Alvor-Silves

domingo, 3 de janeiro de 2016

Bi-disco & Cong

Tinha pensado ainda colocar este postal antes do final do ano, mas nem sempre se arranja tempo entre bolos, filhós e espumante. Por via de um comentário que envolveu a palavra Congo, pareceu-me adequado recentrar a discussão.

Há uns objectos, chamados pedras de Dropa (Dropa Stones), que estão ligados a um certo folclore da teoria alienígena, e que não me interessam muito (quem quiser pode ler o link anterior que remete para a Wikipedia, ou ainda ver outros detalhes em crystalinks.com/dropa.html).

Estes objectos são obviamente desconsiderados por quem não acredita em visitantes alienígenas, e seguem-se controvérsias de falsificação, etc... 
Pior, têm também um efeito colateral, que é misturar no mesmo assunto, outros objectos, que são perfeitamente aceites, mas que assim têm tido muito menos atenção ou consideração, por poderem ser juntos no mesmo rol.

Tratam-se dos Discos bi (... parece que também se pode ler pi):
Discos Bi - de 3400 a.C. até à dinastia Han
(Ambas as imagens são da dinastia Han, cerca 200 a.C.)
Atendendo a que espessura destes discos de jade pode ser inferior a meio centimetro - na primeira imagem 0.4 cm, com diâmetro de 13 cm - estamos basicamente a falar do formato de CD ou DVD - que têm 12 cm de tamanho standard, e 0.12 cm de espessura (ou seja, o bi-disco tem a espessura de 3 CD's). 
Ok, não cabem num normal leitor de CD/DVD, mas enganam bem!


Estes objectos têm uma proveniência muito específica, de uma "pequena" região na China (... e que, por mero acaso, visitei no ano passado), próxima de Xangai. Estão associados à transição do período Neolítico na Cultura de Liangzhu, onde também se encontram outros objectos, igualmente curiosos, uns tubos de jade, denominados cong (também se poderá ler tsung).

 
Cong - tubos de jade

Os tubos cong nalguns casos poderiam dar para vários discos bi, sendo cortados longitudinalmente... mas normalmente há um envólucro quadrado que circunda o tubo.
A função dos cong parece ser ainda menos conhecida do que a dos discos bi, mas ambos foram associados a símbolos sociais, considerando-se que os discos bi de uma tribo eram entregues como acto de submissão, após derrota em guerra. Outras considerações vêem os cong como símbolos da terra (quadrado), enquanto os discos bi seriam apenas símbolos do céu (círculos).
Um vídeo é sugerido na Wikipedia, e merece de facto ser visto:
Cong & Bi - Liangzhu Culture (vídeo da Khan Academy)
  
Há várias questões levantadas sobre a execução destes objectos, que começam a aparecer datados de circa de 3000 a.C., numa altura onde não se encontram aí ferramentas metálicas capazes de trabalhar facilmente com a dureza do jade. 

Um ponto nesta questão é que as chamadas pedras de Dropa (que se misturam ainda com o mais surreal disco de Lolladoff - que tem figuras com ETs), apareceram nos anos 1950 e 60, tendo sido mesmo divulgadas em Moscovo, nessa altura, por um certo Vyacheslav Zaitsev (havendo entretanto um famoso costureiro, ou um voleibolista, exactamente com o mesmo nome - deve ser um nome do tipo "João Silva"). 
Esta data de aparecimento antecede a primeira patente do CD que é submetida em 1966 e aceite em 1970. Ou seja, quando em 1964-65 aparecem vários artigos em revistas OVNI sobre os discos Dropa, ainda não se pensava em CD's, que só iriam aparecer no mercado nos anos 1980. 
De qualquer forma, para afastar a ideia de que uma coisa pudesse ser associada à outra, nada melhor que uma história inventada para confundir. Da mesma forma que se quisermos descredibilizar um indivíduo, uma maneira é descredibilizar o grupo a que pertence (neste momento, quantos aceitariam emails de vantajosas propostas de negócio nigerianas?).

Convém assim estar mais atento a legados perfeitamente aceites, e não contestados na origem, do que ir atrás de focos de atenção, que puxam quase sempre para meia-dúzia dos mesmos exemplos, uns menos claros que outros. Simplesmente assim, aos legados oficiais não é dada a devida atenção, e estão de alguma forma arrumados numa arrecadação de um museu, ou num sítio da exposição sem grande foco para o turista.

Um dos grandes trunfos do ilusionista é manipular a atenção do espectador para outro foco!
Convém não esquecer que estamos, quase desde o princípio dos tempos, a lidar com Magos.

