Alvor-Silves

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Globo de João de Lisboa

Num dos mapas do Livro de Marinharia, de João Lisboa (que faleceu em 1525), está a imagem mais pormenorizada de um globo terrestre numa projecção polar centrada no pólo norte, e tem servido de logotipo a este Blog. 
Este globo é talvez a compilação mais clara do seu conhecimento na época, reunido noutros mapas. 
[clicar para aumentar]
Globo de João de Lisboa (1514)

A atribuição que consta na Portugalia Monumenta Cartographica faz datar o mapa para 1560, já muito depois da morte de João de Lisboa, sendo claro que há de facto inserções posteriores, que levam a essa datação. 
Porém, para inconveniência natural, o Livro de Marinharia começa dizendo 
"feito por João de Lisboa em 1514"
As poucas incongruências apontadas por Armando Cortesão em 1960 são referentes a inserções noutros mapas constantes do Livro de Marinharia, que colocam por exemplo um banco de D. João de Castro (escrito de forma diferente), e que só poderiam levar a essa datação tardia de 1560, pela clara corrupção do original. Ainda que se admitisse essa datação tardia, o mapa mundo revela pormenores notáveis, como um extenso conhecimento da América, só admitido muito posteriormente.

De facto, o mapa deve ter sido feito logo em 1514. Apesar de apresentar o Estreito de Magalhães, não o designa como tal. Isso é natural, pois a passagem de Magalhães é feita 7 anos depois... não seria natural estar ausente num mapa de 1560.
Os pontos fundamentais assinalados são:
- na América: a Terra Nova, Nuova Espanha, Peru, Brasill,
- na Europa/Médio Oriente: a Alemanha, Turquia
- em África: o Cabo da Boa Esperança, Preste João, Guiné(?)
- na Ásia/Oceânia: a Pérsia, a China, o Japão, Java, Maluco, Nova Guiné
(esta identificação de nomes está sujeita a algum erro, sendo difícil na resolução disponível)

Colocar-se-ia ainda a questão do Japão, sendo representado muito antes da sua descoberta oficial. No entanto reparamos que não existe nenhuma bandeira associada. Há duas bandeiras associadas a Java e Timor, que poderiam ser aceites desde 1512, e mesmo na China, com a chegada em 1513.
Sendo um mapa de 1514 é ainda natural que não coloque bandeiras na península arábica, numa altura em que Afonso de Albuquerque procurava estabelecer o domínio completo no Índico. Num mapa posterior, de 1560, essa escolha de bandeiras seria injustificável em vários locais, como por exemplo, em Ormuz ou no Ceilão.
Não há quase dúvidas que este mapa só pode ser anterior à circum-navegação de Magalhães, revelando no entanto um profundo conhecimento de toda a costa americana. Tem aliás o cuidado de não colar a parte americana à parte asiática, revelando um conhecimento do Estreito de Bering, quase 200 anos antes de Bering, e que na altura seria denominado Estreito de Anian.

O mapa usa uma representação polar única, com centro no pólo norte, algo particularmente adaptado a uma navegação pela bússola, da qual trata o seu Tratado da Agulha de Marear.
É possível converter esse mapa num planisfério, que leva aliás a uma representação consistente com os outros mapas inclusos no Livro de Marinharia. Apresentamos na figura seguinte essa conversão, tendo em atenção a adicional distorção que corta um dos quadrantes (a desproporção de 3/4 é corrigida com expansão de 4/3 centrada no meridano de Tordesilhas):

Planisfério obtido, a partir da representação polar no globo de João de Lisboa de 1514.

A partir desta projecção em planisfério, é possível encontrar claras semelhanças com a parte correcta do mapa Theatrum Mundi de João Lavanha (excluindo a parte aparentemente fantasiosa do continente antártico aí representado a sul):


Conforme já referido anteriormente, o mapa de João de Lisboa de 1514 não é significativamente muito diferente de alguns mapas feitos dois séculos depois. A parte mais significativa talvez seja a habitual omissão da Austrália (e também da Gronelândia... que tem a sua melhor representação na cópia de Cantino, de 1502), apresentando apenas uma mal definida Nova Guiné e Maluco.

Só depois da viagem de Cook, mais de 250 anos depois, foi possível apresentar mapas com informação global superior, incluindo a Austrália completa. 
Por que razão se regrediu no conhecimento, e se procurou redatar ou ignorar estes mapas? Por que razão se aceitou que Magalhães ou Colombo tivessem sido os protagonistas de façanhas bem conhecidas, e muito mais antigas? 
Pois esses são segredos que devem alimentar outros segredos e instituições secretas... aqui apenas vamos apontando algumas estórias mal contadas.

Ver também:

Sem comentários:

Enviar um comentário