Alvor-Silves

sábado, 16 de abril de 2011

Conde D.Henrique e as quinas

Já aqui falámos sobre o Conde D. Henrique, a sua possível ascendência da casa de Bolonha, do Bulhão, e sobre as armas cujos bezantes lembrariam os das quinas. Isto resulta do relato de Damião de Góis, incluso despercebidamente na Crónica de D. Manuel.
Conde D. Henrique (na Epitome, de Faria e Sousa)

É claro que surgiram opiniões diversas, e Manuel Faria e Sousa (1590-1649), na Epitome de las Historias Portuguesas (escrita em espanhol e publicada em Bruxelas, 1677), diz o seguinte:
No se sabia, pues, de Enrique (como del Emperador Claudio Segundo) la patria, ni los padres, si bien le hazian sublime sus virtudes y sus hazañas , ascendencia mayor en todas edades, esplendor raro en qualquier Principe.
Faria e Sousa sintetiza como fabulosas as versões que o colocavam de Lorena (Bolonha, a versão de Damião de Góis), da Hungria ou Constantinopla, e sustém a tese de ser o quarto filho de Henrique, filho do primeiro duque de Borgonha, Roberto.

Muito posteriormente, em 1831, no ano seguinte à independência da Bélgica, a Academia de Ciências faz sair por António d'Almeida um exame das várias teses sobre o Conde D. Henrique. Em particular, é referida a hipótese de Damião de Góis, onde é considerado falso que:
-  o Conde D. Henrique seja segundo filho de Guilherme de Joinville, e por isso não pertenceria à casa dos duques de Lorena.
- pela parte materna seja descendente de D. Ramiro I, rei de Aragão - hipótese que Góis também sustinha.
- lhe tivesse sido dado o Condado de Astorga, ou ainda que tivesse vindo a Hespanha numa armada holandesa.

Basicamente a refutação sustenta que, sendo Guilherme de Joinville o filho mais novo de Eustácio II, então Henrique, o segundo filho de Guilherme, não estaria em condições de combater ao lado de Afonso VI de Leão contra o seu irmão Sancho, em 1072. Note-se ainda que Faria e Sousa coloca o casamento com D. Teresa em 1073. Como os filhos reconhecidos de Eustácio II (~1017-1087), com Ida de Lorena, foram nascidos entre 1056 (Eustácio III) e 1065 (Balduíno), um irmão mais novo colocaria de facto uma clara impossibilidade física.
Porém a questão é mais complicada... seguindo um link (enviado por Calisto) sobre a linhagem de Bolonha, encontramos um casamento prévio de Eustácio, com Goda, princesa de Inglaterra, em 1036, do qual não é suposto haver nenhum filho. Eustácio só teria filhos de Ida, ou possíveis ilegítimos...
Nesse mesmo link, citando um autor Murray (2000), somos levados à existência de um Guillaume, pela Genealogica comitum Boloniensium (séc. XIV), mas agora filho mais velho de Eustácio II. 
Curiosamente, a ordem seria: Guilherme, Godofredo, Balduíno, Eustácio III.
No link é colocada uma certa surpresa na existência deste Guillaume, mencionado por Damião de Góis. Acresce a suspeita de que não seria ilegítimo, pois Geoffrey, um outro bastardo de Eustácio II não é referido.
A participação de Eustácio II em Hastings, 1066 
(tapeçarias de Bayeux) [img]

A história de Damião de Góis faz sentido com uma ligeira alteração.
Do primeiro casamento, com Goda, Eustácio II poderia ter tido Guilherme. Depois, com Ida de Lorena, teria os restantes três. O sucesso dos filhos de Ida, Godofredo ao conquistar Jerusalém, e Balduíno, que se torna Rei de Jerusalém, deixam a posição de Guilherme frágil face aos restantes e em particular a Eustácio III, irmão dos outros dois. Seria assim, o irmão mais novo Eustácio III a herdar o condado de Bolonha - o único filho de Ida que deixaria descendência. 
Para contextualizar, há relatos de histórias que colocavam "Santa" Ida, e a gestação dos seus filhos, em paralelo com Santa Maria. O impacto da reconquista de Jerusalém era enorme, e mesmo um Guilherme filho de uma princesa inglesa (ou outra) apareceria diminuído face a Eustácio III, filho de Santa Ida. 

Este é um possível contexto explicativo para a tese de Damião de Góis, dando-lhe pelo menos o crédito de descobrir um Guilherme filho de Eustácio, entretanto apagado dos registos. No entanto, de acordo com as datas, há razão na crítica de António d'Almeida... um filho mais novo colocaria uma impossibilidade de datação.

