Alvor-Silves

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Tabula Peutingeriana

Aparentemente, o único registo de estradas romanas está contido num manuscrito do Séc. XIII, a chamada "Tabula Peutingeriana", um extenso mapa mundi distorcido, privilegiando a topologia à topografia (ao estilo dos esquemas de linhas de metropolitano, hoje em dia). A versão sobrevivente, num museu de Viena, está amputada da parte mais ocidental, com a Península Ibérica, Ilhas Britânicas e Marrocos. Foi reconstruída posteriormente no final do Séc. XIX, da forma que se apresenta:

Tabela Peutingeriana com a extensão ibérica
Tabula Peutingeriana - Detalhe da reconstrução da Península Ibérica (Konrad Miller, 1898).

A Tabula Peutingeriana terá sido encontrada por Conrad Celtes na cidade de Worms, sobre o Reno, uma cidade que teria como designação celta Barbetomagus, centro da saga dos Nibelungos. Talvez a versão original da Tabula estivesse ainda completa, mas Conrad Celtes não a conseguiu publicar, tendo ficada associada a Peutinger, antiquário que a traz à luz em 1508 (já mutilada?) e lhe dará o corrente nome.
Brazão da cidade de Worms - Barbetomagus

É interessante esta ligação a Worms, e ao reino de Gunther da Borgonha, entre 406-411 d.C, com a migração de Alanos, Vândalos, e Suevos, que terminará depois na Península Ibérica, pois é nessa altura que o poder imperial romano de Honório começará a ser ilusório. Nestas paragens do Reno consta que Gunther iria controlar o anterior pretendente ao império, Jovinius. Este é um dos enredos da saga dos Nibelungos que envolve ainda o fim do reino de Gunther pelo ataque dos romanos com a ajuda de mercenários hunos. Siegfried é personagem central, e as figuras de Krimhilda e Brunhilda lembram ainda a posterior querela entre Fredegunda e Brunilda, já sob implantação merovíngia. Já tinhamos referido que o mapa de Piri Reis reporta a chegada da informação por via dos francos (burgúndios ou vândalos?) que fugiram do Egipto, aquando da expansão árabe em 641 d.C.
 
Execução da visigoda Brunilda, rainha da Austrásia (à esq.)
Siegfried e Krimhilda, com um falcão (à dir.)

A parte inicial da saga dos Nibelungos, começa com um sonho de Krimhilda sobre um falcão morto por duas águias, adicionando a decoração. As águias podem estar associadas aos dois impérios que acabaram por destruir o reino de Gunther, o romano e o tártaro, mongol, dos hunos. Quanto ao falcão, podemos associar ao legado cultural egípcio...
Num mundo em que a informação era controlada em cidades isoladas, havia um meio expedito de passar informação, já usado ao tempo dos egípcios e persas... o pombo-correio. Contra os pombos, havia outra arma... os falcões! Portanto, convém aqui explicitar que o falcão, enquanto representação de Hórus e também símbolo aqueménida de Ciro, torna implícito um "olho apurado" e ainda um interceptor de comunicação, de mensagens.

Assim, quando aparece um Colombo passando a mensagem d'A Mérica, será figurativamente um pombo que escapa aos falcões, que lançavam o seu olhar acutilante e as suas garras para manter o mundo restrito às fronteiras da Antiguidade, representadas na Tabula Peutingeriana.
Também de forma columbófila, encontramos o deus Hermes/Mercúrio, filho de uma "pomba" que é Maia, já que as Pleiades são pombas (gr. peleiades) filhas do titã Atlas, inseridas na constelação de Touro, na sua fuga ao gigante caçador Orion (ou Oriœnte). Também no cristianismo, a mensagem que Maria recebe é figurativamente representada, enquanto Espírito Santo, por um pombo, sem corpo de autor, relevando apenas o conteúdo. A utilização da columbofilia na expedição de mensagens teve como contraponto o desenvolvimento da falcoaria, como actividade nobre, especialmente nas monarquias medievais.

