesma coisa, mas não é.
O exemplo mais gritante é a versão oficial da descoberta da Austrália, onde nem é preciso falar dos portugueses... Simplesmente é escrito que os holandeses declararam a descoberta da metade ocidental da ilha, levando então o nome de Nova Holanda, e esteve assim, em banho-maria, durante mais de 100 anos, até Cook ter cozinhado a descoberta da metade restante.
Se houvesse uma justificação minimamente credível para esse desinteresse, por exemplo, uma proibição de navegações, etc... poderia fazer algum sentido. Mas não, somos simplesmente levados a aceitar que os Holandeses nunca se interessaram pela parte australiana oriental... porque sim!
Importa para isso a falta de documentação, de provas, de achados, etc... e mostra como esse processo histórico, é um processo exclusivamente burocrático. Ora, foi isso que a Academia instituiu - uma história feita pela burocracia, que obviamente nada tem a ver com o que entendemos como História.

Esta História que é ensinada aos petizes está assim cheia de contradições, absurdos, inconsistências, mas passa por reflectir uma realidade passada, que é apenas uma ficção burocrática conveniente, porque é essa a documentação disponibilizada.
Desde o início que pensámos em explicações alternativas, tendo em atenção o reequilíbrio de poderes na Europa Ocidental, com a derrota ibérica na Guerra dos Trinta Anos, o que levou a um reescrever da história. O mais natural é que os territórios por declarar estivessem por definir entre os novos competidores "autorizados" - especialmente França e Inglaterra. Com a futura prevalência inglesa, pela vitória na Guerra dos Sete Anos, e a derrota final de Napoleão, no Séc. XIX foi instituída essa versão oficial, que dava aos ingleses o mérito oficial de descobrirem o que faltava declarar no Oceano Pacífico - não só a Austrália e Nova Zelândia, mas também toda a Costa Ocidental Americana, acima da Califórnia.
Sim, o ridículo e absurdo foi tão grande, que ao contrário dos mapas do Séc. XVI, os mapas dos dois séculos seguintes chegaram a apresentar a Califórnia como ilha. Mesmo sendo oficialmente desconhecida, a California manteve os nomes hispânicos, de Los Angeles a San Francisco.

Repare-se que não estamos a falar de navegações complicadas - essas eram feitas inúmeras vezes todos anos, das Filipinas ao México, cruzando o enorme Pacífico, em carreiras regulares, pelo menos desde 1550... e isso está bem documentado.
Estamos a falar do simples reconhecimento costeiro, acima da Califórnia (inclusive), que impediu um desenho fidedigno da América, durante os 200 anos seguintes. Não precisaria de barcos... poderia fazer-se caminhando a pé, pela costa, num percurso que demoraria menos de um ano. Certamente que foi feito, mas sobre isso não existe qualquer documentação...

A ausência de documentação não é um problema do passado, é ainda um problema do presente, porque só a teimosia imbecil de não querer reconhecer o óbvio, insiste em inventar histórias para ocultar uma História verosímil.

E o que é uma História verosímil?
Ora, o único caminho para a verdade é a recusa da mentira, porque ao recusar todas as contradições, todas as mentiras, o que resta é inevitavelmente aquilo que poderemos dar como verdadeiro, até melhor hipótese. Certamente que o caminho não é dar como fidedignas documentações parciais, que fazem uma história da carochinha conveniente aos poderes instalados.
Não haveria nenhum problema com isso... se não fossem inconsistentes entre si, ou absurdas para o bom senso. Não o são tanto, quando os historiadores se centram em pequenos aspectos históricos, e normalmente ignoram, ou fazem por ignorar o contexto global.

Talvez porque os nossos antepassados tenham visto tantas vezes a História ser trucidada pelas historietas convenientes aos "vencedores", prefiram usar a Mitologia, onde a história é assumida como parcialmente ou totalmente inventada. É melhor isso do que a Mintologia, em que a mentira impera no registo histórico, fazendo-se passar por verdade.

Aliás, a diferença entre "História" e "história", é apenas ilusão académica de que ao escrever História com "H" maiúsculo, ganha maior dignidade... mesmo sendo ausente de uma credibilidade, que perdeu.
- História tornou-se num simples "Isto, ria"!
Porém, não há distinção na língua portuguesa entre histórias.
Verdadeiras, ou inventadas, todas são  "histórias", e essa é uma opção correcta.
É opção correcta, e a credibilidade da história mede-se sempre pela sua consistência.
Numa mera novela, um personagem órfão pode aparecer nos últimos episódios acompanhado dos pais... sem necessidade de justificação.
Tudo depende do critério do espectador, se é exigente ou não!
Só que a História tem um propósito auxiliar, que é servir de orientação para o futuro.
Se aceitarmos contradições e arbitrariedades na descrição do passado, mais facilmente seremos confrontado com as mesmas contradições e arbitrariedades no futuro.

