Alvor-Silves

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Santa Cláusula

Dissidências, querelas, guerras, foram associadas a uma questão sobre a natureza de Cristo.
Não houve apenas combate entre religiões... uma questão milenar atravessou o cristianismo, causando profundas feridas civilizacionais por motivo de diverso entendimento teológico.
Falamos primeiro do Arianismo, e depois do Cisma entre as igrejas Romana e Ortodoxa.

O problema é essencialmente filosófico e reside na aceitação da Trindade, cujo entendimento escapará a muitos cristãos. Um problema académico filosófico transforma-se num problema letal.

É só no Séc. XX que o Arianismo vai ser confundido com uma questão racial. 
A história do arianismo estava ligada à cisão do cristianismo provocada por Arius de Alexandria, conforme já foi referido.
A questão da identificação de Deus a Cristo, a um Homem, encerra contradições aparentes, que foram levantadas por Arius, e consideradas heréticas no Concílio de Nicéia em 325 d.C.
Não foi por isso que a linha de pensamento de Arius deixou de estar presente na História. 
A revolta de Nika, esmagada por Belisário, opunha os verdes monofisistas (aceitando apenas a parte humana de Cristo), aos azuis conservadores (que aceitavam a dupla natureza, divina e humana, de Cristo). O arianismo surgiu ainda entre os Suevos, durante o seu período obscuro - talvez depois ignorado por essa mesma dissidência. O arianismo esteve ainda ligado à Alemanha através dos Cavaleiros Teutónicos.

Há alguma controvérsia sobre se São Nicolau (de Mira) teria ou não estado presente no Concílio de Nicéia, dado o seu nome não estar presente na lista. No entanto, corre também a forte tradição que teria sido ele a conduzir os trabalhos, e que teria chegado a bofetear Arius de Alexandria.
Nessa tradição, São Nicolau aparece como herói que sustém a heresia de Arius e dos seus seguidores, e impõe a Santa Cláusula da Trindade de Cristo. 
Seria exagerado colocar aqui o epíteto "Santa Cláusula" que é omitido, não houvesse a Cláusula Filioque, que aborda o mesmo tema. É claro que a tradição associa ainda a São Nicolau a distribuição de presentes pelas crianças, e que no Séc. XIX ficou instituído o nome Santa Claus, foneticamente lido como Santa Clause. Não é assim nos países latinos, usando-se a designação Pai Natal. O nome teria difícil justificação cristã, sendo associado a São Nicolau... porém junta os dois aspectos essenciais da Cláusula - a junção entre o Pai e o Filho - expresso no nascimento, no Natal.
São Nicolau de Mira (Séc. IV)
terá defendido a "Santa Cláusula" da Trindade

A Cláusula Filioque foi um outro assunto teológico sobre a Trindade, que provocou divisões. Esta cláusula do papa Leão I originou a cisão entre as igrejas Romana e Ortodoxa. Foi inicialmente aceite pelo Concílio de Calcedónia em 451 d.C., mas foi alvo de dúvidas e de uma disputa decisiva em 1059 d.C. entre Miguel Cerulário, patriarca de Constantinopla, e o Papa Leão IX. A Santa Cláusula Filioque impunha que o Espírito Santo emanasse não apenas de Deus, mas também de Cristo. As cláusulas da Trindade obrigavam a uma equivalência entre Pai e Filho.
Não vamos aqui discutir a validade das posições, até porque isso levaria a assuntos de índole filosófica que são normalmente omitidos, mesmo nas abordagens ao solipsismo.

Não sendo um assunto que estivesse claro nos Evangelhos, e não constando por isso como assunto colocado por Jesus Cristo, a questão pertinente será compreender como um assunto de índole filosófica vai afectar tão profundamente a fé cristã. A posição de Arius não negaria o carácter divino, apenas colocaria Jesus como uma encarnação, mas numa posição não igual a Deus.
Jesus seria filho de Deus, e não Deus... dificilmente a maioria dos católicos verá aqui uma heresia insanável. Convirá não esquecer a frase final, que consta nos Evangelhos de Mateus e Marcos, proferida por Jesus, quando se refere ao abandono do Pai.

