Alvor-Silves

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Arco da Memória

O arco da memória é uma ligação que une dois pontos - passado e presente.
O arco da memória é a definição do tempo absoluto.
Uma estrutura sem memória não pode saber o que é o tempo. Tempo e memória confundem-se em noções diferentes, porque a experiência da ordem universal nos presenteia com a continuidade do movimento.
Os pequenos organismos reagem ao movimento, mas raramente têm memória. 
A memória só é útil a organismos complexos, capazes de a analisar. Um típico ser reactivo dispensa a memória. Entroniza a reacção, não a analisa. Um simples processo de compreensão vê um padrão e dele extrai uma noção. Ao repetir-se o padrão, conta com previsibilidade semelhante. Porém, quando as coisas se complicam, todas as noções contam num entendimento alargado. 
O arco da memória não é completo... tal como o arco do cajado de um caminhante, tem uma grande ponta fixa que assenta no presente, e uma pequena curva que vem do passado. Porquê? Porque substituímos o grande espaço necessário a uma memória completa por algo bem mais simples - as noções que se formam através dela. A falência da memória tem menos importância do que a falência das noções. A memória serve essencialmente para educar, testar e consolidar noções abstractas. Uma compreensão com noções abstractas alargadas dispensa o peso de uma grande memória.
Tudo isto se conjuga de forma admiravelmente lógica, indubitavelmente clara... mas algo extemporânea de ser entendida por uma sociedade que se formou pelo sucesso imediato dos processos reactivos simples.
A mesma sociedade que cuida ocultar a memória, por forma a educar espíritos infantilizados, lavrando sulcos de cultura distorcida por palavras que não são próprias, essa mesma sociedade é afinal ignota do propósito que serve a memória, e é assim também infantil... não no conhecimento, mas na sua compreensão.

Adiante...
Dia 13 de Maio, na Serra dos Candeeiros, é feita uma promessa.
Poderia estar a falar de 1917 e da Cova da Iria, mas a data e o local são diferentes. 
Para melhor evidência, cito o Archivo Pittoresco (1863, volume 7, pag. 336):
Indo el-rei D. Affonso o primeiro de Portugal para ganhar Santarem, fez neste proprio lugar hum voto a Christo, de dar tudo quanto via com os olhos d'alli até o mar á Ordem de Cister, se ajudado com os merecimentos de N. P. S. Bernardo ganhasse a.villa. E alcançando-lhe o Santo o que pedia, cumprio el-rei seu voto, donde resultou a fundação do Real Mosteyro de Alcobaça; o Senhorio do qual começa d'este lugar, e se acaba na praia do mar. Acontecerão estas couzas todas no anno de 1147, aos 13 de Maio em uma quinta feira.
Esta "lenda" associada à fundação do Mosteiro de Alcobaça estabelecia marcos de domínio da Ordem de Cister, cedidos por D. Afonso Henriques, que ficaram definidos por um Arco da Memória, encimado com a estátua do Rei fundador:
Arco da Memória (perto de Rio Maior) 
gravura no Archivo Pittoresco, e fotografia antes da "ira republicana" [imagem daqui]

Acontece que a promessa de D. Afonso Henriques era suposto ocorrer até que durasse monarquia. 
Três meses volvidos sobre a Implantação da República, em 12 de Janeiro de 1911, as concessões da monarquia já não faziam sentido... e o monumento foi destruído por republicanos.
É claro que, desde o tempo do Marquês, parece também haver uma versão conveniente de colapso por abalo sísmico... mas acresce a coincidência do aproveitamento imediato das pedras da derrocada para a estrada de ligação de Caldas da Rainha à Benedita. 
A história está bastante bem descrita em 
e inclui um curioso detalhe... restava a estátua do rei - e o popular que a foi restituir acabou multado!
A estátua de D. Afonso Henriques está agora junto ao Castelo de Leiria:
 
Estátua de D. Afonso Henriques. Reconstrução do Monumento em 1981. [imagens daqui]

Passados 70 anos, em 1981, por iniciativa do pároco dos Vidais, com o apoio da população, o Arco da Memória foi finalmente reconstruído. Como é óbvio, o Estado Português tem sido socorrido por populares com sentido de estado, quando falta sentido de estado aos seus dirigentes, ou quando esses dirigentes estão visivelmente a soldo de interesses externos.

Há muitas notas a acrescentar a este monumento oficialmente ignorado pela República Maçónica.
(1) Do que é possível apurar, pelo menos a estátua será fabrico ao tempo de D. Sebastião (who else?). Pela simples observação do escudo, é fácil ver que se tratam das armas posteriores a D. João II.
(2) A localização é ambígua, tal como já seria pela imprecisão da descrição de Frei Francisco de Santa Clara, que remete para uma Serra de Albardos, que já foi dita como Serra de Alvados.
(3) Ora, parte da Serra dos Candeeiros, a Serra de Alvados, será depois remetida para uma localização contígua a Cova de Iria - Fátima. 
Podemos falar na coincidência da data simbólica do 13 de Maio... a 1ª República estava apostada em banir a influência do poder eclesiástico, e a queda deste monumento terá estado nesse movimento. É significativo que, como aparente resposta, apareça na mesma data, 13 de Maio, uma manifestação católica em Fátima que iria suplantar as expectativas de qualquer republicano... que de bom grado reporia o monumento face ao significado que ganharam as ocorrências da Cova de Iria. Aliás, essa ligação foi uma suspeita imediata dos republicanos, que chegaram a prender os "pastorinhos", evitando a presença a 13 de Agosto de 1917.
(4) A situação fica ainda menos clara, porque há outro Arco da Memória, também na Serra dos Candeeiros, mais próximo da Serra de Alvados, mas que não teria nenhuma estátua real:
Arco da Memória perto de Arrimal, Serra dos Candeeiros