Conforme vimos, as revoluções usaram apoio popular, mas não tiveram génese popular... foram na maior partes das vezes "uma encenação de mudança para manter tudo na mesma". Além disso, devido à falta de conhecimento histórico consistente, os mesmos erros são repetidos, vezes sem conta. E não será "primeiro como tragédia e depois como farsa", como terá dito Marx, quase sempre é como tragédia, ainda que nos bastidores se encene a enorme farsa.
É a falta de conhecimento e compreensão do processo histórico que permite alimentar revoltas, vinganças, e todo o tipo de animosidades, que vão mantendo a população entretida, entre ficção e realidade.
Cada indivíduo preocupa-se mais com o número de chicotadas que leva, relativamente aos vizinhos, e assim estão longe de questionar tão pouco a escravatura a que todos estão sujeitos.

Por exemplo, em 1930, no meio de uma recessão enorme, em que a economia parecia definhar, Keynes, que fez bastantes previsões correctas, fez uma previsão completamente incorrecta:


Keynes, em 1930 previu
15 horas como semana laboral do final do Séc. XX 

No entanto, quando até o MRPP, esse partido de perigosos revolucionários, pede em outdoors a passagem da semana de 40 horas para a semana de 35 horas (e muitos acham isso irresponsável), vemos como os escravos se habituaram às chicotadas e sentem falta dessa dedicação que os capatazes colocam nas suas costas.
A previsão de Keynes estava absolutamente correcta, tendo em atenção a conquista das 40 horas semanais, ainda no Séc. XIX, nos EUA.
Depois tudo foi regressão... ou talvez como veio a dizer:
Capitalism is the astounding belief that the most wickedest of men will do the most wickedest of things for the greatest good of everyone

De facto, num desregrado sistema capitalista, é natural que vençam os mais perversos, fazendo as coisas mais perversas, e não será certamente para benefício da humanidade, mas exclusivamente para benefício local, próprio. Mas não é só isso...
O artigo do The Guardian culpa os workhaolics... ou seja, as pessoas preferem receber mais, trabalhando mais, do que usufruir do descanso. Esse é um lado da questão, mas a principal razão parece-me ser outra - o problema principal é que os capatazes não controlariam tão bem os escravos, dando-lhes descanso. 
Porque o objectivo do escravo não é partir pedra, é estar ocupado a partir pedra... para nem sequer ter tempo para pensar em revoltar-se da sua condição. E como os capatazes não querem que a pedreira seja uma colónia de férias, de trabalho leve, nem saberiam como controlar tanto escravo, sem os pôr a trabalhar, reduzem-se à sua ignorância, e insistem na única receita que conhecem... a do chicote, que funciona, e onde são bons. Basta eleger o melhor escravo pedreiro, colocar o seu nome em parangonas na pedreira, todos os outros vão invejar aquele modelo de escravo, que poderá até ser um dia capataz.
Tudo o que há a fazer é culpar os escravos preguiçosos, da falta de produção, mesmo que num terreno em anexo, longe dos olhares, a produção de pedra acumule em pirâmide... porque a produção é simplesmente dez ou vinte vezes maior que as necessidades.
E não interessa aqui saber se na pedreira, os capatazes são pedreiros livres, e os outros são escravos, porque todos acabam por ser escravos do sistema tradicional que conhecem. O que interessa mesmo aos senhores são as gemas preciosas, e por ignorância, nem capatazes, nem escravos, percebem quais elas são. Todos estão entretidos demasiadamente entre si. Os escravos não concebem um mundo sem a pedreira e as chicotadas, e o máximo que ambicionam é ter umas costas menos carregadas que os outros. Outros querem ser capatazes, e é o mais longe que conseguem ver, porque nem tão pouco puseram os olhos nos senhores, que mantêm todo o sistema. Para esses desconhecidos, é indiferente se os escravos se revoltarem e depuserem os capatazes... a única coisa que interessa é manterem-se na sombra, para não serem alvo de represálias, mesmo que sejam forçados a mudar os capatazes. 
Só que todo este sistema, que agrada ao escravo feliz, ao perverso capataz, e aos instalados senhores, baseia-se numa ilusão de realidade, reduzida à pedreira... e o mundo é muito mais que uma simples pedreira, na posse de uma meia dúzia de senhores, cheia de escravos dominados por uns tantos capatazes.
E o problema das ilusões é que são muito engraçadas, até que um dia a realidade bate à porta... e se nada aparenta prever que nada vá mudar, há umas pequenas coisas que indiciam que não será bem assim. Porque... o universo é como é, e para ser como é, precisa de ser consistente, e isso não se compadece com ilusões perenes. A pequena grande diferença é que há agora quem saiba disto... e por consequência, o universo sabe disto.


Sem comentários:

Enviar um comentário