Haveria muitos temas para controvérsia mais mobilizadora de opiniões e paixões populares, do que um tema de difícil compreensão filosófica, que serviu como mobilizador de populações e exércitos.
A questão colocar-se-ia a um nível diferente... se no entendimento judaico se aguardava o Messias, no entendimento cristão também se aguardava o Messias, mas numa segunda vinda, neste caso de Jesus Cristo. A sua natureza, humana ou divina, seria cuidado para a actuação na vinda futura.


2 comentários:

  1. Li com a merecida atenção este seu trabalho que me indicou, a propósito dos "meus duendes", que considero brilhante e bem fundamentado.
    É uma temática pela qual também me tenho interessado ao longo da vida.
    Para quem o queira e saiba entender à luz do conhecimento, o assunto é sem dúvida fascinante e vai ao encontro das mentes que se interessam por tentar compreender certos enigmas que estão na base da maioria das sociedades que pelo seu percurso evolutivo são aceites e interpretadas genéricamente como as mais ou menos civilizadas, ou mais ou menos evoluidas, conforme a prespectiva de análize que tambem é mutante com a evolução dos conceitos.
    Se e a filosofia nem sempre é bem entendida pela maioria dos comuns dos mortais, também é certo que está na base de muitas das grandes descobertas, que continuam contribuindo para a evolução do ser e da coisa.
    De facto, se para uns Maomé é o profeta antecessor do Messias , para outros poderá ser apenas mais um entre tantos.
    Se para uns, Cristo é mesmo o Messias, para outros também poderá ser apenas mais um profecta.
    O ser humano , sempre procurou respostas para compreender de modo fácil a razão da sua hexistência e acreditar em algo, promove e cimenta os diversos e distintos núcleos (Civilizações).
    O poder político, na sua evolução, também aprendeu que a força das armas nem sempre consegue ter a eficácia desejada para concretizar os control das massas populares e sempre soube "dar a mão ou apertar o pescocço".
    A mente do adversário e as suas convicções, tem sido a "coisa" mais difícil de avassalar.
    Assim, os poderes políticos, umas vezes permanecem em aparente sintonia com as Crenças, outras vezes tentam desmotiva-las ou dividi-las.
    lá diz a sabedoria popular:
    "Se não consegues vencer o inimigo, junta-te a ele" ou "Dividir para reinar".
    Por vezes fico pensando: Fomos Romanos antes e depois do Cristianismo e ainda continuamos falando Latin. Até quando, não sei !!!
    C. Manuel

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  2. Obrigado pelo comentário, e pelas palavras.
    Mais uma vez, aqui também não sou especialista, e certamente que um teólogo poderá encontrar incorrecções de terminologia. Outros poderão considerar disparatadas as conexões, e tudo é mais fácil de atacar quando é retirado fora do contexto.
    Ora, no contexto que fui seguindo, todo o novelo foi-se desenrolando quase sozinho. É claro que nunca me tinha intrigado especialmente a questão do nome do Pai Natal... porém, fui levado a este pequeno apontamento, que ajudou a ligar vários acontecimentos históricos. Outro assunto semelhante é a questão dos Reis Magos:
    http://alvor-silves.blogspot.pt/2010/09/magos.html
    ou
    http://alvor-silves.blogspot.pt/2011/01/magos-3.html

    Tem toda a razão, o poder político foi tentando ser mais eficaz na forma de controlar a população, com benefícios de todos. Os escravos romanos passaram a servos medievais, que só recentemente ganharam o estatuto de cidadãos.

    A língua portuguesa é algo que me tem surpreendido, pela riqueza encriptada. Muito virá do Latim, mas também consta da "mitologia proibida" que os latinos teriam saído daqui...
    http://alvor-silves.blogspot.pt/2010/05/por-tubal.html
    ver também a carta de Poliziano a D. João II:
    http://alvor-silves.blogspot.pt/2010/04/correspondencia-de-d-joao-ii.html

    O Cardeal Saraiva era de opinião que o português era anterior ao Latim:
    http://alvor-silves.blogspot.pt/2011/01/relacao-do-portugues-com-o-latim.html

    Desculpe estar a enviá-lo para outros textos, mas acabei por escrever mais de duzentos, e têm todos informação extensa e não redundante.

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