Alvor-Silves

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Às Portas Cáspias

A progressão de Alexandre Magno em direcção ao Oriente tem um episódio que foi retratado num romance iniciado no Séc. III, com variações no primeiro período medieval, denominado o "Romance de Alexandre". As variações incluem uma exploração subaquática do próprio Alexandre... 
Romance de Alexandre (edição russa, Séc. XVII)

... o que pelo menos mostrará que a ideia de explorar os fundos marinhos não foi certamente ideia recente, e esteve presente, pelo menos no imaginário humano, desde a Antiguidade.

Porém o episódio que talvez tenha ficado como mais simbólico é a estória de Alexandre definir uma muralha contra Gog e Magog, personagens bíblicos, episódio que até se encontrará mencionado no Corão (na identificação de Alexandre a Dhul Qarnayn).
A ideia terá sido construir uma muralha (ou portas de ferro...) para impedir uma invasão dos povos do norte, descritos como Gog e Magog, enquanto gigantes lendários. Esta invocação tem sido atribuída a uma tentativa de controlar invasões do Norte, e diverge desde se considerar o perigo das Amazonas, o perigo dos Godos, ou até a ameaça Mongol. Neste último sentido é atribuída uma confusão entre a muralha de Alexandre e a própria muralha da China... feita com o mesmo propósito!
No sentido de associar os Godos a Gog fala-se na semelhança do nome (Goth e Gog), e finalmente o próprio romance estabelece uma relação com Taléstris, uma rainha amazona. 
A conexão com as rainhas amazonas tinha já outro protagonista anterior. 
Com efeito, a rainha amazona Tomiris (ou Thamiris), como vingança da morte de seu filho, teria ordenado que a cabeça de Ciro fosse mergulhada em sangue:
Rubens: a cabeça de Ciro é entregue a Tomiris 
A história oficial não confirma este funesto destino para Ciro, o Grande, que assim terminaria a sua imensa saga de conquistas numa vingança Amazona. Há alguma consonância em reportar a sua morte em batalha com os Citas... designação geral onde se poderiam enquadrar as Amazonas, ou pelo menos uma rainha Tomiris.

No mesmo sentido, Alexandre Magno parece ter reportado uma proposta de casamento com uma princesa ou rainha dos Citas, que poderia ser Taléstris, entendida enquanto amazona.
Parece haver uma certa relutância em aceitar um reino com um poder no feminino, neste caso o reino das Amazonas, sendo que há diversas evidências de sociedades matriarcais. Por outro lado, constata-se ainda que todos os grandes impérios da Antiguidade tiveram como limite de progressão as paragens mais setentrionais... os romanos debatiam-se dificilmente com os godos, e parece nunca terem conseguido um controlo sobre a parte norte do Mar Negro.

Conforme temos aqui insistido, é bastante natural que a configuração geográfica fosse especialmente diferente, e estava a alterar-se na altura de Alexandre (ou mesmo já de Ciro), com a diminuição do nível do mar. As terras contíguas aos montes Urais deixavam de estar isoladas enquanto ilhas num Oceano setentrional, e ao fechar-se progressivamente num Mar Negro, por um lado, e num Mar Cáspio, pelo outro... tornava mais real a ameaça de invasão por povos desse mítico Norte de citas, tártaros, ou amazonas...
Um desses pontos de ligação seria exactamente o istmo (ou península) caucasiana.
A construção de uma defesa que permitisse evitar a invasão terrestre, que entretanto se tornava possível, aproveitando a cadeia montanhosa do Cáucaso, é algo que parece fazer sentido estratégico.

Portas Cáspias de Derbent
Essa linha de defesa foi aliás efectuada em Derbent.
As Portas Cáspias de Derbent parecem datar pelo menos do período sassânida persa, mas podem bem assentar numa linha de defesa já anterior. Uma parte é mesmo conhecida como Muralha de Alexandre, e ainda que não seja reportada a Alexandre, pode bem resultar de uma construção Seleucida, imediatamente posterior.

 

Portas Cáspias de Gorgan
De forma semelhante, na parte sudeste do Mar Cáspio, estão as Muralhas de Gorgan, já datadas pelo menos até ao império Parto-Persa, império sucessor dos Seleucidas macedónicos, em 247 a. C. Estas muralhas estendem-se por uma vasta linha, que as torna segundas em comprimento, com 195 Km. Sendo claramente superadas em extensão pela imensa Muralha da China, o propósito seria possivelmente o mesmo, evitando uma invasão tártara pelas margens do Cáspio.
  

Como Gorgan estaria na rota de progressão de Alexandre, pode ser considerado mais natural associar-lhe estoutra muralha. Porém, parece mais natural que no curto e intenso reinado de Alexandre apenas se possa ter planeado tal empreendimento. Qualquer concretização ligada a Alexandre deverá ser relegada para a dinastia do seu sucessor, o general Seleuco.

Gog e Magog
O Mar Cáspio que agora tende a desaparecer, seria a zona de defesa perante as ameaças de Citas, Tártaros ou Mongóis. A identificação dos gigantes bíblicos Gog e Magog (neto de Noé) aos Citas é feita por Flávio Josefo, com uma conotação de povos bárbaros, e que são até ligados ao Apocalipse!
Independentemente disso, os gigantes Gog e Magog são até considerados como patronos da City de Londres e estão ligados a mitos de gigantes nas ilhas britânicas:
Caricatura que mostra como os gigantes Gog e Magog 
sustentam o Paddy inglês.

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