Alvor-Silves

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A questão Gaia

Quando falamos de Gaius Julius Caesar, transformamos o I de Iulius em Julius, não o fazemos com o I de Gaius, se o fizéssemos ficaria Gajus Julius Caesar.
A língua sofreu muitas torturas, até falar mentira... mas amparou-se com uma tradição semi-popular resistente. O Gajus não ficou em César, mas ficou na língua que não se atreve a ser escrita... de forma selvagem, ficaram gajos e gaiatos.

Falamos, é claro do culto a Gaia, à deusa primordial no panteão greco-romano, que empresta o prefixo "geo" a tudo o que se refere à Terra. Falar de GAJA seria rasca, falar de GAIA, não. A simples curva final na letra que transforma o I em J, altera a nossa percepção da semelhança, por vício educacional. 

Já não choca escrever MAJA com significado de MAIA, mas tudo se altera quando há conotação pejorativa enraízada... um raciocínio sujeito a troça, é educacionalmente auto-censurado. As semelhanças são exactamente as mesmas - num caso nem notamos, noutro caso recusamos a associação... é tudo um ardil educacional. Os maiatos são habitantes da Maia, mas os habitantes de Gaia passaram a gaienses e não a gaiatos. Caminhos diferentes para os filhos da mesma Terra, em fases diferentes. Junte-se-lhe a nossa Raia fronteiriça, para adicionar Reia ao mais primevo panteão feminino greco-romano.
La Maja desnuda y vestida (antes e após 1800), de Goja

No aspecto masculino, Majo terá associado Maio, mas do folclore de transmutações que se escondeu na letra G (que dá para Caius/Gaius ou Caia/Gaia) não me surpreenderia a associação Majo a Mago... (ou então, com o tratamento "ch" que damos ao "j" poderia bem ler-se Macho... já o castelhano cumpriu melhor o disfarce com o som "rr" para o "j").

Um bom exemplo de tortura da nomenclatura está documentado na evolução do nome Senegal.
Duarte Pacheco Pereira identifica-o escrevendo Canágua, algumas décadas depois a tortura fonética tinha levado à seguinte transformação sucessiva: Canágua, Çanágua, Çanaga, Senegal (conforme vai constando de registos e mapas).

Dir-se-à que invocando trocas de letras, as associações não têm fim e tudo é permitido... mas não é bem assim! Há registo causal suspeito nuns casos, enquanto noutras situações, sem o nexo causal, poderá ser considerado acidental. A escrita pode violentar mais facilmente a tradição fonética oral, que é bem menos controlável que a escrita.

Exércitos de eruditos e documentações indubitáveis podem dizer que a ligação Maja/Maia nada tem a ver com a alteração similar Gaja/Gaia... Sim, se fosse apenas essa a coincidência, poderíamos bem seguir sempre a voz do altifalante, mas não abdiquemos do nosso próprio escrutínio.
Quando se alimenta o absurdo por séculos, a credibilidade efectiva é pouco mais que nada... e a troça recai sobre a postura dos anões sobreviventes, guardadores do anel de Saturno, o gaiato, filho de Gaia e Úrano.
Saturno devorando os filhos, de Goya.

GUA
A linha das analogias na nomenclatura, que a Duquesa de Medina-Sidónia procurou seguir, na sua conexão África-América, foi diferente da nossa, mas chegou a paralelismos semelhantes, que obtivemos seguindo a cartografia e a descrição dos cronistas.
Há no entanto um ponto revelador que abunda nas atribuições feitas às línguas indígenas americanas e que tem uma conexão fonética directa com a cultura andaluza... o termo GUA, que pura e simplesmente deveria querer significar Água. Podemos assumir que a origem é o latino Aqua, mas parece mais indicado encarar o inverso, e aceitar a raiz de uma simples indicação directa: "a gua" - a água. A diferença fonética entre "qua" e "gua" pode ser imperceptível.

É óbvio que esta livre suspeita tem dupla raiz nos rios Guadiana e Guadalquivir, que leremos como:
Gua de Ana, e Gua del Quibir... e ficamos por aqui, apenas salientando que a palavra árabe para água é almaa (havendo certamente alternativas...).
Na América Central e Antilhas, multiplicam-se os nomes que usam "Gua", pelo que dispensamos a enumeração exaustiva, por exemplo: Guatemala, Nicarágua, lago Manágua, Guarumal, Guálan, rios Motagua, Águan, as ilhas Mayaguana ou mesmo Guadalupe... Guadalcanal, Guam, Guadalajara, Guana, Gualala, Guayteca, Guantanamo, etc... encontramos mais designações em mapas primitivos, antes das convenientes alterações posteriores.

É claro que isto pode nada significar, mas pode também significar a presença de uma cultura com fonética semelhante que influenciaria o Atlântico, desde a zona do Estreito de Gibraltar a toda a América Central (e sul).

A "Questão Gaia" começa aqui, e esta é a sua introdução.

2 comentários:

  1. Boa noite,

    Li este seu post, larguei a net, fui passar os olhos pela Monarquia Lusitana e saltou-me isto aos olhos que achei por bem vir aqui comentar...

    O Fr António Brandão escreve "Goadiana". "Goa" que nos levaria para outras paragens... mas sendo certo que "o" também se pode ler como "u".

    Ab

    JR

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    1. Obrigado... e sim, afinal Goa é uma cidade/região que se adequaria bem ao nome proposto.

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