Alvor-Silves

sábado, 9 de abril de 2016

Bene Cuela da Venezuela & Chagres do Panamá

Há já mais de 6 anos que notei num detalhe de um dos mapas do Tratado de Marinharia de João de Lisboa, e que dizia respeito ao nome aí dado ao Lago de Maracaíbo, na Venezuela, conforme se pode ver no seguinte detalhe do mapa:
Tratado de Marinharia de João de Lisboa - em destaque (amarelo): Bene Cuella, la Laguna de Bene Cuela  
Portanto aquela lagoa, que hoje tem o nome de Maracaíbo (que é o nome de uma das grandes cidades venezuelanas), situada na zona em que o Golfo da Venezuela "quase cola" com o Lago de Maracaíbo, chegou a ter o nome de "Bene Cuela".

Ou seja, desde essa altura que ficou para mim claro que o nome Venezuela resultava de uma pequena deturpação deste "Bene Cuela", passada a "Vene Cuela" ou "Vene Çuela" e depois a "Veneçuela" ou "Venezuela". Não é assim que é entendido normalmente, como se poderá ler na wikipedia, por exemplo na Etimologia de Venezuela, onde se dá numa versão a deturpação do nome de Veneza, por motivo de baptismo remetido a Vespúcio, ou ainda outras versões alternativas, mas que não referem esta designação de "Bene Cuela", que se terá perdido nos tempos conturbados. 

Tempos de ignorância dos mapas portugueses, por motivo de ocultação destes mapas durante séculos, ou por motivo de ocultação das cabeças... em tempos mais recentes. Já que, sendo estes mapas bem conhecidos há muitas dezenas de anos - e pela minha parte, boa publicidade lhes fiz durante os últimos 6 anos... mantém-se toda a ignorância, na maioria das vezes porque as pessoas simplesmente preferem a versão simplificada de fechar os olhos, sendo mais confortável aceitar uma realidade fabricada pelo contexto social, do que questioná-la minimamente.

Estes mapas portugueses de João de Lisboa (a que atribuo a datação de 1514-25) dão o detalhe da localização de ilhas, algumas das quais tão pequenas que é preciso usar um grande zoom no Google Maps para as detectar.
Se a grande maioria das designações costeiras mudou, o nome das ilhas nem por isso... ou vejamos:
O mesmo mapa invertido (para leitura dos nomes).
A sequência não deixa muitas dúvidas sobre a correspondência directa:

A seguir à Tortuga, aparecem ilhas não nomeadas (La Margarita e Blanquilla) e o nome "flaires" é quase mantido em pequenos ilhéus - nomeadamente na isla Fraile grande, assim como se mantém a Sola (com apenas 500 metros quadrados) e os Testigos. Na imagem vemos ainda a grande ilha de Trinidad e Tobago, mas sem qualquer nome... continuando com os nomes "lagranada" (Granada),  "samtaluzia" (Saint Lucia), "matririno" (Martinique), etc...

E se o mapa, no que diz respeito aos "Paraísos Fiscais" seguintes, é menos exaustivo... porque são muitas as ilhas nas pequenas Antilhas. indo na direcção oposta (na figura: acima de Aruba) encontramos a designação "momjes" que corresponde aos ilhéus Monje com 20 hectares na totalidade.
A razão da atenção dada a uns casos, e não a outros, corresponde à importância do aviso deste ilhéus que seriam pouco mais que perigosos recifes, em zonas menos esperadas. Há ainda a menção ao Cabo "La Vela", que aparece com o nome similar "c.lavela" ou "c.lanela".

De qualquer forma, para os que sempre julgam que o grande Pedro Nunes era um "bazófias" quando dizia que "não havia no mundo nenhum ilhéu ou baixio, que não tivesse sido cartografado pelos portugueses", creio que este exemplo aqui trazido é significativo. Afinal é apenas a bazófia dos pequenos que procura diminuir, ou desacreditar, grandes feitos.

Mas a coisa continua... por esse lado, da Colômbia, em direcção ao Panamá.

