A marcação do tempo não é a história dos relógios.
"Não percebes puto" será uma maneira engraçada de dizer que não se entende "puto" como "penso".
O registo temporal começou por ser um registo da alternância entre dia e noite, seguindo-se a observação das fases lunares, e só depois do calendário solar.
Computo foi uma palavra associada ao cálculo pascal.
A Páscoa é definida no primeiro domingo após a primeira lua cheia da Primavera. A marcação da data pascal era o cálculo mais importante a realizar na Idade Média, pois dele dependiam as outras festividades (nomeadamente a Ascenção de Jesus, comemorada 40 dias após a Páscoa, a uma Quinta-feira, chamada Quinta-feira de Espiga, ou seja, foi ontem...).
Capela da Ascenção - Jerusalém - Monte das Oliveiras
Nem sempre foi consensual a marcação da Páscoa, até porque referia a tradição judaica do mês Abib (ou Nissan ~ Abril) e por outro lado a execução de Jesus. Mesmo sendo consensual a definição, implicava observações astronómicas correctas, e as diferenças entre calendários lunares e solares complicavam os cálculos.
Putare
Computar, tal como imputar, reputar e disputar... têm atribuída origem latina a putare.
Ora, o verbo Putar, apesar da sua sonoridade inconveniente, correspondia a pensar, supor ou calcular.
"Não percebes puto" será uma maneira engraçada de dizer que não se entende "puto" como "penso".
Há várias teorias acerca das palavras puto e puta, e foi interessante ver doutra parte essa confirmação de "Puta" enquanto divindade associada à agricultura.
Não há que ter pruridos induzidos por falsa cultura inibidora, que remeteu nomes de divindades para conotações sexuais puritanas. Puta é um apelido comum na Roménia, e na minha opinião é equivalente a Maia, Cíbele ou Vénus, enquanto deusas da Terra.
Ficou claro no texto Puto de Vénus, que Puto era uma forma de Cupido. Associada ao Puto estaria obviamente no feminino, Puta, ou seja Vénus... (e "vê nus" ou "vê-nos", são alternativas).
Isto nada tem de estranho, atendendo a que os cultos de Dionísio e Cíbele promoviam orgias, e portanto as sacerdotisas do culto da divindade Puta podiam perfeitamente ser chamadas putas. Não tem que ser verdade, mas seria consistente. Por exemplo, a palavra "deputado" remeteria ao verbo "putare", de pensar, calcular, ou a um sacerdote eunuco de Puta?
Depois, a própria palavra puta não se refere só à conduta sexual, refere-se ainda hoje a um certo calculismo, a uma certa forma de ludibriar e tirar vantagem de situações por meios imorais. Por exemplo, é natural que essa facilidade sexual pudesse servir estratégias do culto.
Assim, o calculismo, tanto poderia servir para designar uma inocente computação numérica, como poderia ser posto ao serviço de outras computações, com cálculos de poder. Convém notar que as sociedades matriarcais não se impuseram pela força... já que a força física dos homens suplantaria a das mulheres sem dificuldade.
Porém, a partir de certa altura, deixou de ser a força física a determinar a liderança social. Assim, uma sociedade matriarcal poderia ter sido imposta com computação, calculismo. Adquirida essa força mental, seria possível ao lado feminino manter um ascendente sobre a parte masculina... não tanto como amazonas guerreiras, mas como simples cultura sacerdotal. A manifestação de uma divindade masculina, um Puto, apenas como uma criança, como um cúpido destinado ao amor idealizado, pode reflectir uma rejeição ao lado violento do homem adulto, e apenas um afecto maternal ao homem criança, algo natural nessa religião mais antiga... já que, a mitologia feminina proclama: "os homens são todos iguais", e não se reportando aqui aos ideais da Revolução Francesa.
Tempo e Frequência
Bom, mas voltando ao Tempo, e esquecendo a parte de Cronos, porque já não estamos sob o signo de Touro, e também não falando do Tempo atmosférico, associado a Zeus, interessa distinguir o Tempo no movimento e na mudança.
Do ponto de vista da percepção individual, o movimento não tem que ser associado a uma mudança. Isto pode parecer estranho, mas não é a visão de algo a mexer que induz a noção temporal. A noção de mudança é feita por auxílio da memória. Resulta de saber onde estava antes e esteve depois. O movimento é apenas uma percepção vaga do fluxo que leva de um sítio ao outro... e se o movimento for suficientemente rápido, nem o vemos. A percepção visual está ajustada para décimos de segundo, e por isso com um filme a rodar a 25 imagens por segundo, não notamos diferença face à realidade.