Afinal, se nos deparássemos com um bi-disco, agora de vidro, como este:
Bi-disco da dinastia Han (circa 200 a.C.)
no Metropolitan Museum of Art
... seria talvez mais fácil entendê-lo como um CD estragado duma edição pimba da Vidisco, do que como um Bi-disco como mais de 2 mil anos.

4 comentários:

  1. Pi-disco, parecido com Pi-desco...relembrando Aquilino Ribeiro na Brasileira, que nesse tempo tinha o balcão ao fundo, a parte mais perto da rua era dos intelectuais, havia uma separação e ao fundo junto a esse balcão havia umas mesas da onde o inspector se ia sentar; quando o inspector Sanchez entrava e passava pela primeira vaga de gente, tirava o chapéu e dizia "Boa tarde meus senhores", ao que Aquilino retorquia em voz alta "Seu filho de uma grande puta".

    Os mesmos pidescos que decidiram matar Humberto Delgado com o apoio e a mando dos pacifistas que quiseram erradicar o ópio do povo, foram então impedidos por alguém que é lembrado como persona non grata pelas re-escrições das histórias pimba.

    Falando em música, onde será que se consegue qualquer acerca da Escala Tessaradecatónica?

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    1. Caro Bartolomeu,
      quando mencionei o Pi, era mesmo o número, porque é o que melhor caracteriza o círculo.
      Escreve-se Cong e Bi, mas depois se ouvir a senhora no vídeo, verá que ela diz Tsung... e provavelmente diria também Pi (e não Bi). Porque se as letras chinesas são as mesmas, a língua era diferente e o mandarim apenas uma delas - e se calhar até mais recente.

      Agora, qual a pertinência de falar no Pi, e agradeço o comentário também para explicar isso, que não ficou muito claro no texto... porque me esqueci.
      É que a velha questão milenar da Quadratura do Círculo era o número Pi não ser uma fracção nem algébrico.
      Assim, pode ser coincidência, muito provavelmente o é, mas é estranho ter nos tubos Cong um quadrado a envolver um círculo, porque isso pode ser visto como uma forma de ilustrar o problema da quadratura do círculo (veja o símbolo do programa da SIC, eh eh!).
      Não são os tubos Cong que são chamados Pi, e portanto não é uma coincidência total, mas não deixa de ser curioso.

      Tem ainda piada falar na PIDE, porque me soou muito mais quando estava a fazer no outro blog Odemaia a transcrição das Aves do Aristófanes, já que o nome Euelpide não deixa escapar o som. Por acaso, daquilo que consigo perceber, aquele nome usado pelo Aristófanes deve surgir de Eu-Elpis que é como Boa-Esperança, seria uma forma de dizer bem-esperançado na forma de um nome.

      Não sei de que tenha sido o PCP a estar envolvido na morte de Humberto Delgado, mas sei que não foi do agrado do comité que ele tivesse concorrido, e o Estado Novo admitia o candidato comunista, não querendo aceitar a candidatura de Humberto Delgado - isso está documentado.

      Quanto a Sampaio Bruno, não conheço a sua obra, e também não sou perito musical. Não vejo qual fosse o problema que ele quisesse resolver com uma escala de 40 tons (penso ser isso que Tessara-deca-tónica significa, ou será 14 tons?).
      Poderia sugerir o tópico da Wikipedia:
      https://en.wikipedia.org/wiki/Scale_(music)
      ... e as referências que aí se encontram, mas isso é um bocado estar-lhe a indicar o que provavelmente já viu, e portanto não serei certamente ajuda neste tópico.

      É bom ter falado nisto, porque há ainda um tópico de "flautas paleolíticas" que já deveria ter trazido aqui, e ainda não tive oportunidade disso.

      Obrigado, e um abraço.

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    2. Caríssimo, eu percebi que o Pi teria a ver com um número, ou pelo menos foi isso que a minha antena apanhou em primeiro lugar, mas, depois ao reler veio-me o pi-disco e daí o pidesco, ao que decidi juntar algo que escutei recentemente na primeira pessoa sobre os tempos de Salazar. Uma delas foi que HD não era bem vindo onde quer que fosse.

      O capa gê bê também tem tudo documentado e de livre acesso, mas não deve dar muito jeito começar a publicar :-)

      Sim provavelmente pode-se escutar isso, entre pi e bi, tsung, dsung, schzun, ou mesmo xuoung, as pronuncias na China têm muito disto, um pouco como nós cá com outras nuances. Nos meus temos de ROC, quando achava que já estava a dominar uma pontinha para conseguir estabelecer o diálogo, lá me aparecia um alentejano ou açoriano lá do burgo dizendo que não era 'xuoung' mas sim 'schuoung'...um fartote de rir!