As designações das ilhas de "arena, sto baru, são bernaldo, baruti" devem corresponder aos arquipélagos colombiano do Rosário, de San Bernardo, de Baru. Depois há correspondência mais directa com a ilha Fuerte, ou ainda de "totugas" com a ilha Tortuguilla
Mais longe, já na região do Panamá, aparece três ilhas neste mapa:
- Sãt'ãtº (talvez Santo André)
- Samta cª (provavelmente Santa Catalina e Providencia)
- Sã visëte (estará agora submersa, mas poderia ser o banco Quita-sueño)
bem como outros ilhéus mais afastados "la Serana", que devem corresponder ao atol do banco "La Serrana".

Finalmente, chegados ao Panamá, vou apenas voltar a um velho assunto - Chagres e Sagres!
O Rio Chagres é uma parte que faz o Canal do Panamá.
Há seis anos, quando vi este mapa, insisti na possibilidade da inscrição referir "c sagre" e não "chagre", mas parece-me hoje que designa mesmo "chagre", e portanto poderia mencionar o "Rio Chagres", mas no mapa consta logo também "R de lagartos", e assim o nome do rio poderia ser "Lagartos" e não Chagres.

A questão era muito simples e explicada num dos primeiros textos que escrevi chamado "Encoberto"... é que existiu na Guiné, em Conacri um cabo também chamado Sagres:
--- "Cape Sagres is a cape in Guinea and is nearby to Tombo Island, Conakry and Camayenne."

Portanto, termos um outro Cabo Sagres junto a uma Ilha do Tombo... digamos que é suficientemente estranho... mesmo se a ilha do Tombo não tivesse a Torre do Tombo. 
- E a razão pela qual isto ligava ao Panamá?
- Simples... a latitude de Sagres na Guiné é 9.5º N, enquanto Chagres no Panamá está a 9.25ºN, mas o cabo em questão estaria mesmo a 9º.6 N. Em vez da Ilha do Tombo, há nesse cabo panamiano a Ilha Tambor.
Ou seja, a diferença de latitude sendo 0.1º é mínima, estaria bem abaixo do erro de medições feitas à época do Infante D. Henrique, ou até ao Séc. XIX, e enquadrar-se-ia bem no paralelismo África-América, como processo de relatar em África os progressos que se faziam na América... lembrando o que Frei Luís de Sousa comentava sobre as "duas pirâmides" no símbolo "talant de bien faire" do Infante D. Henrique (ou seja, um paralelismo entre pirâmides mexicanas e africanas-egípcias, também em latitudes semelhantes).

Bom, mas sendo ou não o nome do cabo... região que também ficou depois como "Nombre de Dios", o Rio Chagres teve uma importante fortaleza - o Forte de San Lorenzo, que salvaguardava o comércio entre Pacífico e Atlântico. Se essa fortaleza já existia antes dos espanhóis... pois isso prende-se com todo o contexto subjacente à passagem do controlo americano, por parte dos portugueses aos espanhóis, no reinado de D. Manuel. Essa seria a justificação de termos muito melhores mapas portugueses da região, que alguma vez tivemos do espanhóis na mesma época. A cedência de todo esse controlo fazia parte do negócio de paz das Tordesilhas.

Essa fortaleza de San Lorenzo foi alvo de um grande ataque pelo pirata Henry Morgan... ao serviço de Sua Majestade, o rei Charles II, apesar de haver paz com os espanhóis. A partir dessa base no Rio Chagres, foi atacada a própria cidade do Panamá, em 1671.
Eram tempos em que a pirataria em paraísos fiscais, ou melhor em paragens das Caraíbas, fazia parte do negócio dos reinos, conseguindo de forma ilegal pressionar o que não conseguiam impor de forma legal.
Bom, e por que razão menciono isto?...
Henry Morgan - pirata e depois almirante da Royal Navy (1635-1688)
Henry Morgan - fundador da empresa especuladora Morgan-Stanley em 1935

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