A saga dos Nibelungos, com Gunther de Borgonha, no séc. V, será escrita no séc. XII, e depois adaptada por Wagner, no magnífico Anel dos Nibelungos, sendo reincorporada no nacionalismo alemão, então mutilado pela cisão do Sacro-Império Germânico no Tratado de Vestfália, mostrando como aquela encruzilhada cultural no Reno se arrastaria por séculos e por diferentes paragens.
A migração ibérica dos suevos, aliados de Gunther, irá definir um isolamento histórico, que estará na origem de substanciais diferenças com a parte sob domínio visigodo. Desse lado temos a constituição de Espanha, e do lado suevo a constituição de Portugal, um reino que irá definir uma origem dinástica de Borgonha, apesar da ligação a Bolonha evidenciada por Damião de Goes. Os limites do mundo da Tabula Peutingeriana seriam ultrapassados justamente com a autorizada expansão portuguesa, conseguida pelo Infante D. Henrique, e por uma motivação comercial própria de Hermes.

Há duas concepções de Hermes, que acabam por se misturar. Na mitologia grega, sendo um deus mensageiro ligado a viagens, ao comércio, tem também um aspecto menos honesto, ludibrioso, que o liga aos trapaceiros. A mensagem, tendo em vista uma transacção comercial, pode ser distorcida com o intuito de um lucro facilitado. Assim, subjacente a um poder de moto comercial está também uma mensagem deturpada, sugestiva, como acontece na propaganda. O referencial de verdade colectiva, anteriormente representado pelo poder monárquico, foi com a ascensão comercial substituído na governação, onde a balança do comércio passou a balança de poder, numa hierarquia segura pelos segredos das transações, pelas ilusões criadas, que se pode dar ao luxo de responsabilizar os cidadãos pelas suas escolhas, sem nunca perder o controlo sobre a mensagem publicitada, e assim obter o maior controlo da verdade colectiva, à escala mundial. A ideia subjacente deixou de ser a falcoaria, como meio de caçar pombos... ao inundar os céus de pombos, inunda-se o meio informativo de mensagens, deixando como efeito residual e marginal qualquer mensagem incómoda.
caduceu de Hermes, para além das asas do mensageiro, mostra o confronto entre duas serpentes, o confronto entre o conhecimento e a sua oposição, um lado real e um lado ficcionado, serpentes que podem mudar de pele, enrolando-se num bastão de poder.
A outra concepção é a de Hermes Trimegisto, ligada ao gnosticismo, que esteve inicialmente ligado ao cristianismo, e que surge como ligação ptolomaica entre o deus grego Hermes e o egípcio Tot, que já referimos, mencionando a ligação à tradição maçónica. Aqui a simbologia destoutro Hermes embebe em filosofia fundamental (que se encontra também em Parménides), e é representado equilibrando uma esfera armilar, semelhante à que encontramos na bandeira portuguesa, e que remonta a D. João II e D. Manuel.
Se os descobrimentos levaram à consolidação comercial através das Companhias das Índias, dando asas um desenvolvimento técnico e social, as duas serpentes de conhecimento, real e ficcional, confundem-se e têm deixado submerso o homónimo Hermes, o total de Tot que aparece nas três componentes do Trimegisto (tendo a sua Tabula Esmeralda sido chamada o "segredo dos segredos").


 
Hermes Trimegisto e a Tabula Esmeralda (que surge na literatura árabe como
referência de carta de Aristóteles a Alexandre Magno) 

Para além do conhecimento filosófico, gnóstico, tido como secreto, haveria outros segredos de ouro na tradição egípcia, ptolomaica. Em particular, deveria estar conhecimento secreto que justificou limitar o mundo ocidental às fronteiras atlânticas, ao limite persa, e a um trópico acima de Cancer. O mundo em que "todos os caminhos iam dar a Roma", é o mundo da Tabula Peutingeriana.
Hércules abriu a passagem pelo Atlas que segurava o mundo antigo nos ombros, deixando o Mediterrâneo de ser limite navegável, abrindo caminho para as ilhas britânicas. Nova abertura foi lentamente conseguida pela dinastia de Avis, ensinando a cavalgar em toda a sela, domesticando os garranos. Adamastor cedeu e o mundo abriu-se o suficiente para que todo o Atlas viesse a ser revelado uns séculos depois.
Mas se os Atlas de hoje nos mostram muito mais que a Tabula Peutingeriana, também é certo que outras Pleiades, as pombas filhas de Atlas, permanecem sob segredo, e a diferença entre o ocultado e o descoberto será da mesma monta.




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