Não deixamos de notar uma citação exagerada(?) que António d'Almeida faz sobre o túmulo do fundador da monarquia, com um letreiro de versos em latim, assinalado por Fr. António Brandão, que diria:
"... outro Alexandre jaz aqui, ou Júlio outro"
São ainda referidos os feitos do Conde D. Henrique numa jornada a Jerusalém, em 1103, de onde teria trazido importantes relíquias para Braga, dadas pelo (tio) rei Balduíno I.

Esta ligação a Jerusalém apareceu também referida em termos do brasão com os bezantes.
O nome bezante viria da moeda de ouro do Império Bizantino, que ficou colocado na heráldica de Bolonha, e também do duque da Cornualha (com 15 bezantes). Era uma característica de brasões de quem tinha participado nas Cruzadas.

Um link sobre a heráldica de Bolonha (também indicado por Calisto), mostra pormenores interessantes sobre a evolução dos bezantes no condado de Bolonha.
Primeiro, Eustácio II terá usado quatro bezantes, e o sucessor de Eustácio III já usava 6 bezantes, não parecendo por isso haver um limite, ou um valor fixo. O facto é mencionado como estranho nesse texto, e depois associado às cruzadas, ainda que sem justificação sobre o número.


Condado de Bolonha: 4 bezantes de Eustácio II, 
e 6 bezantes de Etienne du Blois [img]

No caso da monarquia portuguesa, conforme já referimos, houve também um acréscimo de 5 para 11, para que depois se fixasse em 5, na época de D. João II. Aí as quinas foram colocadas em orientação vertical, por uma questão de prestígio... como se algum prestígio tivesse sido recuperado.
A esse propósito, é interessante referir, que não escondendo a sua intenção de atingir Jerusalém, como objectivo final da empresa de Tanger, o infante D. Henrique usa como motto IDA.
A palavra IDA seria associada à "ida" a Jerusalém... mas por outro lado, é impossível ignorar que o nome de Ida estava também presente nos seus filhos, primeiros reis de Jerusalém. A verificar-se esta diferença de linhagem, o Infante D. Henrique talvez procurasse legitimar a linha de Guilherme, com uma nova conquista de Jerusalém. A atitude de D. João II parece indicar que no seu reinado o problema de legitimidade ancestral teria sido finalmente resolvido.

Quanto ao Condado de Bolonha, tal como no caso português, ele acabaria ainda por reduzir e fixar o número de bezantes em três, ao mesmo tempo que adoptava o cisne, associado à lenda do Cavaleiro do Cisne (Lohengrin... já mencionado aqui pela Maria da Fonte), bem ligada a Bolonha e Brabante.
  
Condado de Bolonha: número fixo de bezantes e o cisne [img]

A menção ao reino da Bélgica, fundado em 1830, está relacionada com a sua pretensa ligação ao senhorio do Bulhão, próximo de Bolonha, a que não será alheio o nome Balduíno, que os seus monarcas vieram a adoptar posteriormente.

3 comentários:

  1. Caro Alvor,
    Estive a reler um tópico sobre a ascendência do pai do primeiro Rei de Portugal no Geneall (http://www.geneall.net/P/forum_msg.php?id=195545&fview=e), e como lá é dito, a tese de Borgonha assenta num documento escrito por Theodore Godefroi, onde para os franceses é ele quem descobre a verdadeira origem da casa de Portugal, Austria, Lorraine, Bar e Navarra. Curioso... (veja por exemplo as mensagens de MSG a 07-05-2008 às 01:46 e às 02:18)
    Também curioso é :” Finalmente queria recordar que uma terceira tese (não sei, de momento, dar conta das fontes primárias dela) sobre as origens do conde Henrique chegou em certa altura (refiro-me à época "pré-Alexandre Herculano") a ser apresentada: e essa fazia dele um membro da casa da Lorena. Curiosamente, a que conseguira, com Godofredo de Bouillon, o simbolicamente importantissimo Reino de Jerusalém. Suponho que esta tese não tem fundamento em documentos próximos (medievais), e não sei em que fundamentou o seu autor, que suponho ser alguém dos confusos sécs. XVI-XVII.” (pelo mesmo MSG a 07-05-2008 às 15:41)
    Realmente é estranho não se saber a origem da familia reinante Portuguesa...

    Seja Guillaume, Guilherme e William a mesma coisa aparece aqui (http://freepages.genealogy.rootsweb.ancestry.com/~hwbradley/aqwg888.htm) o tal Guilherme, William Fitz Eustace mais velho que Godofredo, Balduíno e Eustácio II.
    Parei por aqui, pois começa a ser muito complicado para mim, e tudo piora quando se diz que William Fitz Eustace e William Fitz Osbern são a mesma pessoa.

