Alvor-Silves

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Dom Fuas

Um dos primeiros personagens da história das navegações portuguesas é D. Fuas Roupinho (séc. XII). 
Há uma lenda interessante no Sítio da Nazaré, que considero instrutiva.


D. Fuas perseguia um veado numa caçada, e ter-se-ia precipitado para um abismo, não fora o aviso atempado de Nª Sra. da Nazaré. Esta estória pode ser vista no sentido em que o veado representa uma tentação, e que há limites humanos que nos são avisados providencialmente. Creio que nesta lenda há ainda a possibilidade de haver nevoeiro, o que dificultaria a percepção do precipício.

Independentemente da versão, a pequena estória é muito interessante, sob vários aspectos.
(i) Na perspectiva de estar associada a D. Fuas, e ao início das navegações, pode representar o aviso de que a empresa marítima deveria ser feita dentro da dimensão racional, e que não deveria haver a tentação de prosseguir sem o devido cuidado. O terreno onde se cavalgava tinha precipícios que o nevoeiro ocultava. Talvez D. Fuas tivesse pretendido iniciar a empresa de descobrimentos que só mais tarde se veio a concretizar.
(ii) Esta mesma estória serve para uma reflexão introspectiva sobre as precauções devidas ao prosseguir um caminho enevoado. O aviso surge sob uma forma que se situa acima da informação sensorial que não lhe mostra o precipício. Há uma informação adicional, que também poderá ser encarada como instintiva, que permite detectar o perigo à frente.
(iii) Outra interpretação mais interessante é aquela em que se assume que poderia mesmo não haver nevoeiro. Ou seja, D. Fuas estaria ciente do precipício, mas de tal forma confiante na sua montada que julgaria estar em cima de um Pégaso. Esta hipótese mais fabulosa é ainda mais instrutiva. Caso fosse esse o caso, quais seriam os possíveis destinos de D. Fuas? Na dimensão humana, encontrar-se-ia com os elementos, com o mar no final do precipício, e a estória terminaria com esse desfecho trágico. Numa outra dimensão fabulosa, admitindo que estaria mesmo montado num excelso Pégaso, terminaria a estória? Não! Nessa dimensão de fábulas, há Pégasos, mas também há dragões. Poderia superar aquele primeiro evento... mas o equilíbrio balança um poder com um contra-poder. Esse seria o aviso, nesta outra versão.
A lenda terminaria ainda assim com uma opção ao regresso à vida normal, após esse providencial aviso.

7 comentários:

  1. Caro Da Maia,
    relativamente ao seu ponto (iii), quando diz "(...) poderia mesmo não haver nevoeiro. Ou seja, D. Fuas estaria ciente do precipício, mas de tal forma confiante na sua montada que julgaria estar em cima de um Pégaso." Fez-me lembrar a batalha naval de 1182: "(...) D. Fuas, que não via Porto, em que recolher-se, nem outra alternativa, que a fuga, ou a peleja, escolheo esta, resoluto a morrer como até alli vivera."
    Já não se fazem Gentes como esta...

    Calisto

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  2. Caro Da Maia,
    por lapso faltou a fonte:

    Annaes da marinha Portugueza, por Ignacio da Costa Quintella. Tomo I 1839. pp12-13

    Com os melhores cumprimentos,

    Calisto

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  3. Lá estou eu a mencionar o José Hermano Saraiva mas não resisto até porque faz um jogo de palavras à la caro da Maia. " d.fuas perseguiu uma corça como haveria de morrer a perseguir corsários"
    Cumpts
    JR

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    1. Pois... corça ou corso e corsários!

      Diz Camões em 1572 nos Lusíadas:
      É Dom Fuas Roupinho, que na terra
      E no mar resplandece juntamente,
      Co fogo que acendeu junto da serra
      De Ábila, nas galés da Maura gente.


      É este o mesmo D. Fuas Roupinho que Hermano Saraiva diz ser invenção de frei Bernardo de Brito, nascido em 1569.