Hertz (Hz) é a unidade por segundo, a frequência da alteração.
O nome deriva do físico alemão Heinrich Hertz.
1 Hz é a frequência do batimento cardíaco normal, e Herz em alemão significa "coração".
Portanto, nada mais coincidente do que ter Hertz associado ao Herz!
Podemos ainda notar que o prefixo "fre" (f+re) em frequência invoca repetição noutros casos, especialmente em "freguês", mas também em "frenético", "frenesim", etc...
Interessa que se a repetição visual for superior a 25 Hz, pouco notamos visualmente (a maioria dos ecrans usa uma repetição entre 50 a 100 Hz, para conforto visual).
Curiosamente, quando termina a capacidade visual na frequência, surge a capacidade auditiva.
Ou seja, a audição humana varia entre 20 Hz e 20 000 Hz, mas não se manifesta pelo detalhe, manifesta-se por considerar essas alterações como som, ruído ou música.
Isto é importante, porque é um sinal do propósito da limitação das nossas capacidades.
Alterações superiores a 25 Hz no campo visual seriam só úteis num mundo com um caos de eventos superior ao que temos. Não estamos nesse acordo de realidade.
Acordo vem do coração, e o nosso acordar é espelhado na frequência do batimento cardíaco.
Quando alguém é forçado a mais de 120 batimentos por minuto, ou seja a mais de 2 Hz, ou até a 3 Hz, está prestes a sair do acordo, porque o seu coração não aguenta. Essa situação remeteria-o para outro acordo, para um mundo caótico que não é o seu... porque neste não tem 2 ou 3 Herz (corações).
Portanto, a percepção que temos da ordem visual vai no limite até aos 25 Hz. Para frequências superiores, o ouvido permite mostrar-nos que, ou se manifestam harmonicamente, em simples repetições, e funcionam como música, ou são entendidas como ruído do caos. É inútil uma deriva insana para aumento de capacidade. Ainda que as capacidades aumentem, não são ilimitadas, e acima da capacidade fica o desconhecido, para além de não evitarem o ruído.
Do caos só podemos entender a música, a ordem, e devemos filtrar o ruído, a desordem.
Não podemos fechar a porta ao caos, porque precisamos da música na novidade entendível, mas devemos filtrá-la da poluição ruidosa, irracional.
Sem mudança não há tempo
Não haver qualquer mudança significa um congelamento... até dos relógios.
Sem mudança, não há tempo, mas o tempo é medido pela ordem na mudança. Os relógios registam mudanças repetitivas e essas servem como referencial para as outras mudanças.
Se todas as mudanças fossem caóticas, e nada se repetisse, também não encontraríamos relógios.
O coração é um referencial temporal no corpo relativamente à alimentação celular pela injecção de oxigénio no sangue, tal como o Sol é um referencial temporal na Terra relativamente à alimentação de cada ser. Neste sentido mais lato, o Sol funciona como coração da Terra.
O segundo para o corpo humano é o dia para a Terra.
Assim, um dia tem 86400 segundos, e essa é a diferença proporcional entre o ciclo de alimentação celular humano regulado pelo coração, e o ciclo de alimentação animal regulado pelo Sol. Deste ponto de vista, a humanidade, com menos de 100 mil anos, é um bebé terrestre, por respeito ao ciclo biológico regulado pelo Sol.
Os animais não precisam de qualquer medida temporal, sem ser o relógio do estômago, muito ligado ao ciclo solar. A outra coordenação temporal que têm resulta de sincronização visual ou instintiva. Não precisam de relógios para marcar encontros para atacar uma presa...
A necessidade dos relógios proveio de uma necessidade humana de coordenação para além do tempo solar que regulava a percepção biológica. Passado o aspecto animal, o homem começou a definir outros ciclos temporais para coordenar acções. Devagar, horas seriam suficientes para apontar encontros, depois passou-se a espremer cada vez mais o tempo, os minutos passaram a contar, e mais recentemente, na época televisiva, até os segundos contam.
Quando o homem passou a contar os segundos, estamos a atingir o limite definido pelo coração, pelo acordo... e já não é possível espremer mais, sem entrar no caos!
Depois, e mais importante, apesar do frenesim frenético, a mudança é cada vez menor.
O aumento da percepção leva-nos a entender coisas diferentes como iguais, e por diferentes formas parece que há uma máquina social ditada por um realejo que entrou em paranóia repetitiva e apenas produz repetições humanas, arriscando os homens a passar a realejos, para que o realejo principal justifique o seu bom funcionamento.