      Perguntar pelo SB não foi acidental, se por um lado aqui neste sítio transparece uma certa fecundidade por temas e trocas fora do circuito e formato comum e que isso me tenha levado a solicitar se alguém que por cá navega tenha qualquer coisa sobre o tema, por outro, SB está na génese do Encoberto de Pessoa (SB terá sido como que uma espécie guia do poeta, atesta a correspondência entre ambos), e, sendo o Encoberto o título de um trabalho aqui publicado, daí que, 20+20=32.
      O que me despertou curiosidade (que não percebo nada de música) é que SB nada teve a ver com a arte sonora (i.e., nada se conhece das suas relações perante este assunto) e de repente, salvo erro durante o exílio nos Países-baixos, edita o ensaio sobre essa escala, e, ao que parece foram construídos pianos especiais para tal, que actualmente (se não estiver a dar um pontapé ao lado) estará um algures num museu da Alemanha.
      Já falei com músicos e gentes da música, ninguém me sabe dizer o que é nem para que serve, no entanto, poderá ser conhecido como outra coisa, também não afasto essa hipótese.


      PS Achei o (b)ideo um pouco ortodoxo quando no início remata "...quando os seres humanos começam a se estabelecer num lugar porque descobriram como domesticar animais, descobriram como lavrar, como fazer colheitas..."; mas isto sou eu que por convicção sou teimoso em que primeiro o homem domesticou a planta e antes disso vivia à beira dos rios, nos estuários (acho que já tive este debate consigo neste espaço). Compreendo linha marxista, ou maniqueista noutro ponto de vista, que estes historiadores dão às coisas, e, de certa forma faz algum sentido num modelo continuísta, enfim, viva a diferença!

      abcs
      B


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    3. Caro Bartolomeu, o H. Delgado armou-se em cruzado solitário. Hoje tem o P. Morais, montado no seu camelo anti-corrupção a procurar a estrelinha em Belém... sendo claro que Jesus agora renasceu em Alvalade.
      Note-se que o Paulo Morais é daqueles sujeitos que me vai fazer levantar o cú da cadeira, para ir votar nele, porque não desisto de acreditar nalgumas pessoas. (E até aprecio o Marcelo, que conheci pessoalmente.)
      Paulo Morais é detestado da esquerda à direita, porque a verdade acompanhada de nexo incomoda demasiado, e assim é fácil as putas do regime (especialmente da pretensa esquerda) usarem contra ele os epítetos de populista, porque o maior crime contra quem vive do regime é falar na sua corrupção impune.

      Ora, o indivíduo é o maior inimigo das estruturas. Nas estruturas, os indivíduos anulam-se para dar sentido ao grupo, ao partido, à religião, ao clube, à nação, etc... Sujeitos que se destaquem per se, sem responderem ao cordelinho que lhes faz mexer os braços ou a língua, um cordelinho comandado à distância, esses indivíduos ou são inofensivos e dão jeito, ou são o maior perigo aos regimes, a todos os regimes, e são tratados como tontos, como egocêntricos, como potenciais déspotas, etc...

      Salazar sobrepôs-se à máquina, mas só até certo ponto... porque convém não esquecer que houve "alguém" que teve a ousadia de lhe dar jornais falsificados, e lhe fazer crer que se mantinha no poder, quando recuperou da "queda". Portanto, quando se usa uma máquina, o funcionamento passivo está sempre activo. "Obviamente demitiram-no", e não foi preciso Delgado.

      Percebi que sim, que terá existido um Sampaio Bruno, mas só depois de você trazer aqui o assunto, para ser sincero. Mas, de qq forma, a noção de "Encoberto" não é nada que se remeta a Fernando Pessoa, é algo muito mais antigo... e que na minha opinião era o figurativo certo para se opor ao "Descoberto", após a época de descobrimentos, onde houve tantos encobrimentos.
      Por exemplo, tudo o que aqui coloco é no domínio do "Encoberto", porque para ser catalogado como "Descoberto" teria que ir para uma arena do circo oficial, fazer de gladiador num espectáculo encenado. Não interessa nada estar acessível a quem quiser.
      É uma maneira de domesticar os indivíduos, ou anulá-los, porque uma grande estrutura não dá importância aos indivíduos, por mais importância que tenham tido. A coisa chega a ser tão ridícula, que a população sente que a anulação é o próprio fenómeno que explica tudo o resto, e daí a noção do "Encoberto" ter ganho maior importância, porque houve muita gente anulada, para manter como "Encoberto" o que era "Descoberto".

      Quanto ao PS "costeiro" dos estuários, ou à beira-rio, lembro-me sim dessa discussão. Aliás, o seu excelente comentário deu um postal, e a discussão que se seguiu, continuou muito interessante.

      http://alvor-silves.blogspot.pt/2014/09/dos-comentarios-8-do-octavio.html

      Obrigado por me relembrar dessa excelente troca de ideias.
      Abraços.

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