      Bernardo de Brito tinha pois 3 anos, e vemos a poderosa capacidade do bebé de Almeida em influenciar telepaticamente Camões, em Lisboa.
      Está ao nível de profundidade de raciocínio que Hermano Saraiva nos habituou, bem como do raciocínio de toda a pandilha que orbita e vive de ódios viscerais, transformados em clubes de fidelidade.
      Poderá alguém espantar-se por Hermano Saraiva não cruzar uma coisa com outra, ninguém lhe dizer, ninguém conhecer os Lusíadas, etc... eu não me espanto nada!

      Mas este texto aqui nada tinha a ver com D. Fuas, tinha a ver com a lenda, que é uma história interessante, independentemente da sua veracidade.

      Este é praticamente o texto de partida para o blog, e o que significa é que é a mesma onda que eleva os surfistas no ar, que os faz cair. É a mesma onda que eleva as pessoas ao estatuto de heróis, que os pode desfazer numa calúnia, etc...

      Abç

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  4. Eh eh... Calma,o homem não era assim tão mau.

    História de Portugal, sob a orientação do Prof. José Hermano Saraiva:

    “Estando D. Fuas Roupinho com el-rei em Coimbra (…) escreveram os de Lisboa a el-rei, como ali andavam nove galés de mouros (…) que lhes fazia grande guerra daquela costa e portos, e que fosse sua mercê pôr aquilo bom remédio. E el-rei chamou D. Fuas Roupinho e encomendou-lhe que fosse a Lisboa e que fizesse armar galés, e que pelejasse com aquelas dos mouros se os atendessem. E deu-lhe cartas para aqueles que haviam de vir suas fazendas ( funcionários reais ) que lhe dessem para aquilo tudo o que lhe fosse mister, e outras para a cidade que o mandava lá para armar aquela cousa, e fizessem toda a cousa que ele mandasse. E quando D. Fuas Roupinho foi desembargado, despediu-se de el-rei e foi-se a Lisboa. E quando aí chegou, deu as cartas aos da cidade , e aos outros as outras, que haviam o desembargo de el-rei. E logo foi ordenado, como a frota houvesse de ir armada. E desde aí logo como foi prestes ( e quando ficou preparada ), D. Fuas Roupinho entrou em ela e partiu logo direito contra o Cabo Espichel, porque lhe diziam que naquela parte do rio de Setúbal, mais amiúde, vinham aquelas galés a fazer guerra. E ao dobrar do cabo, vinham as galés dos mouros contra Lisboa, porque ouviram dizer a frota que se armava em ela.E por saberem tãos, não se detiveram mais, mas logo aferraram uns com os outros e pelejaram mui fortemente, e prouve a Deus que os mouros foram desbaratados e tomadas as galés todas”

    Como eu dizia no outro comentário, talvez, não acreditam a nível pessoal na sua existência mas profissionalmente não podem contornar a sua presença ainda que insistam num nível meramente lendário.

    JR

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    1. Ora, quando temos uma coisa "sob orientação", muitas vezes corresponde a pedidos para meter o nome, porque dá mais publicidade. O dito cujo provavelmente nunca leu mais do que uma página ou duas do que aparecia lá.
      Já é diferente tê-lo em directo, no seu programa, a dizer o oposto do que aqui transcreveu. Como de seguida, poderia tê-lo de novo a dizer o contrário, e de novo o oposto, conforme estivesse a falar com A, com B, ou com C.
      Há uma coisa que tenho mais ou menos como quase certa - Hermano Saraiva dá para uma apresentação do assunto, mas pouco mais que isso. Pior, o seu pior defeito, era raramente distinguir o que era baseado em documentação, do que era mera conjectura pessoal, baseada no pequeno almoço da região que visitava.
      Por isso, Hermano Saraiva foi o que foi, e não vale a pena tentar torná-lo em mais do que isso.

      Abç

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  5. Bom dia caro Da Maia,

    Basicamente sim é isso, considero o seu trabalho televisivo como uma apresentação de diversos tópicos e localidades e isso para mim é bastante positivo numa programação nacional com tão pouca cultura. Mas mesmo que o não considerasse desse modo eu viveria bem com a sua opinião de fulano ou sicrano.

    Cumpts,

    JR

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