Os filtros que tínhamos naturalmente, que nos davam uma percepção limitada, para evitar o confronto com o caos, passaram a ser vistos como limitações. Na ânsia de conhecer mais, mais, mas sem orientação nem nexo, estaremos a mergulhar na aproximação caótica, mas já sem filtros que nos digam que informação é relevante e qual é simples ruído. Será como o sujeito que quer ouvir melhor, mas não percebe que ouvir o cantar da cigarra a quilómetros implica ouvir toda a bicharada a centenas de metros. Sem filtros próprios para decidir o que é relevante escutar, o que é informação relevante e o que é ruído, esta deriva é completamente caótica, aleatoriamente arbitrária, e parece promovida por esse próprio caos. As nossas limitações não parecem ser casuais e devem ser entendidas, para além da óbvia constatação científica. As normais limitações físicas não nos trouxeram a um inferno, foi a vontade de as superar que foi criando também situações infernais.
Tempo dos Jerónimos
Aproveito este texto, para um apontamento sobre os relógios que se podem ver nas ilustrações da Bíblia dos Jerónimos, conforme sinalizado pelo José Manuel. Como se poderá entender, o tempo que se marcava aqui pareceria correr a um ritmo mais lento...
Relógios de Pesos na Bíblia dos Jerónimos (feita em Florença, Séc. XV).
Tratam-se de relógios de pesos, que ainda não tinham pêndulo (usavam o foliot). O uso do pêndulo para sincronizar a cadência do relógio é atribuído a Galileu ou a Huyghens, já no Séc. XVII. É curioso ver também uma ampulheta, e notar que a esses relógios faltava o ponteiro dos minutos...
No Séc. XV, Filipe o Belo, Duque de Borgonha, casado com Isabel, filha de D. João I, para além de ter criado a Ordem do Tosão de Ouro, de que já falámos várias vezes, também teve aquele que é considerado como o relógio de corda mais antigo do mundo:
Se os relógios começaram a fazer parte da vida medieval, foi já no seu final que começaram a ver-se nas cidades os relógios em igrejas. O mais antigo que funciona será o de Salsbury (1386), mas mesmo antes Dante se referia ao bater do relógio (na obra Paraíso).
Só por algum prurido religioso com a herança islâmica ibérica, é que também será menos conhecida a notável obra de Al Muradi, que produziu para além de relógios, outras invenções mecânicas. O seu livro:
foi recuperado e algumas das invenções recriadas com o patrocínio, não da Andaluzia natal, mas sim do emir do Qatar.
Relógio com 3 personagens (Al Muradi)
Estamos a falar de uma obra datada pelo Séc. X, o que não deve ser considerado estranho, porque já sabemos do mecanismo de Anticitera, do Séc. I a.C. que seria mais complexo como relógio, ao incluir efemérides planetárias. Al Muradi fez ainda um mecanismo robótico, com personagens animados mecanicamente numa cena com donzelas, víboras e um criado.
Meca parecia inspirar Mecanismos, e é também reportado um relógio com um mecanismo robotizado, que terá sido enviado a um rei francês medieval.
Ainda nessa tradição do conhecimento islâmico tem sido finalmente reconhecido que a lei de refracção da luz, atribuída a Snell e a Descartes, no Séc. XVI, estava já num manuscrito de Ibn Sahl escrito no Séc. X em Bagdad.
Outras informações, de carácter teológico, de Avicena e Averróis, apesar de serem de pensadores de religião diferente, chegaram rapidamente a influenciar os aristotélicos pensadores cristãos da Europa... e por isso seria muito estranho que relógios e outros mecanismos não fossem do conhecimento medieval dos mosteiros. Creio que o ambiente do Nome da Rosa de Umberto Eco revela todo o cuidado em manter secretos conhecimentos que abalassem a sociedade medieval.
Quando a Caixa de Pandora foi aberta, após a Guerra dos 30 anos, houve então lugar às "reinvenções da roda"... os coches já podiam circular, e tudo parecia novo como se tivesse sido descoberto pela primeira vez. Podia até ser pela primeira vez para o próprio, mas claramente que se tratavam apenas de redescobertas, como tinha sido a redescoberta da América por Colombo.
Ainda hoje as comunidades continuam fechadas dentro dos seus conhecimentos. Um explorador que é bem conhecido no mundo islâmico - Ibn Battuta, que efectuou um périplo semelhante ao de Marco Polo, permanece quase desconhecido no mundo ocidental.
Os registos não se cruzam, as culturas continuam de costas voltadas, chineses, árabes e ocidentais todos têm histórias disjuntas, que parece não haver interesse em unir.
Convém manter a população crente numa história, e não pensar que foi enganada durante séculos.