    Achei curioso considerarem falsa a hipótese de Damião de Góis, mas ninguém diz que Guilherme de Joinville não existe...eu não o encontro.

    Só mais um aparte, no seu texto “Bolhão” Damião de Góis diz que:”(...) Geofroi, que nas guerras da Síria fez grandes proezas(...)”, na realidade existe um Geofroi que morre na guerra na terra Santa.

    A associação do motto do infante D Henrique, Lohengrin...nunca me lembrei, brilhante!

    Ainda não li a genealogia de Joinville...

    Com os melhores cumprimentos,

    Calisto

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  2. Caro Calisto

    Os Cavaleiros do Graal não podiam revelar nem o seu nome, nem a sua origem.
    Se o fizessem teriam que partir para sempre...

    Como Cristóvão Colombo.
    Como o Conde Dom Henrique.

    Como Christian Rosenkreuz.

    Melhores Cumprimentos

    Da Fonte

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  3. Caro Alvor,
    o que encontrei foi o seguinte (peço, de antemão,desculpa pela extensão excessiva):

    Existe o manuscrito de Fissieux (1632), e o manuscrito (recueil) 1054, usados por M Didot mas apresentam-se como uma cópia do de Vassebourg ‘Antiquités de la Gaule Belgique’ (1549) no que concerne a Guillaume de Boulogne, suas alianças, posteridade e as aventuras de Henry na Galiza.

    Guillaume, o mais novo dos irmãos morre em 1098, teria a baronia de Jaynville e outros circunvizinhos, tal como o governo do ducado de Lorraine na ausência dos seus irmãos. Teve duas mulheres, Geltrude, filha do conde de Las, e Mathilde, filha de Gerard, duque de Mozellanne. Deixou 3 filhos: Théodoric que sucede no ducado de Lorraine.

    Godefroy com a baronia de Jainville (esteve em Jerusalem e tomou parte nos espólios do seu tio Baudoin), pouco depois da morte do tio Baudoin (1119) volta para Jainville que governa até 1128, deixando um filho Godefroy II.

    Henry, o mais novo, estando na flôr da idade , no ano de 1110 embaca para Marselha, com intenção de chegar à Terra Santa, mas, ou por uma tempestade ou por deliberação daqueles que conduziam os navios foram aportar na Galiza. (o resto da “aventura” encontra-se em ‘Essai sur la genealogie de Joinville’, Didot).

    Apesar dos autores dizerem que esta genealogia (Joinville) encerra erros grosseiros, encontram nas notícias dadas por Vassebourg certos detalhes que não são desprovidos de interesse e que tomam por emprestados tradições locais.

    Para o autor, o interesse dado à importância histórica ao papel de Guillaume, irmão de Godefroi de Bouillon, propunha a demonstrar, contra toda a razão, que os duques de Lorraine tinham herdado os direitos da casa de Bouillon sobre o reino de Jerusalem como sucessores de Guillaume.
    No entanto é de referir que Guillaume não é, ao contrário do que se julgava, uma personagem imaginária. A sua existência é atestada por Guillaume de Tyr, por Lemire.

    Fonte: Essai sur l´histoire et la généalogie des Sires de Joinville (1008-1386) accompagné de chartes et documents inédits par J. Simonnet, conseiller a la cour d’appel de Dijon, membre correspondant de la société historique et archéologique de langues, président de l’académie des sciences, arts et belles-lettres de Dijon, correspondant du ministère de l’instruction publique, etc.-1876, pp.43-45, pp 55 (em pdf)

    Depois também existe ‘Mémoires de Jean Sire de Joinville ou histoire et chronique du tré-chrétien Roi Saint Louis’ (1858) (pp127), onde diz que de acordo com a ‘l’histoire inédite de Fissieux’, dos filhos de Guillaume, Thierry fica duque de Lorraine por morte do tio Baudouin, rei de Jerusalem, o segundo terá tido por divisão a baronia de Joinville por herança do seu tio Baudouin, e o terceiro Henri, que embarca em Marselha em 1110 para ir ter/vêr o seu irmão Geoffroi e o seu tio Baudouin, que era rei de Jerusalem, “Une tempète l’ayant fait aborder en Galice, il fut bien accueilli par Alphonse VI, que son frère avait chasé de son tròne, et il combattit si vaillamment les Sarrasins et le Maures, qu’Alphonse lui fit épouser sa fille naturelle Thérèse, et lui donna en dot le royaume de Portugal.”

    Melhores cumprimentos,

    Calisto

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