Este outro Arco da Memória não parece ter o mesmo registo histórico do anterior, mas foi também ligado à marcação dos domínios de Cister do Mosteiro de Alcobaça. 
Com inúmeros muros de pedra, que ornamentam grandes extensões da Serra, fazendo lembrar os muros açorianos, os monumentos singulares, atribuídos a uma marcação dos domínios de Cister, não seriam afinal outro tipo de monumentos, de outros tempos, depois aproveitados para outras "estórias"?
(5) Se não parece haver dúvidas sobre a estátua de D. Afonso Henriques ser do Séc. XVI, é significativa a frase constante no texto do Archivo Pittoresco:
Entre os povos da localidade e circumvisinhanças, é inteiramente desconhecido o nome da serra de Albardos, dando-lhe o de serra de Rio Maior, por ficar não mui distante desta villa, e das suas celebres bocas, das quaes ainda tenciono fallar. Chamam elles a este arco o rei da memoria, nutrindo fabulosas opiniões, filhas da sua ignorancia, e dão interpretações vagas e até absurdas sobre a origem d'este monumento.
Portanto a população não corroborava por completo a lenda de D. Afonso Henriques, ou chamava-lhe "rei da memória", estando associada a "fábulas" de "ignorantes", segundo opinião do autor do texto, P. C. Sequeira, em 1863. Como o autor não especifica as fábulas, fica a questão se remeteriam de novo a Hércules, como era frequente em Portugal e Espanha.
(6) É ainda notável o artigo do Archivo Pittoresco ser seguido de outra opinião, do editor Silva Tullio, que critica o autor do texto, dizendo que faltaria mencionar a investigação histórica que remetia a concessão de D. Afonso Henriques como sendo uma "invenção dos frades bernardos" do Mosteiro de Alcobaça, para reivindicarem aquelas terras. Esta questiúncula levaria depois à destruição do monumento.

O que se conclui desta pequena análise?
Que as acusações de ignorância podem ser sempre repartidas, procurando apenas validar um tipo de conhecimento... "politicamente correcto", adequado aos propósitos dos acusadores. Se os houver, os detentores de uma história mais completa, não se livram dessa ignorância, que passa por não perceberem qual o propósito do conhecimento que guardam para si.

2 comentários:

  1. Caro Da Maia

    Arcos Romanos, reconstruídos.
    Delimitam a Serra de Aires e Candeeiros.
    Este do Arrimal, foi restaurado pela última vez pelo Rei Dom Miguel.
    Compreende-se que tenha sido assim.
    Depois de Dom Miguel, veio o Dilúvio final.
    Três Arcos Romanos, têm que ter calçada romana por baixo, nem que seja só restos.
    As pedras como sabemos, teimam sempre em falar.
    O Forte de São Miguel Arcanjo, na Nazaré, que se diz mandado construir por Dom Sebastião, também me parece uma restauração do Forte Romano.
    Logo na Nazaré, onde por acaso se encontra o Monte Siano ou Sião, a que os pescadores chamam Saiano e o Cafurno, que era uma Praça Romana Fortificada, que com o nome embelezado, foi teletransportado para os arredores da faixa de Gaza.

    Abraço Da Maia
    Grata pela Conspiração de Veneza

    Maria da Fonte

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    1. Cara Maria da Fonte,

      e será que devemos falar em Romanos?... ou anteriores a isso?
      É porque quando vamos à Serra dos Candeeiros, numa estrada que sai de Porto de Mós, praticamente o que vemos é um incontável número de construções muradas, que podem ser pastorícias, mas que mais parecem muros reconstruídos com pedras de construções mais antigas, e a vista aérea é tão estranha quanto é do ar o desenho de formações nazcas:
      http://cdn.c.photoshelter.com/img-get2/I0000i5ZlhUxR4P4/fit=1000x750/h-00023274.jpg

      ... como aliás acabei por comentar aqui há uns tempos:
      http://alvor-silves.blogspot.pt/2016/02/geografia-antiga-da-lusitania-1-por.html

      Penso que o ponto do Forte de São Miguel Arcanjo, seria um ponto de referência, talvez até um ponto de lembrança, que invoca tempos em que as Berlengas se ligavam a terra. Portanto, um ponto de veneração muito mais antigo, que poderia ter megalitos ou torres, construções típicas da civilização atlântica, como há em Malta, ou em ilhas inglesas.
      Se os romanos fizeram algo de diferente, ou restauraram o que estava, pois não sei...
      Aquele ponto onde está o forte é um verdadeiro cabo que entra pelo mar... ainda que se tenha perdido o nome dele, sempre deve ter tido aquele aspecto, desde que o mar subiu, a tempos da Idade do Gelo.

      Quanto a D. Miguel, acabou apenas por servir para atiçar os ódios de revolta que se tornaram devastadores para a Igreja, aquando do fim das ordens monásticas. Todo o Mosteiro de Alcobaça esteve a saque e abandonado em 1834:

      http://alvor-silves.blogspot.pt/2016/03/geografia-antiga-da-lusitania-2-com.html

      Abraços, e obrigado pelo comentário.

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